Galinha hoje, penas amanhã

O evento em Paris é mais um salão internacional
para nos deixar com complexo de inferioridade

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorO 77º Salão de Paris, aberto ao público de 30 de setembro a 15 de outubro, praticamente se superpõe ao nosso, de São Paulo, que abre os portões no próximo dia 19. Pelas notícias de lançamentos e de carros conceituais que podem ser vistas neste site, vem-nos mais uma vez a constatação de como estamos ficando para trás em relação ao mundo. Chega a soar verdadeiro o velho ditado americano "chicken today, feathers tomorrow", usado para título deste editorial e que fala de períodos alternados de pujança e depressão.

Por que será que teremos que viver eternamente nesse quadro? Afinal, o Brasil é um país rico em recursos naturais, tem clima favorável a todo tipo de atividade comercial, industrial e agropastoril e conta com um mercado (teórico) de 185 milhões de pessoas. O que será que nos trava a ponto de não se registrar crescimento significativo da economia, apesar do cenário mundial favorável nos últimos anos? Até o cada vez mais cobiçado ouro negro temos para nossas necessidades, exceto por ser preciso trazer de fora 100 mil barris por dia de óleo diesel, o que dá para pagarmos sem sustos nem sobressaltos. Tem país que paga muito mais, como o Japão, que não tem uma gota de petróleo em seu território.

Como já disse o colunista Bob Sharp algumas vezes em sua coluna Do banco do motorista, é como se pairasse sobre nós uma maldição, pois é impossível as coisas não darem certo numa terra como a nossa. Será questão de governo? Das pessoas em si mesmas? Difícil dizer. O Conde Afonso Celso (1860-1938), grande nacionalista que foi, escreveu um livro que se tornou famoso — Por que me ufano do meu país — no qual aponta inúmeras razões para nos orgulharmos do Brasil. Muito bem, mas o que acontece conosco que não paramos nunca de ficar patinando, sem sair do lugar?

Como é possível termos 8,5 habitantes por veículo e ali ao lado, na Argentina, a proporção ser de 5:1? Será que uma linha imaginária chamada fronteira faz toda essa diferença? É difícil de acreditar que faça. Afinal, estamos todos no mesmo caldeirão chamado América do Sul. Nossas origens remontam à Península Ibérica, portanto sem grandes desigualdades. O que terá acontecido ou o que está acontecendo para ficarmos tão para trás?

O caso de nossa indústria automobilística fala por si só, depois de sabermos o que está acontecendo em Paris. São os três "Ds" das palavras de ordem que parecem nortear os dirigentes da indústria por aqui: descaso, defasagem e depenação.

Descaso, porque acham que o consumidor brasileiro não merece a mesma atenção em relação aos do Primeiro Mundo. Vendem aqui carros inferiores em acabamento, itens de conforto e de segurança por preços injustificáveis. Defasagem, pelo sistemático atraso de modelos em relação ao que se produz lá fora — salvo honrosas exceções, hoje quase que restritas a duas marcas japonesas. E depenação, o nefasto hábito de lançar um produto e, com o tempo, eliminar equipamentos a título de "baixar custos".

É como se os responsáveis pelas fábricas de automóveis estivessem acometidos de uma nova doença, típica dos dias atuais de pavor de perder o emprego: a holeritite. Ou seja, o que interessa é o pagamento do salário no fim do mês. O resto? Ora, o resto. Que agradar o consumidor que nada.

Assim caminham os brasileiros. Parece que a ousadia de Henry Ford em lançar um carro com motor V8 em plena depressão econômica americana e mundial — o que alavancou as vendas de maneira impressionante e contribuiu decisivamente para reerguer a nação americana — é coisa de filme ou novela. Parece que aqui não se acredita na máxima de Soichiro Honda: "Quem faz o mercado é o industrial. Faça um bom produto e ele será sucesso".

O mau-humor de ter penas em vez de galinha é inevitável.

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Data de publicação: 30/9/06

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