Como todo entusiasta por
automóveis, tenho ficado preocupado com os rumos de nossa indústria
automobilística nos últimos anos.
Na década de 1980 tínhamos um leque restrito de marcas e modelos,
muitos deles de concepção muito antiga. Mas boa parte estava em
sintonia com os de países desenvolvidos, havia fartura de opções —
versões esportivas, vários tons de interior, até um conversível de
fábrica — e notava-se, até em alguns modelos de entrada, agradável
cuidado com o acabamento. Sem falar que mesmo os carros mais baratos
tinham motores com boas respostas no uso cotidiano. O Gol, por
exemplo, começava com um 1,6 de 90 cv (a álcool).
Nos anos 90 vivemos a abertura do mercado aos importados. As linhas
atualizaram-se rapidamente, a tecnologia desenvolveu-se e, com
reduções de impostos (infelizmente vinculadas a inadequados motores de
1,0 litro, tema de recente editorial), as vendas
cresceram de forma exponencial. Em contrapartida, fomos perdendo em
variedade de opções e, mais para o final do século, em qualidade de
acabamento. Foram-se embora nossos conversíveis, a maioria dos
esportivos e o único carro grande nacional, junto de seu motor de seis
cilindros.
Na presente década, o cenário está longe de ser positivo. O mercado
não cresceu tanto quanto se previa há alguns anos, mas seu tamanho
ainda justificaria, sem dúvida, investir em mais opções. Quase não
temos esportivos, que deram lugar a pacotes decorativos, em geral com
cinco portas e motores que não entusiasmam. Não existem mais modelos
grandes ou motores de mais de cinco cilindros. Perdemos peruas para
ganhar minivans... que hoje também estão defasadas. O acabamento em
todos os segmentos andou para trás. Os modelos de entrada ficam cada
vez mais pobres e, mesmo em classes superiores, as "equipes de
depenação" removem itens e desrespeitam o consumidor. Para usufruir o
menor imposto, carros pesados continuam a usar motores de 1,0 litro.
Em nome da redução de custos — sempre ela, embora o preço final
raramente diminua —, modernos motores superalimentados e de quatro
válvulas por cilindro foram trocados por outros mais simples e
antigos, nem sempre eficientes. A ilusão visual parece a mais forte
ferramenta de vendas, como provam os falsos fora-de-estrada. E a
flexibilidade de combustível, considerada risivelmente o "avanço do
século" por um jornal de São Paulo (mas o século não começou há
pouco?), mostrou-se inútil assim que os usineiros, com sua ganância,
levaram o preço do álcool a um patamar inviável. Hoje, praticamente em
todo o País os flex rodam com gasolina... como os carros "de
antigamente".
Diante desse triste cenário, percebe-se que o dólar voltou ao patamar
de pouco acima de R$ 2,00, como não se via desde bem antes da ascensão
de Lula nas pesquisas para as eleições presidenciais de 2002. O
resultado é que alguns importados ganharam condições de competir em
preço com os nacionais. Os que vêm do México — como Honda Accord,
Nissan Sentra, Dodge Ram, Chrysler PT Cruiser, VW Bora e, ainda este
mês, Ford Fusion —, como não pagam imposto de importação, já chegam a
valores convidativos. Mas a indústria brasileira continua protegida
pela tributação pesada aos carros trazidos de outros países, exceto o
Mercosul. Em poucos lugares do mundo se penalizam tanto os
estrangeiros, o que favorece a ineficiência e o abuso nos preços.
O que se cobra pelos nacionais está mesmo difícil de justificar. Para
ficar em um exemplo, no início de 2000 um Corsa Wind três-portas
custava R$ 15,4 mil, ou US$ 8,7 mil pela cotação do dólar a R$ 1,77.
Hoje o modelo correspondente, o Celta Super, sai por R$ 26 mil, que
representam US$ 12 mil com a moeda americana a R$ 2,15. Um aumento de
38% em dólar para um carro que, em vez de evoluir, retrocedeu
em muitos aspectos. Se formos comparar o Wind a seu sucessor natural,
o Corsa Joy de nova geração — foi essa a substituição feita no mundo
desenvolvido, não foi? —, o resultado assusta: R$ 29,6 mil ou US$ 13,7
mil, elevação de 57%. E, justiça seja feita, a General
Motors está longe de ser a única nessa situação.
Como mudar um quadro tão desfavorável? Um caminho seria reduzir o
imposto de importação, de modo a restabelecer a competitividade que os
estrangeiros tiveram por aqui na década passada. Causaria queda de
vendas e desemprego? Balela. Há dez anos os importados tinham presença
expressiva no mercado e a indústria nacional estava em total estímulo,
investindo e abrindo novas fábricas. Como uma mudança desse porte não
depende do consumidor, sua melhor maneira de contribuir é ser
altamente exigente na compra. Analisar, conhecer, comparar. Ler
publicações especializadas, como o Best Cars, e não orientar
sua escolha apenas pelo visual ou pela sensação — muitas vezes
ilusória — de que o preço é atraente.
Os rumos preocupam, mas ainda está em nossas mãos o poder de mudá-los. |