Ganhar competitividade

Preços de nacionais e importados mostram que os executivos
da Anfavea estão certos: a indústria local precisa se mexer

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorEm sua última entrevista coletiva como presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), no início do mês, Rogelio Golfarb mostrou preocupação com a tendência de crescimento da importação de veículos no Brasil, que deverá chegar a 200 mil unidades este ano, cerca de 10% do total previsto de vendas no mercado interno. Tão logo assumiu o cargo, seu sucessor Jackson Schneider fez distribuir nota à imprensa, em que afirma que "a principal preocupação do setor automotivo é a competitividade da indústria a médio e longo prazos, para enfrentar a acirrada concorrência com países produtores tradicionais e em desenvolvimento".

Quem acompanha o Best Cars percebe que os executivos estão certos: algo anda errado na indústria automobilística brasileira, pelo que se pode ver por seus produtos e os preços a que são vendidos.

O recente comparativo entre dois sedãs nacionais (Civic e Vectra) e três importados (Fusion e Jetta, que vêm do México, e o francês Citroën C5) tornou esse quadro evidente mais uma vez. Sem opcionais, o carro da Ford oferece mais espaço, potência e equipamentos de conforto e de segurança que os da GM e da Honda, custando cerca de R$ 1 mil a menos que eles. O outro mexicano, o da Volkswagen, começa R$ 1 mil acima dos nacionais e traz vantagens como controle de estabilidade e cortinas infláveis, ausentes desses modelos brasileiros.

E até o Citroën, penalizado pelo Imposto de Importação de 35%, parte de um preço superior em R$ 15 mil aos de Vectra e Civic (R$ 98,4 mil), quando a parcela correspondente ao tributo seria de R$ 29 mil. O que equivale a dizer que, se fosse dispensada desse imposto como são as duas concorrentes (pelo acordo de comércio bilateral Brasil-México), a francesa poderia vendê-lo a R$ 73 mil!

Algo está mesmo estranho: ou nossa indústria é muito pouco eficiente, ou pratica margens de lucro de envergonhar. Ou ambos.

E a questão não se limita a esse segmento ou a tais países produtores. Vamos ficar por aqui, na Argentina. A Ford traz de lá — também sem Imposto de Importação, pelas regras do Mercosul — o Focus Ghia 2,0 16V e o oferece a R$ 64,2 mil. Um carro projetado na década passada, é verdade, mas com motor de 147 cv e farto equipamento de série, que inclui freios ABS, bancos de couro e teto solar. O que a indústria nacional oferece em oposição? Talvez o Golf Comfortline 2,0, com apenas 116 cv e projeto ainda mais antigo, que com itens similares aos do concorrente supera R$ 75 mil.

Meio carro a mais
Outra comparação que surpreende é a do preço de um carro no mercado interno e em outro país onde é vendido. Sabemos bem que estamos na terra dos impostos, onde uma cadeia de tributos aumentam em 47% o preço de um modelo com motor de até 2,0 litros. Mas isso não isenta os fabricantes de responsabilidade.

Pois bem: só com a adição da carga tributária, o Honda Civic Si de quatro portas deveria custar aqui algo como R$ 63 mil, ou seja, o preço dos Estados Unidos (US$ 21,3 mil) mais os impostos aplicáveis a um carro nacional. Mas a Honda o fabrica em Sumaré, SP com menos equipamentos de série — elimina o teto solar e quatro das seis bolsas infláveis, acrescenta disqueteira para seis CDs no painel e estepe de tamanho normal em vez de temporário. E o vende ao preço sugerido de R$ 99,5 mil, acréscimo de mais de 50%. Isso mesmo: o brasileiro paga meio Civic Si a mais do que seria preciso para cobrir a diferença tributária.

Muitos talvez não saibam, mas o preço de um carro depende menos de cálculos (custos de produção, impostos, investimentos, margem da concessionária) e mais de quanto o consumidor final está apto a pagar. Isso explica em boa parte o preço do Si, precedido por grande expectativa e embasado no sucesso das demais versões do Civic, vendidas com ágio desde o lançamento há um ano.

Outro aspecto é que um carro nacional tem vantagens — ao menos teóricas — sobre um importado, como valor de revenda, custo de manutenção e facilidade de obter peças no futuro. Cria-se assim uma situação confortável para os produtos locais, que permite aos fabricantes cobrar mais por eles do que seria adequado. Enquanto muitos aceitarem pagar mais caro para ter um carro feito aqui, a indústria está relativamente protegida contra os carros que vêm de fora.

Comparações como estas, e várias outras que podem ser feitas, provam que o antigo e o novo presidente da Anfavea têm razão: a indústria nacional precisa ganhar competitividade, sob risco de ser tarde demais para se recuperar. Difícil é saber onde termina a ineficiência e começa o excesso nas margens de lucro.

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Data de publicação: 28/4/07

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