O poder de mudar

Em um cenário desfavorável ao comprador de automóveis,
comparar e fazer a melhor escolha é sua maior defesa

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorComo todo entusiasta por automóveis, tenho ficado preocupado com os rumos de nossa indústria automobilística nos últimos anos.

Na década de 1980 tínhamos um leque restrito de marcas e modelos, muitos deles de concepção muito antiga. Mas boa parte estava em sintonia com os de países desenvolvidos, havia fartura de opções — versões esportivas, vários tons de interior, até um conversível de fábrica — e notava-se, até em alguns modelos de entrada, agradável cuidado com o acabamento. Sem falar que mesmo os carros mais baratos tinham motores com boas respostas no uso cotidiano. O Gol, por exemplo, começava com um 1,6 de 90 cv (a álcool).

Nos anos 90 vivemos a abertura do mercado aos importados. As linhas atualizaram-se rapidamente, a tecnologia desenvolveu-se e, com reduções de impostos (infelizmente vinculadas a inadequados motores de 1,0 litro, tema de recente editorial), as vendas cresceram de forma exponencial. Em contrapartida, fomos perdendo em variedade de opções e, mais para o final do século, em qualidade de acabamento. Foram-se embora nossos conversíveis, a maioria dos esportivos e o único carro grande nacional, junto de seu motor de seis cilindros.

Na presente década, o cenário está longe de ser positivo. O mercado não cresceu tanto quanto se previa há alguns anos, mas seu tamanho ainda justificaria, sem dúvida, investir em mais opções. Quase não temos esportivos, que deram lugar a pacotes decorativos, em geral com cinco portas e motores que não entusiasmam. Não existem mais modelos grandes ou motores de mais de cinco cilindros. Perdemos peruas para ganhar minivans... que hoje também estão defasadas. O acabamento em todos os segmentos andou para trás. Os modelos de entrada ficam cada vez mais pobres e, mesmo em classes superiores, as "equipes de depenação" removem itens e desrespeitam o consumidor. Para usufruir o menor imposto, carros pesados continuam a usar motores de 1,0 litro.

Em nome da redução de custos — sempre ela, embora o preço final raramente diminua —, modernos motores superalimentados e de quatro válvulas por cilindro foram trocados por outros mais simples e antigos, nem sempre eficientes. A ilusão visual parece a mais forte ferramenta de vendas, como provam os falsos fora-de-estrada. E a flexibilidade de combustível, considerada risivelmente o "avanço do século" por um jornal de São Paulo (mas o século não começou há pouco?), mostrou-se inútil assim que os usineiros, com sua ganância, levaram o preço do álcool a um patamar inviável. Hoje, praticamente em todo o País os flex rodam com gasolina... como os carros "de antigamente".

Diante desse triste cenário, percebe-se que o dólar voltou ao patamar de pouco acima de R$ 2,00, como não se via desde bem antes da ascensão de Lula nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2002. O resultado é que alguns importados ganharam condições de competir em preço com os nacionais. Os que vêm do México — como Honda Accord, Nissan Sentra, Dodge Ram, Chrysler PT Cruiser, VW Bora e, ainda este mês, Ford Fusion —, como não pagam imposto de importação, já chegam a valores convidativos. Mas a indústria brasileira continua protegida pela tributação pesada aos carros trazidos de outros países, exceto o Mercosul. Em poucos lugares do mundo se penalizam tanto os estrangeiros, o que favorece a ineficiência e o abuso nos preços.

O que se cobra pelos nacionais está mesmo difícil de justificar. Para ficar em um exemplo, no início de 2000 um Corsa Wind três-portas custava R$ 15,4 mil, ou US$ 8,7 mil pela cotação do dólar a R$ 1,77. Hoje o modelo correspondente, o Celta Super, sai por R$ 26 mil, que representam US$ 12 mil com a moeda americana a R$ 2,15. Um aumento de 38% em dólar para um carro que, em vez de evoluir, retrocedeu em muitos aspectos. Se formos comparar o Wind a seu sucessor natural, o Corsa Joy de nova geração — foi essa a substituição feita no mundo desenvolvido, não foi? —, o resultado assusta: R$ 29,6 mil ou US$ 13,7 mil, elevação de 57%.  E, justiça seja feita, a General Motors está longe de ser a única nessa situação.

Como mudar um quadro tão desfavorável? Um caminho seria reduzir o imposto de importação, de modo a restabelecer a competitividade que os estrangeiros tiveram por aqui na década passada. Causaria queda de vendas e desemprego? Balela. Há dez anos os importados tinham presença expressiva no mercado e a indústria nacional estava em total estímulo, investindo e abrindo novas fábricas. Como uma mudança desse porte não depende do consumidor, sua melhor maneira de contribuir é ser altamente exigente na compra. Analisar, conhecer, comparar. Ler publicações especializadas, como o Best Cars, e não orientar sua escolha apenas pelo visual ou pela sensação — muitas vezes ilusória — de que o preço é atraente.

Os rumos preocupam, mas ainda está em nossas mãos o poder de mudá-los.

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Data de publicação: 15/4/06

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