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A proposta de alguns fabricantes de reduzir o imposto para
modelos até 1,4 vai ao encontro do interesse do consumidor

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorA notícia é do jornal carioca O Globo: quatro empresas — Fiat, General Motors, Peugeot e Volkswagen — teriam levado recentemente à Anfavea, a associação dos fabricantes, a sugestão de propor ao governo federal uma nova alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para automóveis com motores entre 1,0 e 1,4 litro, intermediária entre as que vigoram hoje para modelos até 1,0 e acima deste limite. A idéia, contudo, teria sido barrada pela própria associação, morrendo por ali.

É difícil saber com exatidão os motivos para a suposta recusa pela Anfavea em tocar a proposta adiante, mas o fato é que a entidade faria muito bem em levar a idéia ao governo.

Para começo de conversa, os "mil" foram uma má escolha já na primeira redução de imposto, em 1990, sob qualquer ponto de vista. Nenhum fabricante à época produzia motores com essa cilindrada (a Gurgel fazia o de 800 cm³, beneficiado por alíquota própria), mas a Fiat tinha facilidade em reduzir seu 1.050 para 1.000, o que gerou em tempo recorde o Uno Mille. As três concorrentes de então levaram cerca de dois anos para responder, ainda assim com produtos de desempenho lastimável, como o Chevette Junior e o Gol 1000. Fácil perceber qual foi o lobby que levou à decisão pelo governo Collor.

Desde então, motores de tão baixa cilindrada têm-se mostrado inadequados a um país com dimensões continentais, topografia acidentada e onde muitos possuem um só automóvel, que deve servir para todo tipo de uso. É bem diferente do mercado europeu, onde é comum haver na família um carro urbano, de motor pequeno, e um maior para as viagens. E "pequeno", lá, não significa 1,0 litro, cilindrada que praticamente inexiste no continente: o habitual é a gama de motores começar em 1,2 ou 1,3 litro. Todos os "mil" nacionais tiveram de ser desenvolvidos para nosso mercado e, é evidente, não servem para exportação. Até os vizinhos da América Latina dirigem nossos carros com motores maiores. Seremos nós os únicos certos?

O fato é que o 1,0 emplacou — e não seria diferente se o benefício fosse dado a motores de qualquer outra cilindrada. Em 1993, quando um devaneio do então presidente Itamar levou ao retorno do Fusca, alguns imaginaram que o erro seria reparado: o próprio besouro, a Kombi e o Chevette L com motor 1,6 foram incluídos no projeto do carro popular. Mas o IPI logo foi revisto e a GM só conseguiu manter o benefício à versão 1,0 do Corsa.

Diante da improbabilidade de nova revisão dos critérios, os fabricantes começaram a corrida por maior potência. Vieram o Gol 16-válvulas em 1998, sua versão Turbo em 2000, o Fiesta Supercharger em 2002. Sedãs, peruas, picapes, furgões (Fiat Fiorino) e até utilitário esporte de 1.200 kg — o EcoSport — participaram da classe beneficiada por menor IPI. Pouco importava se os motores serviam para carros bem mais pesados que os primeiros "mil": o consumidor queria pagar menos e, como a isca tem de agradar ao peixe, os pescadores (fabricantes) a usavam. À exceção do motor Turbo da VW (caríssimo, porém), todos tinham a deficiência inerente à baixa cilindrada: respostas fracas em baixa rotação, que tornam o dirigir desagradável. Em modelos mais modernos como Fiesta e Corsa, que superam os 1.000 kg, o motor 1,0 é de irritar qualquer um.

Ainda em 2002, a redução do imposto para a categoria entre 1,0 e 2,0 litros trouxe-nos um alento: parecia que o brasileiro passaria a rodar com motores maiores e carros melhores, sem pagar muito mais por isso. Mas não foi bem o que se viu: com a economia em eterna crise, os 1,0-litro continuaram a opção de mais da metade dos compradores de carros novos, já que o benefício fiscal ainda os deixa mais baratos. É verdade que a diferença hoje é menor que em outros tempos, mas continua expressiva.

De 2003 para cá surgiram interessantes alternativas na faixa de 1,25 a 1,4 litro, como Palio, 206 e C3. A Peugeot tomou uma ótima decisão, no fim do ano passado, ao trocar o motor 1,0 16V pelo 1,4 em seu pequeno, mantendo o preço anterior — e tem colhido os frutos com um grande sucesso de vendas. GM e VW têm nas mangas eficientes motores 1,4 (o do Celta, que poderia ser estendido ao Corsa, e o da Kombi, usado no Fox de exportação e facilmente aplicável a vários de seus automóveis), mas se deparam com a inviabilidade de usá-los: como o custo de produção e o IPI são os mesmos dos 1,6 e 1,8, não é viável oferecê-los a preço de 1,0. Quanto à Ford, parece deitada em berço esplêndido e não se sabe se planeja um 1,4, embora devesse.

Para o consumidor, a proposta de alíquota menor só traria benefícios. Se a recusou, a Anfavea mostrou-se pouco interessada em oferecer mais pelo mesmo preço aos brasileiros, uma posição que precisa ser revista.

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Data de publicação: 18/3/06

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