O 77º Salão de Paris,
aberto ao público de 30 de setembro a 15 de outubro, praticamente se
superpõe ao nosso, de São Paulo, que abre os portões no próximo dia
19. Pelas notícias de lançamentos e de carros conceituais que podem
ser vistas neste site, vem-nos mais uma vez a constatação de como
estamos ficando para trás em relação ao mundo. Chega a soar verdadeiro
o velho ditado americano "chicken today, feathers tomorrow",
usado para título deste editorial e que fala de períodos alternados de
pujança e depressão.
Por que será que teremos que viver eternamente nesse quadro? Afinal, o
Brasil é um país rico em recursos naturais, tem clima favorável a todo
tipo de atividade comercial, industrial e agropastoril e conta com um
mercado (teórico) de 185 milhões de pessoas. O que será que nos trava
a ponto de não se registrar crescimento significativo da economia,
apesar do cenário mundial favorável nos últimos anos? Até o cada vez
mais cobiçado ouro negro temos para nossas necessidades, exceto por
ser preciso trazer de fora 100 mil barris por dia de óleo diesel, o
que dá para pagarmos sem sustos nem sobressaltos. Tem país que paga
muito mais, como o Japão, que não tem uma gota de petróleo em seu
território.
Como já disse o colunista Bob Sharp algumas vezes em sua coluna Do
banco do motorista, é como se pairasse sobre nós uma maldição,
pois é impossível as coisas não darem certo numa terra como a nossa.
Será questão de governo? Das pessoas em si mesmas? Difícil dizer. O
Conde Afonso Celso (1860-1938), grande nacionalista que foi, escreveu
um livro que se tornou famoso — Por que me ufano do meu país —
no qual aponta inúmeras razões para nos orgulharmos do Brasil. Muito
bem, mas o que acontece conosco que não paramos nunca de ficar
patinando, sem sair do lugar?
Como é possível termos 8,5 habitantes por veículo e ali ao lado, na
Argentina, a proporção ser de 5:1? Será que uma linha imaginária
chamada fronteira faz toda essa diferença? É difícil de acreditar que
faça. Afinal, estamos todos no mesmo caldeirão chamado América do Sul.
Nossas origens remontam à Península Ibérica, portanto sem grandes
desigualdades. O que terá acontecido ou o que está acontecendo para
ficarmos tão para trás?
O caso de nossa indústria automobilística fala por si só, depois de
sabermos o que está acontecendo em Paris. São os três "Ds" das
palavras de ordem que parecem nortear os dirigentes da indústria por
aqui: descaso, defasagem e depenação.
Descaso, porque acham que o consumidor brasileiro não merece a mesma
atenção em relação aos do Primeiro Mundo. Vendem aqui carros
inferiores em acabamento, itens de conforto e de segurança por preços
injustificáveis. Defasagem, pelo sistemático atraso de modelos em
relação ao que se produz lá fora — salvo honrosas exceções, hoje quase
que restritas a duas marcas japonesas. E depenação, o nefasto hábito
de lançar um produto e, com o tempo, eliminar equipamentos a título de
"baixar custos".
É como se os responsáveis pelas fábricas de automóveis estivessem
acometidos de uma nova doença, típica dos dias atuais de pavor de
perder o emprego: a holeritite. Ou seja, o que interessa é o pagamento
do salário no fim do mês. O resto? Ora, o resto. Que agradar o
consumidor que nada.
Assim caminham os brasileiros. Parece que a ousadia de Henry Ford em
lançar um carro com motor V8 em plena depressão econômica americana e
mundial — o que alavancou as vendas de maneira impressionante e
contribuiu decisivamente para reerguer a nação americana — é coisa de
filme ou novela. Parece que aqui não se acredita na máxima de Soichiro
Honda: "Quem faz o mercado é o industrial. Faça um bom produto e ele
será sucesso".
O mau-humor de ter penas em vez de galinha é inevitável. |