Propaganda ilusória

Como a estratégia ao expor informações pode levar o
consumidor à confusão sobre equipamentos e preço

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEsta semana um amigo veio me contar, animado, sobre uma suposta promoção da General Motors: Astra Advantage com câmbio automático e bolsas infláveis por R$ 43.490. Embora ciente de que hoje todos querem vender em meio a uma guerra de preços, estranhei. Primeiro porque, salvo engano, esse preço até outro dia referia-se ao carro básico, sem aqueles opcionais. E segundo porque, afinal de contas, seria barato demais.

Respondi a ele que deveria haver engano, mas ele insistiu: "A propaganda cita os equipamentos e dá o preço. Deve ser isso mesmo. Veja lá no site da GM". Diante da controvérsia, fui verificar. O que a publicidade — na internet assim como na televisão — faz é relacionar os itens agora disponíveis como opcionais nas versões Advantage de quatro e cinco portas, e fechar com o preço do modelo de três portas, que não os oferece. Na verdade, com bolsas infláveis e caixa automática, o Advantage cinco-portas vai a R$ 52.990 — 21% a mais que o preço anunciado com tanta ênfase.

Expliquei a estratégia a meu amigo, que até o fechamento desta edição ainda não concordava com que estivesse sendo iludido... Ele tem razão em sua insistência: a pequena janela do site traz caracteres ilegíveis (veja abaixo uma reprodução em tamanho real) onde devem estar as observações habituais — sobre os itens citados serem opcionais ou exclusivos de outra versão, não a Advantage três-portas. Quem não tem visão de Super-Homem só vai conseguir lê-las se clicar sobre o anúncio, abrir outra janela, assistir a mais uma animação publicitária e então clicar sobre o item preço. Assim aparecem, por cerca de um segundo, as tais observações. É quase impossível chegar a elas. Eu só consegui por orientação da central de atendimento da GM, após pedir esclarecimentos como um consumidor comum.

O anúncio, portanto, realmente pode gerar dúvida. Se não leva a crer que os R$ 43.490 incluam tais opcionais — embora o amigo tenha suposto isso —, ao menos deixa a impressão de que ambos estão disponíveis para a versão cujo preço é informado, a Advantage três-portas.

A campanha provavelmente não chega a configurar propaganda enganosa, pois a empresa pode alegar que, ao clicar no item preço da segunda animação, o consumidor é informado das ressalvas. No entanto, a empresa no mínimo age de forma desrespeitosa ao consumidor quando deixa ilegível, na primeira animação, uma observação tão importante.

O caso do Astra pode ter ido mais longe, mas — justiça seja feita — não é o primeiro nem será o último a se usar desse artifício. Nestes 50 anos da indústria automobilística brasileira, tornou-se comum informar na publicidade os numerosos opcionais disponíveis, muitas vezes ao lado de um preço convidativo, até que se encontra em letras miúdas a ressalva de que alguns itens são opcionais... ou mesmo todos eles. Se a propaganda passa na TV, a observação normalmente não pode ser lida, a não ser que seja gravada e a imagem congelada. Quando muito.

Se estivéssemos na terra da matriz da GM, porém, a situação seria bem outra. Nos Estados Unidos não se passa nem perto dessa ousadia. Quando o anúncio contém o preço básico e a foto mostra o carro com opcionais — rodas de alumínio, por exemplo —, não basta a menção de que alguns itens podem ser cobrados à parte: é informado o preço sugerido do veículo como foi mostrado. Uma manobra como a vista no anúncio do Astra seria inconcebível por lá.

A publicidade no Brasil, não resta dúvida, evoluiu desde a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor em 1990. Mas casos como o de meu amigo, que acabou sem poder comprar o Astra completo por R$ 43.490, mostram que ainda temos um longo caminho a percorrer.

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Data de publicação: 2/9/06

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