Os caminhões e o rodízio

A restrição aos pesados, mesmo que pareça boa idéia
a quem dirige automóvel, não resiste ao bom senso

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorPara os motoristas de automóveis, um alívio; para os que dirigem caminhões ou dependem de alguma forma do transporte de carga, um problema. Refiro-me ao projeto de lei, aprovado há poucos dias pela Câmara Municipal de São Paulo, pelo qual passará a valer para caminhões o rodízio de veículos na capital paulista.

Desculpem-me os leitores de outras regiões do País por abordar neste espaço, em uma mídia de alcance internacional, assunto referente a apenas uma cidade. Mas uma notícia que afeta os paulistanos costuma ter reflexos bem mais amplos, sem falar na possibilidade de que as "soluções" adotadas na maior cidade brasileira cheguem, a médio prazo, a outras capitais e grandes cidades. De resto, quase metade dos que acessam o Best Cars vivem no estado de São Paulo.

Para quem não conhece o funcionamento do rodízio, seu método — destinado, segundo as autoridades, a reduzir congestionamentos em horários de pico — é impor restrição de circulação no chamado Centro Expandido de São Paulo, que abrange sua principal área de tráfego, a 20% da frota de automóveis (pelo dígito final da placa) entre 7 e 10 horas e entre 17 e 20 horas, de segunda a sexta-feira.

Quem vive essa realidade já se acostumou a deixar o carro na garagem um dia por semana, usando uma alternativa para se locomover — carona, transporte público, quem sabe outro carro adquirido para esse fim —, ou a evitar os horários de restrição. Arriscar-se tentando escapar à fiscalização? É cada vez mais difícil desde a implantação de sistemas de leitura automática de placas, que "caçam" infratores entre os veículos que passam pela via.

Para muitos desses motoristas cerceados em sua liberdade de usar o carro, parece injustificável que o rodízio não se aplique a caminhões, que ocupam mais espaço e deslocam-se mais lentamente, contribuindo em muito para agravar os congestionamentos. Então surge a idéia de lhes estender a restrição, com o adicional de que a proposta vale para todo o município, não só para o Centro Expandido.

Vista do lado de cá — o de quem dirige automóvel —, parece boa idéia. Cada caminhão que deixe de circular abre espaço para vários carros e traz ganho expressivo em agilidade, o que ajuda na fluidez do tráfego. No entanto, basta pensar um pouco pelo outro lado para perceber a extensão do problema que isso traria ao transporte de carga, do qual todos dependemos em maior ou menor grau.

Para caminhoneiros que viajassem rumo a São Paulo, ainda seria possível — até certo ponto — adaptar o horário de viagem para evitar o rodízio, como fazem os motoristas de carros que partem de outras cidades em seu dia de restrição. O problema começa quando não é possível grande alteração no roteiro ou se ocorre um imprevisto qualquer no caminho. É de se esperar que muitos caminhões tenham de aguardar o fim da restrição, estacionados à beira das rodovias ou lotando postos próximos às entradas da cidade.

Digamos que o veículo pôde entrar em hora permitida, mas não consegue sair da capital a tempo. Quem tem automóvel ainda pode, com certo sacrifício pessoal, esperar por três horas num shopping center ou mesmo guardá-lo num estacionamento e seguir caminho com outro meio de transporte. Mas e o caminhoneiro, onde vai estacionar? Sem falar na questão de produtos perecíveis, que se estragariam durante a espera ou exigiriam manter ligado o resfriamento de sistemas frigoríficos, com desperdício de combustível e emissões poluentes desnecessárias.

O que se vê é, mais uma vez, o poder público — no caso a prefeitura — tentando resolver problemas da forma mais simples, com a caneta, e da mais rentável, com leis que trazem farta arrecadação com multas. Arrecadação, sim, pois a multa por desrespeito ao rodízio (que para automóveis é de R$ 85,13 e traz quatro pontos ao prontuário do motorista) pode acabar custando menos às empresas de transporte do que o prejuízo de manter o caminhão imobilizado, sabe-se lá como. E, se muitas delas pensarem dessa forma, tudo que São Paulo terá conseguido é engordar os caixas municipais sem melhorar as condições de trânsito.

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Data de publicação: 5/4/08

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