A
notícia é do jornal carioca O Globo: quatro empresas — Fiat,
General Motors, Peugeot e Volkswagen — teriam levado recentemente à
Anfavea, a associação dos fabricantes, a sugestão de propor ao governo
federal uma nova alíquota de IPI (Imposto sobre Produtos
Industrializados) para automóveis com motores entre 1,0 e 1,4 litro,
intermediária entre as que vigoram hoje para modelos até 1,0 e acima
deste limite. A idéia, contudo, teria sido barrada pela própria associação,
morrendo por ali.
É difícil saber com exatidão os motivos para a suposta recusa pela Anfavea
em tocar a proposta adiante, mas o fato é que a entidade faria muito
bem em levar a idéia ao governo.
Para começo de conversa,
os "mil" foram uma má escolha já na primeira redução de imposto, em
1990, sob qualquer ponto de vista. Nenhum fabricante à época produzia
motores com essa cilindrada (a Gurgel fazia o de 800 cm³, beneficiado
por alíquota própria), mas a Fiat tinha facilidade em reduzir seu
1.050 para 1.000, o que gerou em tempo recorde o Uno Mille. As três
concorrentes de então levaram cerca de dois anos para responder, ainda
assim com produtos de desempenho lastimável, como o Chevette Junior e
o Gol 1000. Fácil perceber qual foi o lobby que levou à decisão
pelo governo Collor.
Desde então, motores de tão baixa cilindrada têm-se mostrado
inadequados a um país com dimensões continentais, topografia
acidentada e onde muitos possuem um só automóvel, que deve servir para
todo tipo de uso. É bem diferente do mercado europeu, onde é comum
haver na família um carro urbano, de motor pequeno, e um maior para as
viagens. E "pequeno", lá, não significa 1,0 litro, cilindrada que
praticamente inexiste no continente: o habitual é a gama de motores
começar em 1,2 ou 1,3 litro. Todos os "mil" nacionais tiveram de ser
desenvolvidos para nosso mercado e, é evidente, não servem para
exportação. Até os vizinhos da América Latina dirigem nossos carros
com motores maiores. Seremos nós os únicos certos?
O fato é que o 1,0 emplacou — e não seria diferente se o benefício
fosse dado a motores de qualquer outra cilindrada. Em 1993, quando um
devaneio do então presidente Itamar levou ao retorno do Fusca, alguns
imaginaram que o erro seria reparado: o próprio besouro, a Kombi e o
Chevette L com motor 1,6 foram incluídos no projeto do carro popular.
Mas o IPI logo foi revisto e a GM só conseguiu manter o benefício à
versão 1,0 do Corsa.
Diante da improbabilidade de nova revisão dos critérios, os
fabricantes começaram a corrida por maior potência. Vieram o Gol
16-válvulas em 1998, sua versão Turbo em 2000, o Fiesta Supercharger
em 2002. Sedãs, peruas, picapes, furgões (Fiat Fiorino) e até
utilitário esporte de 1.200 kg — o EcoSport — participaram da classe
beneficiada por menor IPI. Pouco importava se os motores serviam para
carros bem mais pesados que os primeiros "mil": o consumidor queria
pagar menos e, como a isca tem de agradar ao peixe, os pescadores
(fabricantes) a usavam. À exceção do motor Turbo da VW (caríssimo,
porém), todos tinham a deficiência inerente à baixa cilindrada:
respostas fracas em baixa rotação, que tornam o dirigir desagradável.
Em modelos mais modernos como Fiesta e Corsa, que superam os 1.000 kg,
o motor 1,0 é de irritar qualquer um.
Ainda em 2002, a redução do imposto para a categoria entre 1,0 e 2,0
litros trouxe-nos um alento: parecia que o brasileiro passaria a rodar
com motores maiores e carros melhores, sem pagar muito mais por isso.
Mas não foi bem o que se viu: com a economia em eterna crise, os
1,0-litro continuaram a opção de mais da metade dos compradores de
carros novos, já que o benefício fiscal ainda os deixa mais baratos. É
verdade que a diferença hoje é menor que em outros tempos, mas
continua expressiva.
De 2003 para cá surgiram interessantes alternativas na faixa de 1,25 a
1,4 litro, como Palio, 206 e C3. A Peugeot tomou uma ótima decisão, no
fim do ano passado, ao trocar o motor 1,0 16V pelo 1,4 em seu pequeno,
mantendo o preço anterior — e tem colhido os frutos com um grande
sucesso de vendas. GM e VW têm nas mangas eficientes motores 1,4 (o do
Celta, que poderia ser estendido ao Corsa, e o da Kombi, usado no Fox
de exportação e facilmente aplicável a vários de seus automóveis), mas
se deparam com a inviabilidade de usá-los: como o custo de produção e
o IPI são os mesmos dos 1,6 e 1,8, não é viável oferecê-los a preço de
1,0. Quanto à Ford, parece deitada em berço esplêndido e não se sabe
se planeja um 1,4, embora devesse.
Para o consumidor, a proposta de alíquota menor só traria
benefícios. Se a recusou, a Anfavea mostrou-se pouco interessada em
oferecer mais pelo mesmo preço aos brasileiros, uma posição que
precisa ser revista. |