Semanas atrás, um
comercial de TV me chamou a atenção. Uma voz feminina contava que
sempre agiu de forma oposta à de outras pessoas, enquanto a tela
mostrava como a maioria e uma minoria atuavam em diversas situações.
Ao final, o produto anunciado era mostrado como a opção de quem é
diferente: o Ford Focus, dirigido por um personagem cujo rosto fez
lembrar o biscoito recheado Trakinas.
A idéia do comercial pode até ser boa, mas dá margem à pergunta: a
Ford estaria assumindo que o carro — um dos hatches médios mais
vendidos — tivesse aceitação tão baixa a ponto de ser a "opção dos
diferentes"? E, pode pensar o espectador, será que o carro não é bom
a ponto de vender tão pouco?
Publicidade é assunto sério, mesmo quando apela ao bom humor. A
impressão que fica nesse caso é de que a agência não olhou a questão
por todos os lados, não percebeu as diferentes interpretações que o
comercial poderia trazer. E o do Focus não foi o único. Veja-se o
caso também recente do Golf, em que um personagem que imita Forrest
Gump (do filme homônimo com Tom Hanks) conta que assumiu o volante
desse modelo e não conseguiu mais parar de dirigir. A mensagem
talvez seja válida, mas tenho dúvidas se associar aos motoristas de
Golf alguém como Forrest — exagerado e pouco inteligente — é
positivo para sua imagem.
Alguns podem ter gostado do anúncio da bola de cristal do Punto, mas
ao vê-lo me questionei: onde a Fiat quis chegar? O que as cenas
dizem sobre o carro, de que forma querem nos convencer a comprar um?
Ou então o comercial do Fiesta Trail, que termina com o carro
patinando na lama, sem aderência: é isso que promete uma versão com
jeito aventureiro? E, por falar em promessa e decepção, nada pior
que a série sobre a "campanha recusada pelos exigentes compradores
do Vectra", que terminou com um anúncio fraco, desproporcional à
expectativa criada durante semanas.
Há, por outro lado, comerciais que merecem aplausos. O do Citroën C4
Pallas, com Kiefer Sutherland, é a meu ver um deles: impecável a
mensagem de que, dentro do carro, o tumulto da vida moderna dá lugar
à tranqüilidade. Gostei também do anúncio da Idea Adventure, o do
dinossauro que reaparece depois de crescido — inverossímil, é claro,
mas bem-feito e divertido. E dei boas gargalhadas ao ver a campanha
da Peugeot com o mote "relaxa e compra", uma sátira à infeliz
declaração da ministra Marta Suplicy que levou à rápida suspensão do
anúncio — a pedido do presidente Lula, segundo se comenta.
Os memoráveis
Há comerciais tão bem-bolados que se tornam memoráveis. Um deles foi
o da Fiat em 1990, em que o técnico da seleção brasileira de futebol
Sebastião Lazaroni está na Itália, sede da Copa do Mundo, dirigindo
um Uno brasileiro, e estaciona em local proibido. Aparece um guarda
e o técnico tenta se safar, dizendo que é o técnico da equipe
brasileira, que o carro é um Fiat Uno feito no Brasil. O policial
faz aquela cara de quem não acredita — sobretudo em um Uno que não
seja italiano — e multa do mesmo jeito: "Então, muito prazer, eu sou
o Papa", diz. Divertido, mas eficaz em destacar o mérito de um carro
nacional ser exportado para a Europa.
Vêm à memória alguns filmes clássicos exibidos no exterior, que
aparecem por aqui graças à internet. Como o da perua Honda Accord,
em que dezenas de componentes espalhados por um salão movem-se em
uma primorosa seqüência até chegar ao carro. O narrador então
pergunta: "Não é agradável quando tudo simplesmente... funciona?".
Ou o do BMW M5: um bólido a turbina tenta um recorde de velocidade
nos famosos lagos de sal de Bonneville, Utah, nos Estados Unidos. Ao
fim da prova, o piloto vai até a câmera, quando então se vê que ela
foi transportada pelo supersedã alemão. Os dois constam de nosso
arquivo de vídeos.
Excelente também foi o do câmbio Multitronic da Audi. Um fã de Elvis
Presley, vestido a caráter, toma carona em um A4 e coloca um boneco
do cantor no painel, esperando que ele dance com os movimentos de
cada troca de marcha, como fazia no velho Mustang que o deixou na
estrada. Mas a progressão contínua da caixa CVT deixa o boneco
imóvel, para decepção do passageiro. E há um ótimo da Pirelli: o
motorista consegue frear a tempo de evitar uma colisão com um
caminhão que cruza sua frente, sai do carro para discutir e...
escorrega no piso de baixíssima aderência.
Há pouco tempo assisti a um antigo comercial da Volkswagen alemã que
fala por si só. O Fusca é tirado da garagem numa manhã de inverno
após nevar à noite, o dia ainda não clareou, e roda tranqüilamente
pelas ruas cobertas de neve. Ao chega ao destino, o motorista monta
num veículo varre-neve e começa a trabalhar — para que os outros
carros possam trafegar. Perfeito!
Enfim, bons exemplos não faltam — estou certo de que os leitores me
farão lembrar de muitos outros. O importante é que o comercial passe
uma mensagem ligada ao produto, suas qualidades e vantagens sobre a
concorrência. Não basta entreter: é preciso transmitir (se de forma
sutil, tanto melhor) que existe algo especial naquele automóvel,
algo que motive sua compra mais que simplesmente o aspecto visual. E
sem o risco de dupla interpretação.
Se a propaganda é a alma do negócio, uma boa propaganda é o caminho
para o negócio ser fechado. |