A alma do negócio

O que um anúncio comercial de automóvel deve,
ou não, transmitir para que seja bem-sucedido

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorSemanas atrás, um comercial de TV me chamou a atenção. Uma voz feminina contava que sempre agiu de forma oposta à de outras pessoas, enquanto a tela mostrava como a maioria e uma minoria atuavam em diversas situações. Ao final, o produto anunciado era mostrado como a opção de quem é diferente: o Ford Focus, dirigido por um personagem cujo rosto fez lembrar o biscoito recheado Trakinas.

A idéia do comercial pode até ser boa, mas dá margem à pergunta: a Ford estaria assumindo que o carro — um dos hatches médios mais vendidos — tivesse aceitação tão baixa a ponto de ser a "opção dos diferentes"? E, pode pensar o espectador, será que o carro não é bom a ponto de vender tão pouco?

Publicidade é assunto sério, mesmo quando apela ao bom humor. A impressão que fica nesse caso é de que a agência não olhou a questão por todos os lados, não percebeu as diferentes interpretações que o comercial poderia trazer. E o do Focus não foi o único. Veja-se o caso também recente do Golf, em que um personagem que imita Forrest Gump (do filme homônimo com Tom Hanks) conta que assumiu o volante desse modelo e não conseguiu mais parar de dirigir. A mensagem talvez seja válida, mas tenho dúvidas se associar aos motoristas de Golf alguém como Forrest — exagerado e pouco inteligente — é positivo para sua imagem.

Alguns podem ter gostado do anúncio da bola de cristal do Punto, mas ao vê-lo me questionei: onde a Fiat quis chegar? O que as cenas dizem sobre o carro, de que forma querem nos convencer a comprar um? Ou então o comercial do Fiesta Trail, que termina com o carro patinando na lama, sem aderência: é isso que promete uma versão com jeito aventureiro? E, por falar em promessa e decepção, nada pior que a série sobre a "campanha recusada pelos exigentes compradores do Vectra", que terminou com um anúncio fraco, desproporcional à expectativa criada durante semanas.

Há, por outro lado, comerciais que merecem aplausos. O do Citroën C4 Pallas, com Kiefer Sutherland, é a meu ver um deles: impecável a mensagem de que, dentro do carro, o tumulto da vida moderna dá lugar à tranqüilidade. Gostei também do anúncio da Idea Adventure, o do dinossauro que reaparece depois de crescido — inverossímil, é claro, mas bem-feito e divertido. E dei boas gargalhadas ao ver a campanha da Peugeot com o mote "relaxa e compra", uma sátira à infeliz declaração da ministra Marta Suplicy que levou à rápida suspensão do anúncio — a pedido do presidente Lula, segundo se comenta.

Os memoráveis
Há comerciais tão bem-bolados que se tornam memoráveis. Um deles foi o da Fiat em 1990, em que o técnico da seleção brasileira de futebol Sebastião Lazaroni está na Itália, sede da Copa do Mundo, dirigindo um Uno brasileiro, e estaciona em local proibido. Aparece um guarda e o técnico tenta se safar, dizendo que é o técnico da equipe brasileira, que o carro é um Fiat Uno feito no Brasil. O policial faz aquela cara de quem não acredita — sobretudo em um Uno que não seja italiano — e multa do mesmo jeito: "Então, muito prazer, eu sou o Papa", diz. Divertido, mas eficaz em destacar o mérito de um carro nacional ser exportado para a Europa.

Vêm à memória alguns filmes clássicos exibidos no exterior, que aparecem por aqui graças à internet. Como o da perua Honda Accord, em que dezenas de componentes espalhados por um salão movem-se em uma primorosa seqüência até chegar ao carro. O narrador então pergunta: "Não é agradável quando tudo simplesmente... funciona?". Ou o do BMW M5: um bólido a turbina tenta um recorde de velocidade nos famosos lagos de sal de Bonneville, Utah, nos Estados Unidos. Ao fim da prova, o piloto vai até a câmera, quando então se vê que ela foi transportada pelo supersedã alemão. Os dois constam de nosso arquivo de vídeos.

Excelente também foi o do câmbio Multitronic da Audi. Um fã de Elvis Presley, vestido a caráter, toma carona em um A4 e coloca um boneco do cantor no painel, esperando que ele dance com os movimentos de cada troca de marcha, como fazia no velho Mustang que o deixou na estrada. Mas a progressão contínua da caixa CVT deixa o boneco imóvel, para decepção do passageiro. E há um ótimo da Pirelli: o motorista consegue frear a tempo de evitar uma colisão com um caminhão que cruza sua frente, sai do carro para discutir e... escorrega no piso de baixíssima aderência.

Há pouco tempo assisti a um antigo comercial da Volkswagen alemã que fala por si só. O Fusca é tirado da garagem numa manhã de inverno após nevar à noite, o dia ainda não clareou, e roda tranqüilamente pelas ruas cobertas de neve. Ao chega ao destino, o motorista monta num veículo varre-neve e começa a trabalhar — para que os outros carros possam trafegar. Perfeito!

Enfim, bons exemplos não faltam — estou certo de que os leitores me farão lembrar de muitos outros. O importante é que o comercial passe uma mensagem ligada ao produto, suas qualidades e vantagens sobre a concorrência. Não basta entreter: é preciso transmitir (se de forma sutil, tanto melhor) que existe algo especial naquele automóvel, algo que motive sua compra mais que simplesmente o aspecto visual. E sem o risco de dupla interpretação.

Se a propaganda é a alma do negócio, uma boa propaganda é o caminho para o negócio ser fechado.

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Data de publicação: 1/9/07

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