Todos sabemos da
importância da potência do motor como argumento de vendas de um
automóvel. Embora possa ter perdido algum apelo (sobretudo no
Brasil) à medida que floresce a olhos vistos a indústria da multa, o
numerozinho mágico de cv continua alvo de toda a atenção dos
departamentos de marketing, como se pôde notar com clareza nos
últimos dias.
Ao apresentar o Golf
reestilizado — já não era sem tempo, quase nove anos depois do
lançamento desta geração —, a Volkswagen anunciou um aumento de
potência para o esportivo GTI de 180 para 193 cv. Não por mera
coincidência, apenas 1 cv a mais que os 192 do
Honda Civic Si, lançado duas
semanas antes e que tomou conta dos papos de entusiastas como há
tempos não conseguia um carro nacional. Os alemães, assim, teriam
conquistado uma coroa que mal esquentou lugar junto aos japoneses
(ainda que o Golf GTI VR6, vendido em série limitada em 2003,
permaneça o líder histórico com seus 200 cv).
Só que há algo de que a VW não faz alarde: a nova potência só é
conseguida com o uso de gasolina premium, de 98
octanas RON. Se abastecido com comum
ou aditivada, de 95 octanas, o motor tem seus parâmetros de ignição
e pressão do turbo modificados, caindo para cerca de 185 cv. Nada
diferente do que ocorre com diversos modelos de alto desempenho no
mercado internacional, que trazem no manual do proprietário a
indicação da octanagem mínima admissível e da recomendada para o
melhor desempenho.
O Civic Si, no entanto, consegue com gasolina comum os 192 cv
declarados. A engenharia da Honda informa que usar a premium permite
recuperar 3 cv dos quase 8 perdidos na adaptação do motor a nosso
combustível (o Si americano tem 197 hp, que correspondem a 199,7
cv). Fica claro, portanto, que com gasolina de mesma octanagem o Si
é mais potente que o GTI. E ponto.
Esta não é a primeira vez que a VW usa de recursos escusos para
obter — ou parecer obter — a liderança em potência. Quando o Gol
trocou o motor Ford de 1,0 litro pelo da própria VW, no modelo 1997,
a empresa anunciou que ele desenvolvia 62 cv, o mais potente da
cilindrada na época... e superior em apenas 1 cv ao Palio, então
recém-lançado. Só não destacou que estava tirando do baú o velho
método bruto de medição, abandonado
havia tempos no Brasil e no exterior, enquanto a concorrência
divulgava valores líquidos. Na verdade, os 62 cv brutos do Gol
correspondiam a 54 cv líquidos, que só venciam Ka e Fiesta (e por
pouco) na categoria.
Outra corrida pelo argumento de marketing foi vista em 1994. O
lançamento do Tempra Turbo de 165 cv, em abril, precedeu em seis
meses o do Omega de 4,1 litros, cujo motor de Opala substituía o
alemão de 3,0 litros. Como a versão anterior tinha os mesmos 165 cv
do carro da Fiat, a GM anunciou o 4,1 como detentor de 168 cv. Tanto
não era verdade, que nos testes da imprensa esse Omega nunca igualou
a velocidade máxima do 3,0 — ficava atrás deste por cerca de 10
km/h. E o Tempra, mesmo com pior aerodinâmica e menor potência, era
mais veloz que o 4,1... Jogada de números na certa.
Estratégias à parte, o que todo comprador deve considerar é que o
valor nominal de potência conta pouco sobre o desempenho do carro.
Tão importante quanto é a parcela da potência disponível em rotações
baixas e médias, as mais usadas no dia-a-dia.
Um bom exemplo é o dos motores de 1,4 litro da Fiat e da
Peugeot-Citroën, com potência ao redor de 80 cv, comparados aos de
1,0 litro da GM e da Renault, que se aproximam daquela marca (o
Corsa tem 79 cv com álcool). Se ao comprador desavisado pode parecer
que os carros andam praticamente o mesmo, a surpresa: a 2.000 rpm,
qualquer dos motores 1,4 desenvolve cerca de 60% mais
potência que o 1,0 da GM e 40% mais que o da Renault. É uma
diferença substancial, que muda em muito o comportamento do carro e
sua disposição nas variadas situações de uso.
O fato curioso nessa história é que, se analisados pelo mesmo
parâmetro, o Golf GTI sai à frente do Civic Si por larga margem. A
2.000 rpm o motor do VW já está "cheio", no torque máximo, que
corresponde a cerca de 70 cv. São 40% a mais que no Honda, que,
apesar da boa distribuição de potência trazida pelo
comando de válvulas variável i-VTEC,
oferece apenas 50 cv a essa rotação.
O que significa que, se a marca alemã explicasse essa questão aos
interessados, chegaria à liderança em potência na maior parte da
faixa de operação sem recorrer à manobra das gasolinas. Mas isso não
interessa ao marketing, que gosta de atrair por números absolutos,
mesmo quando eles pouco representam. |