A Honda comemora o
sucesso instantâneo da nova geração do Civic. Mal chegou, no fim de
abril, o carro já conquistou em maio o 9º lugar em vendas no mercado
nacional, com 1.100 unidades a mais que o Corolla, o ex-líder e atual
2º colocado na categoria de sedãs médios. Agora em junho o 9º lugar
repetiu-se, com 800 veículos a mais que o oponente da Toyota, 1.200
mais que o Vectra e 2.700 mais que o novo Mégane, em números
redondos. Nas concessionárias há fila de espera de mais de um mês em
alguns casos. Mas é possível ter um de imediato pagando em média R$
5.000 de sobrepreço, o famoso ágio.
O que acontece hoje com o Civic já foi visto, várias vezes, em outros
tempos do mercado nacional. Os mais antigos devem se lembrar de casos
remotos como o Jeep Universal e a Rural, da Willys, além do Volkswagen
— ainda bem antes de adotar o apelido Fusca. Com as dificuldades de
produção inerentes àquele engatinhar da indústria brasileira, entre o
fim dos anos 50 e o começo dos 60, a demanda superava largamente a
oferta e não se conseguia comprar com facilidade um desses modelos.
Outro caso da época foi o do FNM 2000, ou JK, produzido pela empresa
estatal com grande conteúdo importado e que arrebatou corações. A
fabricação era tão limitada que, para se adquirir o mais moderno carro
nacional de seu tempo, só mesmo com "pistolão", a recomendação de
algum político. Nos anos 70 foi a vez do Brasília, sucesso instantâneo
apesar da rejeição inicial por muitos concessionários — é o que conta
o colunista Bob Sharp, que era um deles na época, mas de imediato viu
o potencial do carro que tinha tudo para suceder ao Fusca. Outro VW
que deu ágio (de até 25%) no período foi o Karmann Ghia TC, com seu
visual inspirado no do Porsche 911. No fim da década, o Corcel II
seria mais um sucesso de gerar fila de espera.
Com a recessão econômica dos anos 80 o ágio tornou-se exceção, a não
ser em 1986, por força do congelamento de preços do Plano Cruzado — a
tal inflação zero por decreto do presidente José Sarney —, quando os
carros sumiram das concessionárias e apareceram na "boca", as lojas
independentes, por valores bem maiores. A situação artificial não
durou mais que alguns meses, mas o sobrepreço voltaria na década
seguinte.
Com o programa do carro popular de 1993, alguns modelos de 1,0 e 1,6
litro tiveram a tributação reduzida e, em conseqüência, o preço. A
procura foi tamanha que, diante das longas filas nas concessionárias e
do ágio cobrado na "boca", a Fiat lançou o programa Mille On Line, uma
lista de espera nacional com entrega determinada e multa em caso de
atraso. Talvez nem fosse preciso esse esforço se não levasse quase um
ano a chegada do Corsa de primeira geração...
Ainda sem a capacidade plena de produção, cujo gargalo estava na seção
de pintura, a General Motors viu uma grande demanda reprimida, pois o
carrinho era realmente inovador na classe de 1,0 litro. Até injeção de
combustível tinha. Como o preço de tabela — equivalente a US$ 7.350 —
era o mesmo de defasados concorrentes, o público aceitou pagar por ele
nas concessionárias e no mercado paralelo até US$ 11.000, ou 50% mais!
Foi o único caso, na história de nossa indústria automobilística, em
que um alto executivo de um fabricante (o então vice-presidente André
Beer) apareceu em comerciais de TV pedindo calma aos compradores, que
esperassem o aumento da produção.
Embora com menor ágio, a segunda geração do Vectra passou por situação
parecida em 1996. Os importados haviam ficado caros em fevereiro do
ano anterior, com a súbita elevação do imposto de importação — de 20%
para 70% —, e a GM pôde deitar e rolar com seu médio de classe
mundial, que não devia nada aos melhores estrangeiros da categoria.
Por anos foi o carro mais vendido do mercado entre os que não tinham
versão de 1,0 litro.
Ágio, portanto, está longe de ser novidade por aqui — e também no
exterior. No maior mercado de automóveis do mundo, o dos Estados
Unidos, com infinitas opções e enorme concorrência, volta e meia surge
um carro que gera demanda a ponto de ser vendido com sobrepreço. Foi
assim com o Mazda Miata/MX5, lançado em 1989; com o Volkswagen New
Beetle, em 1998; e tem sido agora com o Pontiac Solstice, cujo valor
de mercado chega a superar em 50% o preço público sugerido pelo
fabricante.
Ainda não se conhece um meio de revogar a lei da oferta e da procura.
Enquanto isso, o prazer de rodar com o carro "do momento", de ser dos
primeiros a possuí-lo, continua a ter seu preço. Que o comprador só
paga se quiser. |