Em sua última entrevista
coletiva como presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de
Veículos Automotores (Anfavea), no início do mês, Rogelio Golfarb
mostrou preocupação com a tendência de crescimento da importação de
veículos no Brasil, que deverá chegar a 200 mil unidades este ano,
cerca de 10% do total previsto de vendas no mercado interno. Tão
logo assumiu o cargo, seu sucessor Jackson Schneider fez distribuir
nota à imprensa, em que afirma que "a principal preocupação do setor
automotivo é a competitividade da indústria a médio e longo prazos,
para enfrentar a acirrada concorrência com países produtores
tradicionais e em desenvolvimento".
Quem acompanha o Best Cars percebe que os executivos estão
certos: algo anda errado na indústria automobilística brasileira,
pelo que se pode ver por seus produtos e os preços a que são
vendidos.
O recente comparativo entre
dois sedãs nacionais (Civic e Vectra) e três importados (Fusion e
Jetta, que vêm do México, e o francês Citroën C5) tornou esse quadro
evidente mais uma vez. Sem opcionais, o carro da Ford oferece mais
espaço, potência e equipamentos de conforto e de segurança que os da
GM e da Honda, custando cerca de R$ 1 mil a menos que eles. O
outro mexicano, o da Volkswagen, começa R$ 1 mil acima dos nacionais
e traz vantagens como controle de
estabilidade e cortinas infláveis, ausentes desses modelos
brasileiros.
E até o Citroën, penalizado pelo Imposto de Importação de 35%, parte
de um preço superior em R$ 15 mil aos de Vectra e Civic (R$ 98,4
mil), quando a parcela correspondente ao tributo seria de R$ 29 mil.
O que equivale a dizer que, se fosse dispensada desse imposto como
são as duas concorrentes (pelo acordo de comércio bilateral
Brasil-México), a francesa poderia vendê-lo a R$ 73 mil!
Algo está mesmo estranho: ou nossa indústria é muito pouco
eficiente, ou pratica margens de lucro de envergonhar. Ou ambos.
E a questão não se limita a esse segmento ou a tais países
produtores. Vamos ficar por aqui, na Argentina. A Ford traz de lá —
também sem Imposto de Importação, pelas regras do Mercosul — o Focus
Ghia 2,0 16V e o oferece a R$ 64,2 mil. Um carro projetado na década
passada, é verdade, mas com motor de 147 cv e farto equipamento de
série, que inclui freios ABS, bancos de couro e teto solar. O que a
indústria nacional oferece em oposição? Talvez o Golf Comfortline
2,0, com apenas 116 cv e projeto ainda mais antigo, que com itens
similares aos do concorrente supera R$ 75 mil.
Meio carro a mais
Outra comparação que surpreende é a do preço de um carro no mercado
interno e em outro país onde é vendido. Sabemos bem que estamos na
terra dos impostos, onde uma cadeia de tributos aumentam em 47% o
preço de um modelo com motor de até 2,0 litros. Mas isso não isenta
os fabricantes de responsabilidade.
Pois bem: só com a adição da carga tributária, o Honda Civic Si de
quatro portas deveria custar aqui algo como R$ 63 mil, ou seja, o
preço dos Estados Unidos (US$ 21,3 mil) mais os impostos aplicáveis
a um carro nacional. Mas a Honda o fabrica em Sumaré, SP com menos
equipamentos de série — elimina o teto solar e quatro das seis
bolsas infláveis, acrescenta disqueteira para seis CDs no painel e
estepe de tamanho normal em vez de temporário. E o vende ao preço
sugerido de R$ 99,5 mil, acréscimo de mais de 50%. Isso mesmo: o
brasileiro paga meio Civic Si a mais do que seria preciso para
cobrir a diferença tributária.
Muitos talvez não saibam, mas o preço de um carro depende menos de
cálculos (custos de produção, impostos, investimentos, margem da
concessionária) e mais de quanto o consumidor final está apto a
pagar. Isso explica em boa parte o preço do Si, precedido por grande
expectativa e embasado no sucesso das demais versões do Civic,
vendidas com ágio desde o lançamento há um ano.
Outro aspecto é que um carro nacional tem vantagens — ao menos
teóricas — sobre um importado, como valor de revenda, custo de
manutenção e facilidade de obter peças no futuro. Cria-se assim uma
situação confortável para os produtos locais, que permite aos
fabricantes cobrar mais por eles do que seria adequado. Enquanto
muitos aceitarem pagar mais caro para ter um carro feito aqui, a
indústria está relativamente protegida contra os carros que vêm de
fora.
Comparações como estas, e várias outras que podem ser feitas, provam
que o antigo e o novo presidente da Anfavea têm razão: a indústria
nacional precisa ganhar competitividade, sob risco de ser tarde
demais para se recuperar. Difícil é saber onde termina a
ineficiência e começa o excesso nas margens de lucro. |