Questão de imagem

A forma como o mercado enxerga a marca pode decidir
o sucesso ou o fracasso de um novo automóvel

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorDepois de vender apenas 820 unidades no ano passado, ante uma previsão inicial de 10.000 anuais, a Volkswagen decidiu puxar a tomada do sedã de alto luxo Phaeton no mercado americano. Se em outros países o topo de linha da empresa tem conseguido algum êxito, nos Estados Unidos foi um tremendo fiasco — embora os compradores de usados já vejam com euforia a possibilidade de ter um a preços tentadores, depois da imensa desvalorização absorvida pelo primeiro proprietário.

O que há de errado com o Phaeton, a ponto de ter sido apelidado por lá de Phantom (aparição, fantasma) por ser tão difícil de ser visto nas ruas? No veículo em si, nada: é uma variação do projeto do atual Audi A8, com uma infinidade de itens de conforto e conveniência, potentes motores de oito e 12 cilindros (as únicas versões oferecidas nos EUA) e preço sugerido de US$ 66.700 a US$ 101.300, pouco abaixo do próprio A8.

A questão é, sem dúvida, de imagem. Depois de meio século vendo Volkswagens como simples meios de transporte ou, quando muito, honestos carros familiares — casos do Passat e do Jetta — e acessíveis esportivos — como o Golf GTI —, seria mesmo difícil convencer os americanos de que a marca pode oferecer o prestígio esperado por quem gasta tanto dinheiro em um automóvel. Nessa classe, o logotipo ostentado na grade (ou acima dela) vale algumas dezenas de milhares de dólares. Sem um nome que fale por si, que diga aos passantes que ali está alguém especial, um bom carro perde muito de seu apelo.

O fator imagem afeta também outros segmentos. Esta parece ser a melhor explicação para o começo tímido do novo Renault Mégane, que tem vendido cerca de 500 unidades mensais, contra mais de 3.000 do Honda Civic, que disputa a mesma categoria. Uma situação ainda mais incômoda ao se notar que, enquanto a novidade da marca japonesa tem sido vendida com sobrepreço (leia editorial), a dos franceses é oferecida cerca de R$ 3.000 abaixo do preço sugerido pelo fabricante.

Sem entrar na análise dos produtos, que cabe ao comparativo a ser publicado em breve no Best Cars, é fácil perceber que o novo Civic chegou amparado em um prestígio adquirido por três gerações anteriores, desde o início de sua importação em 1992. Já a Renault, embora tenha oferecido os (bons) modelos argentinos 19 e Mégane de primeira geração desde a mesma época, nunca conseguiu grande penetração nesse mercado. Assim, o novo carro tem de abrir caminho por si próprio — e logo em um momento de efervescência da categoria, que não pára de receber lançamentos. É provável que consiga estabelecer-se com sucesso, mas não será de imediato.

Outro caso bem ilustrativo foi o do Mercedes-Benz Classe A. Chegou ao mercado brasileiro em 1999 e despediu-se no ano passado, com um total de vendas — pouco mais de 60 mil — pouco maior que o volume pretendido por ano pela DaimlerChrysler. Embora tenham influído fatores alheios à empresa (como a desvalorização do real meses antes do lançamento, que elevou em 50% o custo de elementos importados e pagos em dólar), fica a sensação de que o fabricante superestimou o valor da estrela de três pontas que vinha na grade. Cheio de qualidades, o carro nunca foi bem compreendido pelos brasileiros e ainda hoje divide opiniões no mercado de usados: elogiado por uns pela qualidade de construção, criticado por outros pelo custo de manutenção. Em parte é fato, mas em parte apenas imagem.

Seria possível alegar que os casos citados decorreram do risco natural de apostar em novos mercados, de estender os tentáculos da marca a segmentos ainda inexplorados. Pode ser, mas o que dizer do sucesso do Porsche Cayenne, lá fora e também aqui (foram vendidos respeitáveis 41 no Brasil em junho)? Um fabricante que nem sequer produzia um carro de quatro portas resolveu partir logo para um utilitário esporte, à custa de muitas críticas dos puristas e de boa parte de seus fãs. A diferença é que havia uma demanda reprimida por um SUV da Porsche: os clientes que colocavam na garagem, ao lado de um 911 ou Boxster, um utilitário de outra marca.

Portanto, o quadro é mais complexo do que parece. Se a questão da imagem da marca não for bem considerada, um lançamento que às vezes surge como ótima idéia pode se revelar um grande desperdício de recursos. E, por ironia, um prejuízo à própria imagem do fabricante.

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Data de publicação: 22/7/06

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