Ser e parecer

Em outra manobra discutível, a General Motors chama
de Vectra hatch o que na verdade é o novo Astra

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorHá cerca de três anos, enquanto trabalhava no desenvolvimento da versão brasileira do Astra de terceira geração, a General Motors do Brasil teve uma idéia: manter o modelo antigo em produção, para aproveitar a retomada em vendas trazida pelo motor flexível lançado em 2004, e dar outro nome ao carro que viria. E percebeu que poderia usar nele uma denominação de prestígio no mercado: Vectra.

A estratégia, logo percebida por muitos — a julgar pelo apelido "Astrão" ouvido com freqüência nas conversas sobre o carro —, passa despercebida até hoje por outros. Mas f
icou mais evidente quando em outubro, um ano depois de seu lançamento no Brasil, o "Vectra" foi apresentado aos europeus como Opel Astra sedã, fabricado na Polônia para atender a países do centro e do leste do continente. O lado oeste, mais desenvolvido, fica com o Astra hatch e com o verdadeiro Vectra, carro de maior porte e técnica mais elaborada, que a GMB alegou ser caro demais para o mercado brasileiro.

Nada disso é novidade para quem lê habitualmente o Best Cars, mas o assunto voltou à tona há alguns dias. A GMB anunciou que lança no segundo semestre o que chama de Vectra hatchback, para ocupar o segmento entre o atual Astra hatch e o Vectra sedã (entende-se que o antigo Astra sedã está fora dos planos). Alguém desavisado poderia consultar a internet, em busca de uma versão hatch do Vectra, e encontrar o modelo alemão de mesmo nome, bem maior que o Astra e até com opção de motor V6 (compare nas fotos abaixo). Um tanto diferente de seu futuro homônimo que sairá da fábrica de São Caetano do Sul, SP.

O "Vectra hatch" tupiniquim será nada mais que o Astra cinco-portas europeu (não haverá versão três-portas, ao menos de início) com a frente pouco diferente do Vectra sedã nacional. Portanto, a GMB vai repetir a estratégia de usar um nome carismático em um carro inferior — em porte, desempenho e desenvolvimento técnico — ao do modelo europeu que recebe o mesmo logotipo.

As versões hatch atuais, na Europa, do Astra (à esquerda) e do Vectra

O leitor pode argumentar que cada fabricante tem o direito de usar ou reutilizar o nome que quiser em seus carros, respeitadas as patentes de terceiros. De fato há inúmeros casos de denominações reeditadas no mercado mundial, mesmo dentro da GM, como o americano Pontiac GTO (versão local do Holden Monaro, este também um nome com tradição na Austrália). Mas é uma questão de respeito ao consumidor haver coerência entre o antigo e o novo modelo que compartilham o nome no mesmo mercado.

É fato que boa parte do público, ao adquirir um carro, apóia-se em fatores como imagem da marca e do modelo, aparência externa e, na melhor das hipóteses, experiência anterior. Certamente foi nesses pilares que a GMB se baseou ao decidir relançar o nome Vectra — que havia deixado o mercado com direito até a série especial de despedida, a Collection. Não resta dúvida que a designação tinha uma imagem superior à do Astra.

O problema é quando o comprador percebe que o sucessor não está à altura do sucedido. Que o novo carro parece, mas não é o que ele esperava. Que levou gato por lebre. Um risco que a GMB aceitou correr e que se repetirá agora com um carro menor.

Um padrão, aliás, que se nota em outras atitudes recentes da empresa. Em agosto, dois meses antes de lançar a versão sedã do Celta — o Prisma —, a GMB divulgou um esboço do que deveria ser seu desenho. Três semanas depois, revelou outro desenho inteiramente diferente, bem mais próximo do carro definitivo. Chamou de tolos a imprensa e o público que a acompanha. Em 25 anos acompanhando o mundo do automóvel, não me lembro de ter visto desrespeito parecido aqui ou lá fora.

Este ano saiu-se com outra: a campanha publicitária do Vectra em tom de convocação — brincadeira com assunto sério, como bem abordou o colunista Bob Sharp. E, ao fim de todo o alvoroço ao redor da suposta elaboração da campanha "à altura dos proprietários", tudo o que se viu foi o carro em um comercial vazio, sob o argumento de que "um Vectra não precisa de mais nada". Será mesmo? A verdadeira impressão é de que o fabricante não tem argumentos para convencer.

Em meio a tantas discutíveis manobras de marketing, não há como esquecer a das "novas gerações" — em que a GMB não é a única. Anunciadas com muita pompa e nenhuma circunstância, em geral não passam de retoques visuais. O termo "geração" anda desgastado a tal ponto que, se o carro é realmente novo, o fabricante acaba por definir de outra forma.

Há uma história curiosa a esse respeito, acontecida em abril do ano passado, portanto depois do Editorial sobre o tema que publicamos em agosto de 2005. O cenário é o evento de lançamento do Celta reestilizado (uma das anunciadas "novas gerações") em Porto Alegre, RS, uma festa desproporcional às modificações do produto. Eis que aparece no palco o presidente da GMB, Ray Young. Com humor, ele diz ter recebido elogios a seu novo par de óculos. "Este é o Ray Nova Geração", brinca o executivo.

Foi a melhor analogia ao produto ali apresentado que alguém poderia fazer.

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Data de publicação: 12/5/07

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