Novidade tem seu preço

Com o sucesso do novo Civic, reaparece no mercado
o ágio, que já esteve em vários tempos de nossa história

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorA Honda comemora o sucesso instantâneo da nova geração do Civic. Mal chegou, no fim de abril, o carro já conquistou em maio o 9º lugar em vendas no mercado nacional, com 1.100 unidades a mais que o Corolla, o ex-líder e atual 2º colocado na categoria de sedãs médios. Agora em junho o 9º lugar repetiu-se, com 800 veículos a mais que o oponente da Toyota, 1.200 mais que o Vectra e 2.700 mais que o novo Mégane, em números redondos. Nas concessionárias há fila de espera de mais de um mês em alguns casos. Mas é possível ter um de imediato pagando em média R$ 5.000 de sobrepreço, o famoso ágio.

O que acontece hoje com o Civic já foi visto, várias vezes, em outros tempos do mercado nacional. Os mais antigos devem se lembrar de casos remotos como o Jeep Universal e a Rural, da Willys, além do Volkswagen — ainda bem antes de adotar o apelido Fusca. Com as dificuldades de produção inerentes àquele engatinhar da indústria brasileira, entre o fim dos anos 50 e o começo dos 60, a demanda superava largamente a oferta e não se conseguia comprar com facilidade um desses modelos.

Outro caso da época foi o do FNM 2000, ou JK, produzido pela empresa estatal com grande conteúdo importado e que arrebatou corações. A fabricação era tão limitada que, para se adquirir o mais moderno carro nacional de seu tempo, só mesmo com "pistolão", a recomendação de algum político. Nos anos 70 foi a vez do Brasília, sucesso instantâneo apesar da rejeição inicial por muitos concessionários — é o que conta o colunista Bob Sharp, que era um deles na época, mas de imediato viu o potencial do carro que tinha tudo para suceder ao Fusca. Outro VW que deu ágio (de até 25%) no período foi o Karmann Ghia TC, com seu visual inspirado no do Porsche 911. No fim da década, o Corcel II seria mais um sucesso de gerar fila de espera.

Com a recessão econômica dos anos 80 o ágio tornou-se exceção, a não ser em 1986, por força do congelamento de preços do Plano Cruzado — a tal inflação zero por decreto do presidente José Sarney —, quando os carros sumiram das concessionárias e apareceram na "boca", as lojas independentes, por valores bem maiores. A situação artificial não durou mais que alguns meses, mas o sobrepreço voltaria na década seguinte.

Com o programa do carro popular de 1993, alguns modelos de 1,0 e 1,6 litro tiveram a tributação reduzida e, em conseqüência, o preço. A procura foi tamanha que, diante das longas filas nas concessionárias e do ágio cobrado na "boca", a Fiat lançou o programa Mille On Line, uma lista de espera nacional com entrega determinada e multa em caso de atraso. Talvez nem fosse preciso esse esforço se não levasse quase um ano a chegada do Corsa de primeira geração...

Ainda sem a capacidade plena de produção, cujo gargalo estava na seção de pintura, a General Motors viu uma grande demanda reprimida, pois o carrinho era realmente inovador na classe de 1,0 litro. Até injeção de combustível tinha. Como o preço de tabela — equivalente a US$ 7.350 — era o mesmo de defasados concorrentes, o público aceitou pagar por ele nas concessionárias e no mercado paralelo até US$ 11.000, ou 50% mais! Foi o único caso, na história de nossa indústria automobilística, em que um alto executivo de um fabricante (o então vice-presidente André Beer) apareceu em comerciais de TV pedindo calma aos compradores, que esperassem o aumento da produção.

Embora com menor ágio, a segunda geração do Vectra passou por situação parecida em 1996. Os importados haviam ficado caros em fevereiro do ano anterior, com a súbita elevação do imposto de importação — de 20% para 70% —, e a GM pôde deitar e rolar com seu médio de classe mundial, que não devia nada aos melhores estrangeiros da categoria. Por anos foi o carro mais vendido do mercado entre os que não tinham versão de 1,0 litro.

Ágio, portanto, está longe de ser novidade por aqui — e também no exterior. No maior mercado de automóveis do mundo, o dos Estados Unidos, com infinitas opções e enorme concorrência, volta e meia surge um carro que gera demanda a ponto de ser vendido com sobrepreço. Foi assim com o Mazda Miata/MX5, lançado em 1989; com o Volkswagen New Beetle, em 1998; e tem sido agora com o Pontiac Solstice, cujo valor de mercado chega a superar em 50% o preço público sugerido pelo fabricante.

Ainda não se conhece um meio de revogar a lei da oferta e da procura. Enquanto isso, o prazer de rodar com o carro "do momento", de ser dos primeiros a possuí-lo, continua a ter seu preço. Que o comprador só paga se quiser.

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Data de publicação: 8/7/06

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