Tudo por 1 cv

A Volkswagen recorre a uma manobra sobre octanagem
para anunciar a maior potência entre os nacionais

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorTodos sabemos da importância da potência do motor como argumento de vendas de um automóvel. Embora possa ter perdido algum apelo (sobretudo no Brasil) à medida que floresce a olhos vistos a indústria da multa, o numerozinho mágico de cv continua alvo de toda a atenção dos departamentos de marketing, como se pôde notar com clareza nos últimos dias.

Ao apresentar o Golf reestilizado — já não era sem tempo, quase nove anos depois do lançamento desta geração —, a Volkswagen anunciou um aumento de potência para o esportivo GTI de 180 para 193 cv. Não por mera coincidência, apenas 1 cv a mais que os 192 do Honda Civic Si, lançado duas semanas antes e que tomou conta dos papos de entusiastas como há tempos não conseguia um carro nacional. Os alemães, assim, teriam conquistado uma coroa que mal esquentou lugar junto aos japoneses (ainda que o Golf GTI VR6, vendido em série limitada em 2003, permaneça o líder histórico com seus 200 cv).

Só que há algo de que a VW não faz alarde: a nova potência só é conseguida com o uso de gasolina premium, de 98 octanas RON. Se abastecido com comum ou aditivada, de 95 octanas, o motor tem seus parâmetros de ignição e pressão do turbo modificados, caindo para cerca de 185 cv. Nada diferente do que ocorre com diversos modelos de alto desempenho no mercado internacional, que trazem no manual do proprietário a indicação da octanagem mínima admissível e da recomendada para o melhor desempenho.

O Civic Si, no entanto, consegue com gasolina comum os 192 cv declarados. A engenharia da Honda informa que usar a premium permite recuperar 3 cv dos quase 8 perdidos na adaptação do motor a nosso combustível (o Si americano tem 197 hp, que correspondem a 199,7 cv). Fica claro, portanto, que com gasolina de mesma octanagem o Si é mais potente que o GTI. E ponto.

Esta não é a primeira vez que a VW usa de recursos escusos para obter — ou parecer obter — a liderança em potência. Quando o Gol trocou o motor Ford de 1,0 litro pelo da própria VW, no modelo 1997, a empresa anunciou que ele desenvolvia 62 cv, o mais potente da cilindrada na época... e superior em apenas 1 cv ao Palio, então recém-lançado. Só não destacou que estava tirando do baú o velho método bruto de medição, abandonado havia tempos no Brasil e no exterior, enquanto a concorrência divulgava valores líquidos. Na verdade, os 62 cv brutos do Gol correspondiam a 54 cv líquidos, que só venciam Ka e Fiesta (e por pouco) na categoria.

Outra corrida pelo argumento de marketing foi vista em 1994. O lançamento do Tempra Turbo de 165 cv, em abril, precedeu em seis meses o do Omega de 4,1 litros, cujo motor de Opala substituía o alemão de 3,0 litros. Como a versão anterior tinha os mesmos 165 cv do carro da Fiat, a GM anunciou o 4,1 como detentor de 168 cv. Tanto não era verdade, que nos testes da imprensa esse Omega nunca igualou a velocidade máxima do 3,0 — ficava atrás deste por cerca de 10 km/h. E o Tempra, mesmo com pior aerodinâmica e menor potência, era mais veloz que o 4,1... Jogada de números na certa.

Estratégias à parte, o que todo comprador deve considerar é que o valor nominal de potência conta pouco sobre o desempenho do carro. Tão importante quanto é a parcela da potência disponível em rotações baixas e médias, as mais usadas no dia-a-dia.

Um bom exemplo é o dos motores de 1,4 litro da Fiat e da Peugeot-Citroën, com potência ao redor de 80 cv, comparados aos de 1,0 litro da GM e da Renault, que se aproximam daquela marca (o Corsa tem 79 cv com álcool). Se ao comprador desavisado pode parecer que os carros andam praticamente o mesmo, a surpresa: a 2.000 rpm, qualquer dos motores 1,4 desenvolve cerca de 60% mais potência que o 1,0 da GM e 40% mais que o da Renault. É uma diferença substancial, que muda em muito o comportamento do carro e sua disposição nas variadas situações de uso.

O fato curioso nessa história é que, se analisados pelo mesmo parâmetro, o Golf GTI sai à frente do Civic Si por larga margem. A 2.000 rpm o motor do VW já está "cheio", no torque máximo, que corresponde a cerca de 70 cv. São 40% a mais que no Honda, que, apesar da boa distribuição de potência trazida pelo comando de válvulas variável i-VTEC, oferece apenas 50 cv a essa rotação.

O que significa que, se a marca alemã explicasse essa questão aos interessados, chegaria à liderança em potência na maior parte da faixa de operação sem recorrer à manobra das gasolinas. Mas isso não interessa ao marketing, que gosta de atrair por números absolutos, mesmo quando eles pouco representam.

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Data de publicação: 31/3/07

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