Turbo para todos

Enquanto chega a modelos mais acessíveis na Europa,
no Brasil ele perde o pouco espaço que conquistou

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorAs novidades do Salão de Genebra, como acontece todo ano a esta época, tomaram conta da seção de notícias do Best Cars e de outras mídias especializadas. E chamou atenção uma tendência que vem ganhando força: a difusão do turbocompressor no mercado europeu, de forma cada vez mais generalizada e em modelos mais acessíveis.

Quanto o turbo apareceu na Europa na primeira metade da década de 1970, por meio do BMW 2002 e logo após no Porsche 911, o que se viam eram motores de alto desempenho, mas pouco adequados ao uso em rua. Ganhava-se potência em alta rotação, depois da entrada em ação do sistema, mas se perdia em baixa pela menor taxa de compressão, além da dificuldade em acertar o funcionamento do motor com os sistemas de alimentação da época (injeções primitivas e carburadores). O fenômeno chamado turbo lag, hesitação do turbo, ficou por muito tempo associado a esse tipo de superalimentação.

Foram os suecos da Saab, com o modelo 99 ainda naquela década, que começaram a aplicar o turbo como ele é usado hoje: para ganho mais homogêneo de potência, em que se nota o benefício sobre o motor similar de aspiração natural desde as baixas rotações, sem sobressaltos. O rápido desenvolvimento da eletrônica, desde então, mudou por inteiro o resultado da instalação de turbo pelos fabricantes. Há inúmeros motores hoje, em diferentes cilindradas, que obtêm o torque máximo abaixo de 2.000 rpm e o mantêm constante por uma larga faixa de operação. Em muitos casos o turbo lag está eliminado em definitivo.

Daquelas marcas pioneiras, a Porsche nunca abandonou o turbo no 911, nem a Saab — e a compatriota Volvo, que a seguiu anos depois — em seus automóveis de passeio. Já a BMW, após nova tentativa com uma versão do sedã Série 7 nos anos 80, pôs o sistema no esquecimento (à parte motores a diesel, em que a aspiração natural não permite muito rendimento) até pouco tempo atrás, quando apresentou o brilhante 335i. O seis-cilindros de 3,0 litros e dois turbos entrega 306 cv — mais que o V8 aspirado de 4,0 litros usado oito anos atrás — e torque constante de 40,8 m.kgf de 1.300 a 5.000 rpm.

O que começou em carros sofisticados vem sendo trazido, pouco a pouco, aos mais acessíveis. A principal razão é a guerra contra o CO2, o dióxido de carbono que se acredita ser um dos grandes causadores do efeito estufa que está aquecendo a Terra. Por isso, exige-se eficiência cada vez maior na queima da mistura ar-combustível. Como um motor turbo obtém desempenho similar ao de um aspirado de cilindrada 30% a 40% maior, em média, os fabricantes o procuram para reduzir peso e atrito, mesmo que a custo mais alto. A Volkswagen alemã já associa turbo e compressor em um motor de 1,4 litro, que desenvolve potência e torque compatíveis com os de um seis-cilindros aspirado de 2,5 litros com clara vantagem em consumo e peso.

Também da VW, o utilitário compacto Tiguan nem oferece motores de aspiração natural: os três movidos a gasolina são turbo. O mesmo se aplica ao Lancia Delta e ao Volvo XC 60, que saem em Genebra, enquanto a Fiat aderiu ao sistema no 1,4-litro usado por Bravo, Grande Punto e agora o 500 Abarth. No segmento de hatches esportivos pequenos, aliás, o turbo já é bastante comum: Opel Corsa OPC, Peugeot 207 RC/GTI, Mini Cooper S, VW Polo GTI e Seat Ibiza Cupra são alguns que o utilizam para chegar perto dos 200 cv com 1,6 a 1,8 litro.

No Brasil
Enquanto essa revolução técnica acontece na Europa, por aqui — apesar de a maioria de nossos carros ter projeto europeu — o turbo sempre teve participação discreta. A única tentativa de usá-lo em um modelo acessível e sem pretensões esportivas foi a de Gol e Parati Turbo de 1,0 litro, que cativavam pelo desempenho, mas tiveram problemas crônicos com a polia do variador de tempo do comando (VVT). Isso levou à rejeição pelo mercado, embora o defeito não tivesse relação com a superalimentação.

De resto, o caro Golf GTI é hoje o único automóvel nacional com turbo. A Fiat não fez sucessores para Uno, Tempra (os pioneiros no Brasil, em 1994) e Marea com o recurso e o Audi A3 não é mais fabricado aqui. A ironia é que a General Motors produz em São José dos Campos, SP o motor de 2,0 litros turboalimentado para equipar modelos da Opel, mas não o usa no mercado interno.

Estamos à margem de um progresso em motores que teria, aqui, uma aplicação ainda pouco explorada na Europa: usar diferentes pressões conforme o combustível em motores flexíveis. Com as centrais eletrônicas de hoje, é simples acrescentar a variação da pressão do turbo ao mapeamento de injeção e ignição, de modo que ela possa ser mais alta com álcool que com gasolina. A Saab usa tal solução nos motores flexíveis (entre gasolina e E85 apenas) de 1,8 e 2,0 litros: o primeiro alcança 150 cv com gasolina e 175 com E85, e o outro, 175 e 200 cv, na ordem.

Qual será o primeiro fabricante a nos recolocar no clube do turbo?

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Data de publicação: 23/2/08

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