Eventos de lançamento
são sempre uma oportunidade de boas conversas com os colegas
jornalistas. No do Civic Si,
dia 8, surgiu uma bem interessante: o colunista Bob Sharp, nosso
amigo Fernando Calmon e eu falávamos dos erros mais comuns na
imprensa automobilística — termos e expressões que, embora
incorretos, ganham espaço a ponto de parecer certos e chegam a se
consagrar.
Em princípio não haveria problema maior nesses erros ou falta de
precisão, mas não se pode esquecer que é pela imprensa que as
pessoas são informadas e, em muitos casos, formadas. E, mais
importante, grande parte dos leitores de assuntos de automóvel são
jovens ou até adolescentes, que desse modo estão se iniciando numa
área que talvez os leve a estudar alguma profissão de ciências
exatas. É indesejável, sob todos os pontos de vista, que tenham um
mau começo.
Com a devida licença de ambos os colegas, busquei naquele papo a
inspiração para meu editorial desta edição. Vamos, então, aos 10
grandes erros, em ordem alfabética.
Adjetivos: tem havido uma inadequada simplificação no nome de
componentes e sistemas. Direção com assistência hidráulica, por
exemplo, torna-se apenas "direção hidráulica" (ou "elétrica" quando
assistida por esse sistema), e motor com gerenciamento eletrônico,
"motor eletrônico". Além de imprecisa, essa medida leva a aberrações
como "direção mecânica" para aquela que não é assistida. E, por
falar no termo, nada mais estranho que "câmbio mecânico": melhor
usar manual, como em qualquer outro idioma.
Bicombustível: em busca de tradução simples para flex fuel,
que em inglês é flexível em combustível, alguns preferiram
bicombustível. Não é o correto, pois indica um veículo com dois
fornecimentos de combustível separados, caso de gasolina e gás
natural. Para o carro flexível, que pode receber gasolina ou álcool
em qualquer proporção no mesmo tanque, é melhor falar em...
flexível.
Brake-light: tudo começou quando uma empresa lançou no
Brasil, há coisa de 20 anos, uma luz suplementar de freio para
montagem em posição elevada. Chamou pelo nome comercial de
Brake-Light, que é simplesmente luz de freio em inglês. Como já
aconteceu com Jeep, Gilette e outros, a marca virou sinônimo do
produto e toda terceira luz de freio, mesmo instalada de fábrica,
hoje é brake-light na boca do povo. Mas ninguém usa esse termo nos
Estados Unidos: lá é Center High Mounted Stop Lamp (CHMSL), luz de
freio em montagem central elevada.
Cavalos: tudo bem que cv significa cavalo-vapor, mas é feio
ler "100 cavalos" quando não se trata dos animais. Se for "cavalos
de potência", pior ainda — poderiam não ser de potência dentro do
motor de um automóvel?
Cilindradas: pelo plural muitos já percebem o problema.
Cilindrada é uma medida, não uma unidade de medida, que neste caso
pode ser cm³ (centímetros cúbicos — a abreviação cc foi abolida),
pol³ (polegadas cúbicas) e l (litros), por exemplo. Um motor pode
ter 1.600 cm³ ou 1,6 litro, mas nunca "1.600 cilindradas", como
tanto se lê e se ouve por aí, e que é tão errado quanto dizer que
entre São Paulo e Rio de Janeiro há 400 distâncias. Detalhe
importante: o uso de ponto para separar parte inteira da fracionária
(como em 1.8) é correto em inglês, mas não em português, em que se
usa a virgula (1,8). As emissoras de rádio FM já aprenderam e em
geral usam a vírgula hoje.
Eixo de torção: aqui a confusão é tamanha que afeta até as
informações oficiais dos fabricantes à imprensa, em tese embasadas
por suas engenharias. Eixo de torção é um elemento estrutural da
suspensão; barra de torção, um elemento elástico; e barra
estabilizadora, um dispositivo auxiliar (saiba
mais sobre técnica). Só que se faz uma grande bagunça por aí,
como dizer que o Honda Fit tem barra de torção na traseira (é eixo)
ou que alguns carros da GM usam barra de torção à frente (é
estabilizadora). Claro que os jornalistas sem maior conhecimento
técnico passam os erros adiante.
Fadiga de freios: o inglês fading, que significa
desvanecimento, sumiço, foi mal traduzido para o português e virou
fadiga, referindo-se à perda de eficiência do sistema por
superaquecimento. O freio "some" enquanto superaquecido e volta ao
normal ao esfriar.
Faróis de milha: não se sabe a origem da palavra, mas décadas
atrás já havia quem chamasse assim os faróis de longo alcance, que
complementam o facho alto. O pior é que, por desconhecimento, muita
gente usa esse nome também para os faróis de neblina, de finalidade
bem diversa. Imagine-se a confusão ao pedir, em uma loja de
acessórios, que se instalem os de "milha" quando o objetivo é melhor
visão no nevoeiro.
Montadora: este já foi assunto neste espaço há mais de cinco
anos (leia editorial). Empresas que
estampam e soldam monoblocos inteiros, fundem blocos de motores e
produzem uma infinidade de componentes não são meras "juntadoras" de
peças: são fabricantes, e assim são chamadas no Best Cars.
Como no mundo todo, aliás: automaker ou manufacturer
em inglês, werke em alemão, usine em francês,
fabbrica em italiano. Curiosamente, elas próprias — em sua
maioria — são as primeiras a endossar o termo montadora, que chega a
ser pejorativo diante de tudo o que fazem além de montar carros.
Piloto automático: difícil saber como começou, já que em
outros idiomas fala-se em controle automático de cruzeiro (cruise
control em inglês) ou de velocidade. Seria herança do Auto Pilot,
nome comercial do pioneiro sistema da Chrysler na década de 1950? Ou
mera alusão ao sistema bem mais abrangente dos aviões? O fato é que
muitos adotaram a charmosa expressão para o dispositivo, que apenas
mantém a velocidade constante, sem dispensar as demais tarefas do
motorista.
O leitor habitual do Best Cars já percebeu que tudo isso é
escrito de maneira correta neste site, mas poderia não saber a
razão. Agora que sabe, vamos procurar espalhar por aí o modo certo
de dar nome às coisas. |