Arrecadação fácil

Agora que a fiscalização de velocidade tem de ser sinalizada,
opõem-se as correntes a favor da medida e contra ela

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorA entrada em vigor da Resolução nº 214 do Conselho Nacional de Trânsito (Contran), na última segunda-feira (21), reacendeu uma antiga discussão. A norma obriga as autoridades de trânsito a sinalizar os locais onde houver fiscalização eletrônica de velocidade, os conhecidos radares, sejam fixos ou móveis. Foi o bastante para colocar em pé de guerra os que defendem e os que contestam essa medida.

Entre os primeiros estão muitos motoristas já penalizados por excessos de velocidade justificáveis, como ao não perceber que determinado trecho da via teve a velocidade máxima reduzida, nem sempre com motivo aparente ou clara sinalização a respeito. No segundo grupo, pessoas que vêem na medida uma facilidade para os que querem desrespeitar os limites sem ser multados. Quem tem razão?

A meu ver, ambas as correntes. Entendo — e acredito que toda pessoa de bem concorde — que leis existem para ser seguidas, o que inclui os limites de velocidade estabelecidos, com os devidos critérios, para vias urbanas e rodovias. O problema é que tais critérios estão longe de ser coerentes nesta terra brasilis. O que mais se vê por aqui são limites hipócritas, firmados com a intenção de gerar arrecadação, e armadilhas feitas para fisgar o motorista menos atento, por mais cuidadoso e responsável que seja.

Para ficar em um exemplo de estrada, a Rodovia dos Imigrantes, que liga São Paulo ao litoral sul, mantém o arcaico limite de 80 km/h, apesar de sua construção moderna e da pequena declividade da pista. Trata-se de assunto já bastante discutido pelo colunista Bob Sharp (leia colunas de 14/6/03 e 5/3/05), mas que não deu em nada: a concessionária Ecovias, sem dúvida satisfeita com a arrecadação das multas para os cofres do estado, continua a fazer de conta que o limite está adequado à pista e aos veículos que por ela rodam.

Mas a situação mais grave talvez esteja nas cidades, onde a velocidade máxima muda com freqüência, às vezes na mesma via. Em meio ao tráfego intenso dos grandes centros, é raro o motorista que nunca se surpreendeu acima do limite de determinado trecho, embora respeitasse a velocidade que valia até minutos atrás. E o que dizer de pequenas cidades — sejam estâncias turísticas ou parte do acesso a elas — que fazem de um simples radar, associado a um limite de velocidade ridiculamente baixo, importante fonte de arrecadação para o município?

Inimigo público
Diante da nova resolução, a imprensa se mexeu para esquentar o assunto. É o momento em que o bom-senso pode ficar de lado, como aconteceu na Rede Globo e seu Jornal Nacional. O programa pôs-se a medir a velocidade de veículos que passavam pela Rodovia Carvalho Pinto, que liga São Paulo a Taubaté, no Vale do Paraíba, antes e depois de um radar fixo bem sinalizado. Eis que um carro é filmado freando, antes do medidor, e reacelerando depois dele — e então passa pelo radar móvel filmado pelo jornal a 128 km/h.

O limite da rodovia é de 120 km/h. A Globo talvez não saiba (ou finge não saber?), mas a Portaria nº 115 do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) estabelece uma margem de erro para radares, que é de 7 km/h para velocidade até 100 km/h e 7% para velocidade superior a 100 km/h. Portanto, com o limite de 120, a multa só pode ser aplicada caso o radar registre mais de 128 km/h (120 + 7%). O "infrator" mostrado na TV estava dentro da lei.

E, mesmo que estivesse um pouco acima, cabe outra discussão: até que ponto vale tamanho rigor na fiscalização de velocidade em uma estrada de alto padrão como aquela, durante o dia, em condições de perfeita visibilidade e tráfego moderado? Se 120 km/h são considerados plenamente seguros pelos técnicos que definiram o limite, o motorista se torna um assassino em potencial, o inimigo público nº 1, ao rodar a 130 ou 135 km/h?

Já dissemos muitas vezes neste site e vou repetir: velocidade por si só não mata — ou há décadas haveria uma carnificina nas famosas auto-estradas alemãs, que em vários trechos não têm limite e onde se anda com segurança a mais de 200 km/h. O que mata é a velocidade inadequada, que pode ser até inferior ao limite estabelecido, conforme as condições da via, o tráfego e a visibilidade. Mas admitir isso implicaria, para as autoridades, a perda de uma arrecadação fácil à custa do cidadão.

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Data de publicação: 26/5/07

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