A entrada em vigor da
Resolução nº 214 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), na
última segunda-feira (21), reacendeu uma antiga discussão. A norma
obriga as autoridades de trânsito a sinalizar os locais onde houver
fiscalização eletrônica de velocidade, os conhecidos radares, sejam
fixos ou móveis. Foi o bastante para colocar em pé de guerra os que
defendem e os que contestam essa medida.
Entre os primeiros estão muitos motoristas já penalizados por
excessos de velocidade justificáveis, como ao não perceber que
determinado trecho da via teve a velocidade máxima reduzida, nem
sempre com motivo aparente ou clara sinalização a respeito. No
segundo grupo, pessoas que vêem na medida uma facilidade para os que
querem desrespeitar os limites sem ser multados. Quem tem razão?
A meu ver, ambas as correntes. Entendo — e acredito que toda pessoa
de bem concorde — que leis existem para ser seguidas, o que inclui
os limites de velocidade estabelecidos, com os devidos critérios,
para vias urbanas e rodovias. O problema é que tais critérios estão
longe de ser coerentes nesta terra brasilis. O que mais se vê por
aqui são limites hipócritas, firmados com a intenção de gerar
arrecadação, e armadilhas feitas para fisgar o motorista menos
atento, por mais cuidadoso e responsável que seja.
Para ficar em um exemplo de estrada, a Rodovia dos Imigrantes, que
liga São Paulo ao litoral sul, mantém o arcaico limite de 80 km/h,
apesar de sua construção moderna e da pequena declividade da pista.
Trata-se de assunto já bastante discutido pelo colunista Bob Sharp
(leia colunas de 14/6/03 e
5/3/05), mas que não deu em
nada: a concessionária Ecovias, sem dúvida satisfeita com a
arrecadação das multas para os cofres do estado, continua a fazer de conta que o limite está
adequado à pista e aos veículos que por ela rodam.
Mas a situação mais grave talvez esteja nas cidades, onde a
velocidade máxima muda com freqüência, às vezes na mesma via. Em
meio ao tráfego intenso dos grandes centros, é raro o motorista que
nunca se surpreendeu acima do limite de determinado trecho, embora
respeitasse a velocidade que valia até minutos atrás. E o que dizer
de pequenas cidades — sejam estâncias turísticas ou parte do acesso
a elas — que fazem de um simples radar, associado a um limite de
velocidade ridiculamente baixo, importante fonte de arrecadação para
o município?
Inimigo público
Diante da nova resolução, a imprensa se mexeu para esquentar o
assunto. É o momento em que o bom-senso pode ficar de lado, como
aconteceu na Rede Globo e seu Jornal Nacional. O programa
pôs-se a medir a velocidade de veículos que passavam pela Rodovia
Carvalho Pinto, que liga São Paulo a Taubaté, no Vale do Paraíba,
antes e depois de um radar fixo bem sinalizado. Eis que um carro é
filmado freando, antes do medidor, e reacelerando depois dele — e
então passa pelo radar móvel filmado pelo jornal a 128 km/h.
O limite da rodovia é de 120 km/h. A Globo talvez não saiba (ou
finge não saber?), mas a Portaria nº 115 do Instituto Nacional de
Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) estabelece
uma margem de erro para radares, que é de 7 km/h para velocidade até
100 km/h e 7% para velocidade superior a 100 km/h. Portanto, com o
limite de 120, a multa só pode ser aplicada caso o radar registre
mais de 128 km/h (120 + 7%). O "infrator" mostrado na TV estava
dentro da lei.
E, mesmo que estivesse um pouco acima, cabe outra discussão: até que
ponto vale tamanho rigor na fiscalização de velocidade em uma
estrada de alto padrão como aquela, durante o dia, em condições de
perfeita visibilidade e tráfego moderado? Se 120 km/h são
considerados plenamente seguros pelos técnicos que definiram o
limite, o motorista se torna um assassino em potencial, o inimigo
público nº 1, ao rodar a 130 ou 135 km/h?
Já dissemos muitas vezes neste site e vou repetir: velocidade por si
só não mata — ou há décadas haveria uma carnificina nas famosas
auto-estradas alemãs, que em vários trechos não têm limite e onde se
anda com segurança a mais de 200 km/h. O que mata é a velocidade
inadequada, que pode ser até inferior ao limite estabelecido,
conforme as condições da via, o tráfego e a visibilidade. Mas
admitir isso implicaria, para as autoridades, a perda de uma
arrecadação fácil à custa do cidadão. |