Comparar para comprar

Nas mesmas marcas, modelos de segmento inferior
custam quase o mesmo que os de categoria acima

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorO mercado de automóveis tem suas curiosidades. Dias desses estava navegando pela internet, analisando preços de diferentes modelos, e notei situações que surpreenderiam muita gente: certos carros de segmento inferior, quando recebem opcionais, encostam em preço nos de categoria superior com equipamentos semelhantes.

Alguma interseção de preços sempre existiu, pois há opcionais — como direção assistida, bolsas infláveis, ar-condicionado e freios antitravamento — que são bastante caros. Os dois últimos itens não raro superam R$ 3 mil cada. Portanto, é natural que um carro pequeno assuma preço de médio quando receber todos esses itens. O que impressiona é que, por distorções do mercado, modelos de classes distintas tenham preços similares em igualdade de conteúdo.

É o caso do Corsa sedã — o "novo", não o Classic, que só é chamado de Corsa quando a GM soma as vendas por modelo... —, cuja versão Maxx sai a R$ 39,1 mil com ar-condicionado e direção assistida opcionais. O Prisma Maxx com ar, sendo a direção de série, vai a R$ 38,1 mil. É muito pouca diferença por um carro mais moderno (o Prisma deriva do Corsa de 1994, uma geração atrás do atual), espaçoso, bem-acabado e com desempenho similar, já que usa o mesmo motor de 1,4 litro e tem potência superior, 105 ante 97 cv (com álcool).

Situação parecida acontece na linha Ford. A versão Trail do Fiesta 1,6, que traz ar, direção, rodas de alumínio e rádio/CD/MP3, custa R$ 45,5 mil. Abrindo mão dos dois últimos itens, o cliente leva por menos dinheiro — R$ 44,5 mil — um Focus GL 1,6 com o conjunto elétrico opcional. A diferença cobre com folga o sistema de áudio e, de resto, ganha-se em espaço para passageiros e bagagem, conforto de rodagem e acabamento. O motor é o mesmo em ambos.

Vamos à Volkswagen. O Fox Plus 1,6 de cinco portas começa em R$ 36 mil, mas cobra à parte o ar-condicionado, com o qual vai a R$ 40,4 mil. O Polo 1,6 básico, já com ar de série, sai por R$ 41,6 mil. Por pouco a mais leva-se um carro bem superior em acabamento e conforto de rodagem, com perda apenas em espaço no banco traseiro. Também aqui o motor 1,6 é igual nos dois.

Em faixa superior, nova incoerência. O Golf GTI com câmbio automático custa impressionantes R$ 107,1 mil. Por apenas R$ 86,2 mil — quase R$ 21 mil a menos — a mesma Volkswagen oferece o Jetta, também automático, mais moderno em uma geração (é o sedã do atual Golf alemão), com mais espaço interno, porta-malas muito maior e bolsas infláveis do tipo cortina. Ambos têm controle de estabilidade e cobram à parte por bancos de couro e teto solar. Nem a diferença de potência de 23 cv a favor do GTI consegue convencer que o antigo hatch seja melhor opção que o novo sedã.

Na linha Peugeot, digamos que você se interesse pela perua 206 SW Feline, com motor 1,6 16V, a R$ 50 mil. Pois bem: R$ 54,9 mil compram um 307 Presence com bolsas infláveis, freios ABS (recursos que a SW não oferece) e o mesmo motor. É verdade que esse 307 básico não traz alguns itens da 206 mais luxuosa, como rodas de alumínio e faróis/limpadores automáticos, mas é um carro bem superior em espaço — até para bagagem, apesar de não ser perua —, conforto e segurança.

E, na Renault, a proximidade de preço está entre a Scénic Privilège (R$ 71,6 mil) e a Mégane Grand Tour Dynamique (R$ 73,6 mil), ambas com motor 2,0 16V e caixa automática. Pelos R$ 2 mil a mais, quem optar pela Grand Tour leva um carro bem mais atual (a Scénic deriva da geração passada do Mégane), com mais espaço para bagagem, três anos de garantia em vez de dois e alguns itens de conforto adicionais. Não dá para imaginar quem pagaria tanto pela velha minivan diante de uma opção tão superior na mesma marca — a não ser que falte espaço na garagem para os 33 centímetros extras...

Por que tudo isso acontece? Os motivos variam, mas em parte dos casos a explicação está na preferência do mercado por um modelo, que é então valorizado pelo fabricante e sobe de preço — é o que ocorre, por exemplo, entre Fiesta e Focus. Em outros, o carro que tem melhor relação custo-benefício vem do México (Jetta) ou da Argentina (Focus, 307), com o que se torna mais competitivo que o produzido no Brasil. Pode parecer incoerente, mas nossos comparativos têm indicado freqüente vantagem para os "importados" na relação entre conteúdo e preço. Talvez seja uma forma com que os fabricantes queiram anular a rejeição natural de muita gente aos modelos que vêm de fora, por questões como manutenção, desvalorização e oferta de peças.

E há exemplos em que a distorção aparece na composição de preços de opcionais: em regra, o carro mais equipado de série se torna mais atraente ao bolso que aquele mais despojado, que precisa da adição de opcionais para ter o mesmo conteúdo do primeiro.

Qualquer que seja a razão, fica uma lição para o consumidor consciente: vale a pena confrontar opções, até dentro de cada marca, para fazer a melhor escolha. Já não se pode tomar como certo que um carro de categoria superior custará bem mais que um inferior, pois a diferença pode ser desprezível. Mais uma vez, fica claro que comparar é essencial antes de comprar.

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Data de publicação: 22/3/08

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