Como se sabe, volta e
meia a indústria realiza eventos de lançamento no exterior, como
ocorreu na semana passada na Argentina com o Peugeot 307 Sedan. E um
de meus hábitos nessas oportunidades, até para quebrar a monotonia dos
maçantes deslocamentos em ônibus do fabricante anfitrião, é observar
os automóveis e o trânsito local como fonte de comparação e de
curiosidades.
No evento do 307, passávamos ao lado de um Gol com o estilo do modelo
2006 — a tal "Geração 4" — quando me surpreendi: o interior era o
mesmo usado aqui até 2005, na "Geração 3", mais agradável e
bem-acabado sob qualquer aspecto. Fiquei com aquilo em mente até
confirmar no site da Volkswagen argentina. O Gol deles é mesmo bem
melhor que o nosso por dentro, dos bancos mais envolventes (aqui
restritos a Parati e Saveiro em versões de topo) ao painel com
instrumentos amplos e bem legíveis, passando pelas portas com melhor
aspecto e o requinte das maçanetas cromadas. Nada do despojamento
franciscano e do miniconta-giros adotados aqui no ano passado.
Não é a primeira vez que isso acontece. Conta o amigo e colunista Bob
Sharp que por volta de 1992, quando o Gol nacional era equipado com o
motor de 1,6 litro da Ford (o AE, ex-CHT), conversou sobre o carro com
um colega argentino em um evento no exterior. Diante da divergência de
opiniões sobre o desempenho, esclareceu-se a razão: o jornalista
portenho desconhecia o Gol com motor Ford, pois lá o carro nunca
deixou de usar o excelente VW AP-1600 — embora a associação dos
fabricantes na Autolatina tenha ocorrido em ambos os países. Portanto,
vem de longe o hábito da marca de favorecer o consumidor argentino
sobre o brasileiro.
O cliente da General Motors não está em melhor situação. Aqui, se
quiser um Astra esportivo terá de se contentar com a versão SS, de
mesma mecânica das demais. Já na Argentina é oferecido um GSi digno da
sigla, com o motor de 2,4 litros, 16 válvulas e 150 cv de nosso Vectra
Elite. A Peugeot também vende lá um 206 bem mais "bravo" que o nosso,
o GTi, com motor de 2,0 litros e 138 cv. E às vezes a diferença não
está na motorização, mas nos equipamentos de conveniência e segurança.
Caso do novo Renault Mégane, vendido no Brasil sem teto solar,
bolsas infláveis laterais e cortinas infláveis — itens oferecidos na
Argentina.
E quanto à Fiat? No lançamento do Palio 1.8R, questionamos por que
fazer um esportivo só com cinco portas, se a carroceria de três está
em linha para a versão EX. Bastaria combinar os componentes para
oferecer o pacote que muitos apreciam. A empresa justificou que não
haveria mercado para as duas opções, tendo assim optado pela que
venderia mais. Pode ser, mas o 1.8R de três portas está à venda na
Argentina... O 206 GTi segue a mesma configuração.
E não deixa de ser curioso que na Argentina ainda exista o antigo
Corsa de três portas (apenas com motor 1,6), ao lado do sedã e da nova
geração de ambos, enquanto o Celta é vendido sem a gravata-borboleta —
como Suzuki Fun. Que razões teria a GM para isolar seu modelo mais
despojado, vendendo-o lá com outra marca? Seja qual for o motivo,
neste caso a "culpa" da substituição do Corsa pelo Celta no Brasil é
do próprio consumidor, já que a GM os ofereceu em paralelo por algum
tempo e, como sabemos, a maioria preferiu o mais bonitinho...
A lista do que não temos seria bem maior se fôssemos incluir modelos e
versões importados de outras regiões do globo, que em geral chegam
antes ao país vizinho e em alguns casos nunca aparecem por aqui. Nesse
campo, porém, é razoável a alegação de que trazer os carros ao Brasil
é mais trabalhoso e caro para o fabricante, pela necessária adaptação
à gasolina com álcool (a deles não tem a mistura) e pela maior
extensão territorial a ser coberta pela assistência técnica. Custos, é
claro, que teriam de ser repassados a um número pequeno de veículos.
Note também o leitor que não comparo o mercado nacional ao de um país
do chamado Primeiro Mundo, em que as diferenças seriam bem mais
evidentes — nem mesmo ao México, que se beneficia enormemente do
acordo comercial com os Estados Unidos. Falar em Brasil e Argentina é
confrontar dois mercados de características muito parecidas e que
participam de um mercado comum, o Mercosul. De quebra, o volume total
de vendas aqui é cerca de cinco vezes maior e nossa relação de
habitantes por veículo (8,5 ante 5) demonstra maior potencial de
crescimento que a deles.
Portanto, nada justifica que o mesmo carro seja vendido aqui e lá em
configurações diferentes, uma delas superior em conforto, estética ou
desempenho. É ótimo que o consumidor argentino seja respeitado com os
melhores automóveis que um fabricante pode oferecer em cada faixa de
preço. Mas é preciso que a grama seja verde também do lado de cá das
fronteiras. |