O mercado de automóveis
tem suas curiosidades. Dias desses estava navegando pela internet,
analisando preços de diferentes modelos, e notei situações que
surpreenderiam muita gente: certos carros de segmento inferior,
quando recebem opcionais, encostam em preço nos de categoria
superior com equipamentos semelhantes.
Alguma interseção de preços sempre existiu, pois há opcionais — como
direção assistida, bolsas infláveis, ar-condicionado e freios
antitravamento — que são bastante caros. Os dois últimos itens não
raro superam R$ 3 mil cada. Portanto, é natural que um carro pequeno
assuma preço de médio quando receber todos esses itens. O que
impressiona é que, por distorções do mercado, modelos de classes
distintas tenham preços similares em igualdade de conteúdo.
É o caso do Corsa sedã — o "novo", não o Classic, que só é chamado
de Corsa quando a GM soma as vendas por modelo... —, cuja versão
Maxx sai a R$ 39,1 mil com ar-condicionado e direção assistida
opcionais. O Prisma Maxx com ar, sendo a direção de série, vai a R$
38,1 mil. É muito pouca diferença por um carro mais moderno (o
Prisma deriva do Corsa de 1994, uma geração atrás do atual),
espaçoso, bem-acabado e com desempenho similar, já que usa o mesmo
motor de 1,4 litro e tem potência superior, 105 ante 97 cv (com
álcool).
Situação parecida acontece na linha Ford. A versão Trail do Fiesta
1,6, que traz ar, direção, rodas de alumínio e rádio/CD/MP3, custa
R$ 45,5 mil. Abrindo mão dos dois últimos itens, o cliente leva por
menos dinheiro — R$ 44,5 mil — um Focus GL 1,6 com o conjunto
elétrico opcional. A diferença cobre com folga o sistema de áudio e,
de resto, ganha-se em espaço para passageiros e bagagem, conforto de
rodagem e acabamento. O motor é o mesmo em ambos.
Vamos à Volkswagen. O Fox Plus 1,6 de cinco portas começa em R$ 36
mil, mas cobra à parte o ar-condicionado, com o qual vai a R$ 40,4
mil. O Polo 1,6 básico, já com ar de série, sai por R$ 41,6 mil. Por
pouco a mais leva-se um carro bem superior em acabamento e conforto
de rodagem, com perda apenas em espaço no banco traseiro. Também
aqui o motor 1,6 é igual nos dois.
Em faixa superior, nova incoerência. O Golf GTI com câmbio
automático custa impressionantes R$ 107,1 mil. Por apenas R$ 86,2
mil — quase R$ 21 mil a menos — a mesma Volkswagen oferece o Jetta,
também automático, mais moderno em uma geração (é o sedã do atual
Golf alemão), com mais espaço interno, porta-malas muito maior e
bolsas infláveis do tipo cortina. Ambos têm
controle de estabilidade e cobram à
parte por bancos de couro e teto solar. Nem a diferença de potência
de 23 cv a favor do GTI consegue convencer que o antigo hatch seja
melhor opção que o novo sedã.
Na linha Peugeot, digamos que você se interesse pela perua 206 SW
Feline, com motor 1,6 16V, a R$ 50 mil. Pois bem: R$ 54,9 mil
compram um 307 Presence com bolsas infláveis, freios ABS (recursos
que a SW não oferece) e o mesmo motor. É verdade que esse 307 básico
não traz alguns itens da 206 mais luxuosa, como rodas de alumínio e
faróis/limpadores automáticos, mas é um carro bem superior em espaço
— até para bagagem, apesar de não ser perua —, conforto e segurança.
E, na Renault, a proximidade de preço está entre a Scénic Privilège
(R$ 71,6 mil) e a Mégane Grand Tour Dynamique (R$ 73,6 mil), ambas
com motor 2,0 16V e caixa automática. Pelos R$ 2 mil a mais, quem
optar pela Grand Tour leva um carro bem mais atual (a Scénic deriva
da geração passada do Mégane), com mais espaço para bagagem, três
anos de garantia em vez de dois e alguns itens de conforto adicionais.
Não dá para imaginar quem pagaria tanto pela velha minivan diante de
uma opção tão superior na mesma marca — a não ser que falte espaço
na garagem para os 33 centímetros extras...
Por que tudo isso acontece? Os motivos variam, mas em parte dos
casos a explicação está na preferência do mercado por um modelo, que
é então valorizado pelo fabricante e sobe de preço — é o que ocorre,
por exemplo, entre Fiesta e Focus. Em outros, o carro que tem melhor
relação custo-benefício vem do México (Jetta) ou da Argentina
(Focus, 307), com o que se torna mais competitivo que o produzido no
Brasil. Pode parecer incoerente, mas nossos comparativos têm
indicado freqüente vantagem para os "importados" na relação entre
conteúdo e preço. Talvez seja uma forma com que os fabricantes
queiram anular a rejeição natural de muita gente aos modelos que vêm
de fora, por questões como manutenção, desvalorização e oferta de
peças.
E há exemplos em que a distorção aparece na composição de preços de
opcionais: em regra, o carro mais equipado de série se torna mais
atraente ao bolso que aquele mais despojado, que precisa da adição
de opcionais para ter o mesmo conteúdo do primeiro.
Qualquer que seja a razão, fica uma lição para o consumidor
consciente: vale a pena confrontar opções, até dentro de cada marca,
para fazer a melhor escolha. Já não se pode tomar como certo que um
carro de categoria superior custará bem mais que um inferior, pois a
diferença pode ser desprezível. Mais uma vez, fica claro que
comparar é essencial antes de comprar. |