Uma janela para o céu

Quatro décadas depois, o teto solar ainda é exceção nos
nacionais, algo que os fabricantes deveriam repensar

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorDas várias qualidades do Fiat Stilo, com que estive há algumas semanas para avaliação do Best Cars, uma me cativou em particular: o exclusivo teto solar Sky Window, de dimensões bem maiores que o usual, um opcional de quase R$ 7 mil. Não é pouco dinheiro, é verdade, mas de acordo com o fabricante 30% dos Stilos já são vendidos com esse teto, ante uma previsão inicial de 10% quando o carro foi lançado, há quatro anos.

Diante de tal número, um leitor que nos acesse de fora do Brasil pode imaginar que este belo país é repleto de carros com teto solar, que em seu modelo tradicional, menor e mais simples, custa bem menos e torna-se acessível. Certo? Errado. Como nós que moramos aqui bem sabemos, teto solar é raridade por estas bandas.

Já não dá para acreditar que isso tenha relação com o "cornowagen", o maldoso apelido (criado, diz-se, por um americano gerente de marketing da Ford) atribuído ao Fusca quando, em 1965, passou a oferecer um prático e eficiente teto solar de aço Golde, alemão, de acionamento manual por manivela. A (injustificada) fama pode ter durado 15 ou 20 anos, mas se perdeu quando o acessório tornou-se desejado nos anos 80 — em especial por causa do Escort XR3 lançado em 1983, que trazia uma persiana corrediça para conter o sol que passava pelo teto de vidro.

Ao contrário do que ocorre aqui, nos países europeus o teto solar é praticamente idolatrado, e não faz pouco tempo. Quando três Volkswagens, ainda protótipos, foram mostrados ao público de 70 mil pessoas que compareceu ao lançamento da pedra fundamental da fábrica VW na Alemanha, em maio de 1938, um deles já tinha o equipamento, do tipo lona que se desliza para trás. Na época a Fiat já vendia a maior parte da produção do Topolino com o mesmo recurso. Portanto, lá nunca foi exclusivo de carros de luxo.

De uns 15 anos para cá, o item só evoluiu: ganhou comando elétrico (que já equipava em 1979 o Dodge Magnum, de pequena produção, e voltou em 1992 no Omega), funcionamento mais confiável, maiores dimensões. Além do Stilo, há a variedade presente na Fiat Idea com uma seção móvel à frente e outra fixa na traseira, que responde por 15% das vendas da minivan. A marca italiana oferece teto solar até no picape leve Strada de cabine estendida. A Peugeot aplica às peruas 307 e 407 SW um amplo teto envidraçado, embora seja fixo.

Muita gente ainda tem a desconfiança de que, com o tempo, a vedação ou o escoamento da água da chuva se deteriore e o interior venha a se molhar, trazendo prejuízo. Mas isso não existe, nem mesmo no tempo do "cornowagen". O risco de se esquecer de fechar o teto ao sair também é cada dia menor, pois a maior parte dos fechamentos centralizados, além dos vidros das portas, se encarrega do teto. E, como ocorre com os vidros, todos os tetos solares elétricos com função um-toque contam com proteção antiesmagamento
, o que evita risco de acidentes.

Para quem não vê muita utilidade no teto solar por causa do sol intenso que temos o ano todo, recomendo: procure passar alguns dias com um carro assim equipado e esquecerá os preconceitos. Em um dia quente torna-se fácil renovar o ar interno, abrindo o teto do carro que estava estacionado ao sol. Circulando com ele entreaberto, basculado, cria-se um fluxo de ar constante pelos difusores do painel a certa velocidade. Para quem fuma, a eliminação da fumaça é instantânea com o teto nessa posição, sobretudo em viagem, pelo efeito de sucção.

Num fim de tarde ou à noite, nada mais agradável para curtir o ar fresco sem o turbilhão de ar dos vidros abertos — o teto possui um defletor dianteiro que em geral elimina a ressonância do ar até 80 ou 100 km/h. Mesmo num dia frio e nublado é útil: aberto apenas o forro, ilumina-se o interior do carro nestes tempos de vidros escurecidos.

Apesar de tantos atrativos, sua oferta em carros nacionais é cada vez menor. Há casos de modelos que tiveram o teto como opcional por apenas um ano ou menos, como o Corsa atual em 2002 e o Escort em 1997. Também perderam essa opção a linha Palio, o Astra (exceto SS) e o Santana, além do Citroën Berlingo, que trazia um enorme teto de lona. Algumas marcas restringem-no a pacotes específicos, casos do Peugeot 307 hatch/sedã, Zafira e novo Vectra, que só o possuem na versão de topo com câmbio automático — por que não com caixa manual? A Ford fez a mesma vinculação teto-câmbio por algum tempo no Focus Ghia, mas corretamente voltou atrás na linha 2006, que ganhou o item de série.

Pior que a restrição, naturalmente, é a ausência. Modelos de segmento superior como Civic, Corolla, Mégane, Xsara Picasso — e até o Omega, importado da Austrália —, que normalmente oferecem teto solar no país de origem, chegaram sem ele a nosso mercado. Nos carros nacionais, os fabricantes costumam alegar que a demanda pelo opcional seria insuficiente para justificar o investimento. Já colocá-lo como item de série, em uma ou mais versões, traria um aumento de custo que o consumidor talvez não concordasse em pagar.

Será? Parece mais uma questão de hábito e de trabalho de marketing, como a Fiat soube fazer no Stilo. Depois de passar décadas como o único país no mundo que preferia carros de duas portas, da mesma forma que rejeitava ar-condicionado, direção assistida e câmbio automático — todos esses preconceitos hoje extintos —, o brasileiro médio ainda não se acostumou a curtir o teto solar. Quem tem um, porém, vai concordar: depois de usar um carro com ele, não dá a menor vontade de comprar outro com o velho teto fechado.

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Data de publicação: 19/8/06

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