Para os motoristas de
automóveis, um alívio; para os que dirigem caminhões ou dependem de
alguma forma do transporte de carga, um problema. Refiro-me ao
projeto de lei, aprovado há poucos dias pela Câmara Municipal de São
Paulo, pelo qual passará a valer para caminhões o rodízio de
veículos na capital paulista.
Desculpem-me os leitores de outras regiões do País por abordar neste
espaço, em uma mídia de alcance internacional, assunto referente a
apenas uma cidade. Mas uma notícia que afeta os paulistanos costuma
ter reflexos bem mais amplos, sem falar na possibilidade de que as
"soluções" adotadas na maior cidade brasileira cheguem, a médio
prazo, a outras capitais e grandes cidades. De resto, quase metade
dos que acessam o Best Cars vivem no estado de São Paulo.
Para quem não conhece o funcionamento do rodízio, seu método —
destinado, segundo as autoridades, a reduzir congestionamentos em
horários de pico — é impor restrição de circulação no chamado Centro
Expandido de São Paulo, que abrange sua principal área de tráfego, a
20% da frota de automóveis (pelo dígito final da placa) entre 7 e 10
horas e entre 17 e 20 horas, de segunda a sexta-feira.
Quem vive essa realidade já se acostumou a deixar o carro na garagem
um dia por semana, usando uma alternativa para se locomover —
carona, transporte público, quem sabe outro carro adquirido para
esse fim —, ou a evitar os horários de restrição. Arriscar-se
tentando escapar à fiscalização? É cada vez mais difícil desde a
implantação de sistemas de leitura automática de placas, que "caçam"
infratores entre os veículos que passam pela via.
Para muitos desses motoristas cerceados em sua liberdade de usar o
carro, parece injustificável que o rodízio não se aplique a
caminhões, que ocupam mais espaço e deslocam-se mais lentamente,
contribuindo em muito para agravar os congestionamentos. Então surge
a idéia de lhes estender a restrição, com o adicional de que a
proposta vale para todo o município, não só para o Centro Expandido.
Vista do lado de cá — o de quem dirige automóvel —, parece boa
idéia. Cada caminhão que deixe de circular abre espaço para vários
carros e traz ganho expressivo em agilidade, o que ajuda na fluidez
do tráfego. No entanto, basta pensar um pouco pelo outro lado para
perceber a extensão do problema que isso traria ao transporte de
carga, do qual todos dependemos em maior ou menor grau.
Para caminhoneiros que viajassem rumo a São Paulo, ainda seria
possível — até certo ponto — adaptar o horário de viagem para evitar
o rodízio, como fazem os motoristas de carros que partem de outras
cidades em seu dia de restrição. O problema começa quando não é
possível grande alteração no roteiro ou se ocorre um imprevisto
qualquer no caminho. É de se esperar que muitos caminhões tenham de
aguardar o fim da restrição, estacionados à beira das rodovias ou
lotando postos próximos às entradas da cidade.
Digamos que o veículo pôde entrar em hora permitida, mas não
consegue sair da capital a tempo. Quem tem automóvel ainda pode, com
certo sacrifício pessoal, esperar por três horas num shopping center
ou mesmo guardá-lo num estacionamento e seguir caminho com outro
meio de transporte. Mas e o caminhoneiro, onde vai estacionar? Sem
falar na questão de produtos perecíveis, que se estragariam durante
a espera ou exigiriam manter ligado o resfriamento de sistemas
frigoríficos, com desperdício de combustível e emissões poluentes
desnecessárias.
O que se vê é, mais uma vez, o poder público — no caso a prefeitura
— tentando resolver problemas da forma mais simples, com a caneta, e
da mais rentável, com leis que trazem farta arrecadação com multas.
Arrecadação, sim, pois a multa por desrespeito ao rodízio (que para
automóveis é de R$ 85,13 e traz quatro pontos ao prontuário do
motorista) pode acabar custando menos às empresas de transporte do
que o prejuízo de manter o caminhão imobilizado, sabe-se lá como. E,
se muitas delas pensarem dessa forma, tudo que São Paulo terá
conseguido é engordar os caixas municipais sem melhorar as condições
de trânsito. |