O único na mão certa

Se um simples motor 1,6 supera em muito o mais caro
de 1,0 litro, já passou da hora de unificarmos o IPI

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorQuando a Renault anunciou o lançamento do Sandero, em setembro, divulgou também que o novo hatch e o sedã de que ele deriva — o Logan — passariam a oferecer, como opção intermediária entre os motores de 1,0 e 1,6 litro com 16 válvulas já disponíveis, um 1,6 de oito válvulas. A primeira impressão de quem lesse a notícia poderia ser de retrocesso, já que a potência cairia de 112 cv da versão 1,6 16V para apenas 95 cv (com uso de álcool nos dois casos).

Embora o Sandero ainda não tenha sido cedido para avaliação completa do Best Cars, estive recentemente com o Logan dotado do novo-velho motor de oito válvulas, que ressurge sete anos depois de ser retirado da linha Clio — foi substituído justamente pela versão 16V em 2001. E as impressões confirmaram o que venho dizendo há tempos: motor bom é o que atende às necessidades em todas as faixas de operação.

Ainda estavam claras as sensações de dirigir o Logan 1,0 16V para o comparativo publicado em agosto. Nas baixas rotações que mais usamos no tráfego urbano, ou mesmo ao sair da imobilidade, o motor não poderia ser mais inadequado ao carro, um sedã relativamente pesado com 1.025 kg. Era preciso recorrer a altos regimes, acima de 3.500 rpm, para obter razoável agilidade — de fato, dessa rotação em diante o pequeno 1,0-litro atendia bem à proposta do carro.

Não seria um problema se usar o motor nessa faixa não trouxesse tanto ruído, além de se ter de "queimar" um pouco de embreagem para o lançamento a partir do zero com ar-condicionado ligado. E não resta dúvida que o consumo nessas condições é maior, anulando em boa parte a vantagem de economia esperada pela baixa cilindrada. Em uma viagem em rodovia na faixa de 120 km/h, nova insatisfação com o câmbio muito curto — necessário para compensar a falta de ânimo em baixa rotação —, que produzia 4.000 rpm em quinta e fazia o ruído invadir o interior, com a ajuda do escasso revestimento fonoabsorvente.

Com o Logan 1,6 de oito válvulas, agora avaliado, foi tudo bem diferente. Já ao deixar a concessionária de São Paulo onde foi retirado, o carro mostrou-se outro: ágil desde baixa rotação, bem disposto a se inserir no trânsito nervoso da capital paulista. O ar-condicionado, que antes representava prejuízo sensível ao desempenho, parecia não fazer diferença. E, ao não precisar superar a metade do conta-giros em quase nenhum momento, o carro ficou bem mais silencioso. O mesmo se notou na estrada, onde a 120 km/h em quinta bastavam 3.400 rpm, sem que o carro pedisse reduções de marcha em subidas ou uma sucessão de trocas nas retomadas.

Nada disso é surpresa para quem já passou por essa comparação em outros modelos, mas salta aos olhos a diferença relativamente modesta de potência máxima entre os dois motores: 77 cv no 1,0 16V e 95 cv no 1,6, ambos com álcool. Como a adição de 18 cv, ou meros 23%, pode fazer tanta diferença?

É quando se precisa ir um pouco além na análise da ficha técnica. Enquanto o motor menor obtém torque máximo de 10,1 m.kgf a 4.350 rpm, o maior fornece 14,1 m.kgf a 2.850 rpm. Se são 39% mais torque com 1.500 rpm a menos, fica evidente que o 1,0 ainda está longe de seus 10,1 m.kgf quando o 1,6 já chegou ao máximo de 14,1. Para tirar a dúvida, pedi ao consultor Iran Cartaxo para inserir estes e outros dados em seu simulador de motores. Veja as curvas de potência e torque obtidas:

As conclusões
Embora os gráficos falem por si, vale destacar alguns pontos. A 1.000 rpm — regime muito baixo, mas que faz diferença nos pequenos deslocamentos em tráfego lento — o motor 1,6 oferece 124% mais potência e torque que o 1,0 16V. É como se tivesse 2,2 litros de cilindrada com o mesmo rendimento por litro do 1,0! A 1.500 giros a diferença ainda é muito expressiva, 68% mais, e a 2.000 rpm a vantagem do 1,6 está em 55%.

Só a 3.300 giros a superioridade do motor maior cai para menos de 40%, descendo então gradualmente até 10% a 6.000 giros, que é o ponto de potência máxima do 1,0. Já no pico de potência do 1,6 (95 cv a 5.250 rpm) o 1,0 16V está com apenas 72 cv. Como curiosidade, por ter sido calibrado para privilegiar baixas rotações, o 1,6 "acaba" cedo e a 6.250 rpm tem sua potência (73 cv) superada pelo 1,0, até que o limitador de giros da central eletrônica entra em ação.

Se a comparação fosse com o motor 1,6 de 16 válvulas e 112 cv, eliminaria qualquer risco de ver o 1,0 16V superar sua potência. A razão de abordarmos o 1,6 de oito válvulas é a relação custo-benefício: por sua concepção mais simples e menor número de componentes, a lógica diz que este motor de 95 cv custa menos para o fabricante que o de 77 cv. E só chega ao mercado a preço maior por dois motivos: um, a alíquota de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) mais alta; e outro, o apelo que acrescenta ao veículo diante do consumidor. Afinal, não é segredo que o preço de qualquer produto tem relação com quanto o mercado se dispõe a pagar por ele.

O caso do Logan e do Sandero é só um exemplo entre vários que podem ser usados, mas a lição que ele traz é ampla: já passou da hora de haver unificação de IPI entre os motores de até 1,0 litro e os de maior cilindrada, pois os carros pequenos de hoje não são mais os de 1990, quando o benefício fiscal foi aplicado pela primeira vez.

O aumento de peso dos automóveis é inevitável, face a novas exigências de segurança em impactos, e cada vez mais se tornam comuns itens que trazem peso e/ou consumo de potência, como direção assistida, ar-condicionado e cinco portas. Assim, o que valia para os carros 1000 do começo dos anos 90 — despojados de qualquer conforto e com peso ao redor de 800 kg — já não vale mais. Os pequenos de geração mais recente, como Corsa, Fiesta, Palio, Fox e os próprios Renaults citados, ficam ao redor de 1.000 kg e não raro são adquiridos com os itens de conforto e conveniência acima.

Esses mesmos modelos ou seus similares, quando vendidos no resto do mundo, usam motores mais adequados. Ou começam em 1,4 a 1,6 litro, ou têm versões de 1,0 a 1,2 litro com ênfase nas baixas e médias rotações — sacrifica-se a potência em alta para tornar o desempenho mais linear. Até o leve Celta já deixou de ser vendido na Argentina com motor 1,0, substituído pelo 1,4. E o país vizinho tem topografia bem mais plana que o nosso.

Se extrair quase 80 cv de 1.000 cm³ (com aspiração natural e sem recorrer a tecnologias caras como comando de válvulas variável) fosse a melhor solução, o mundo todo o faria. Difícil é imaginar que, nesse assunto, apenas o Brasil esteja andando na mão certa de direção.

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Data de publicação: 8/3/08

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