A reestilização parcial
de um carro é tarefa das mais complicadas para os departamentos de
estilo. Não pela extensão do trabalho, bem menor que a de uma
carroceria completa, mas pela dificuldade em harmonizar o que é novo
e o que foi mantido do projeto anterior.
Exemplos bem-sucedidos — e outros nem tanto — estão por toda parte.
A meu ver, a Fiat acaba de incluir um à primeira categoria: a
terceira remodelação parcial da
Palio Weekend.
Todos se lembram das reações ao novo Palio lançado há pouco mais de
um ano, em que as formas atraentes da terceira série deram lugar a
um estilo polêmico, baseado em motivos ovais. Das mensagens que
recebemos, quase todas criticavam a solução adotada pelos
ítalo-mineiros.
Com a reforma do Siena, apresentada em novembro, a empresa foi mais
feliz. Mesmo que a tampa do porta-malas retilínea destoasse um pouco
das curvas da carroceria, o conjunto agradou bastante à maioria, com
os faróis mais elaborados que os do Palio e lanternas traseiras que
lembram as de modelos Alfa Romeo. Agora é a vez da Weekend e, desta
vez, o resultado foi muito positivo.
O fato curioso, em casos como o da linha Palio, é que uma carroceria
básica precisa se adaptar a várias tendências de estilo durante seu
ciclo de produção. Em 1996, quando o hatch foi lançado, predominavam
nos carros as formas arredondadas, que no fim da década passaram a
ceder espaço aos ângulos em nome da sensação de robustez. Hoje as
linhas combinam curvas e arestas, que têm de ser implantadas dentro
de limites de custos. Nem o vidro lateral traseiro da perua escapou,
tornando-se mais anguloso.
Mais difícil, sem dúvida, é tentar atualizar um desenho da década de
1980 como o do Uno. É de se imaginar como ficaria o carrinho se, nos
anos 90, tivesse tentado se adequar à tendência de linhas curvas.
Para sorte do atual Mille, os ângulos voltaram à moda e a
reformulação dianteira de 2004 pôde manter as formas retilíneas,
embora o resultado tenha dividido opiniões.
Outros modelos não puderam fugir aos padrões de estilo e perderam
coerência, caso da última alteração de pára-choques no Santana, em
1999: um carro todo reto foi emoldurado com peças arredondadas, que
pareciam improvisadas. De outro lado, as curvas do Vectra de segunda
geração (o de 1996), para mim o mais belo Vectra em todos os tempos
aqui e lá fora, foram maculadas pelos pára-choques e a tampa do
porta-malas retilíneos da linha 2000.
Em alguns casos, o que se percebe é desequilíbrio entre as seções
projetadas para diferentes mercados. A reestilização frontal do
Peugeot 307, adotada aqui em 2005, deu-lhe aspecto mais imponente e
foi bem-aceita no hatch, no conversível CC e na perua SW. Mas na
China a empresa havia acabado de lançar o sedã três-volumes, com a
frente original de 2001 e uma traseira de linhas discretas. O 307
asiático mantém aquele desenho da dianteira até hoje, mas a versão
sedã, ao passar a ser feita na Argentina, teve de adotar a nova
frente em uma mistura que ficou longe do ideal. Certa dissonância
também se nota no Vectra hatch e no Celta desde 2007: a parte
dianteira é volumosa para o restante da carroceria. Nos sedãs Vectra
e Prisma há mais harmonia de conjunto, a meu ver.
Ciclos mais longos
Reestilizações são bem mais comuns em mercados como o nosso que nos
países de vanguarda, por uma simples razão: o ciclo de vida de um
carro é estendido em mercados mais pobres, o que requer mudanças
parciais de tempos em tempos para fazer o velho parecer novo.
Isso explica por que certos modelos tiveram, aqui, reformas nunca
vistas nos países de origem dos projetos. É algo que vem dos
primórdios de nossa indústria, caso do
Aero-Willys, lançado com base
em modelos já descontinuados nos Estados Unidos e retocado várias
vezes para tentar se modernizar — foi, aliás, o primeiro carro a ser
reestilizado por brasileiros. Mais tarde, os desenhos que a GM
trouxe da Opel alemã (Opala em 1968 e Chevette em 1973, derivados de
Rekord e Kadett, na ordem) passaram por no mínimo duas grandes
reformulações de frente e traseira, nos anos 70 e 80, sem afetar a
parte central da carroceria. Enquanto isso, os originais europeus
davam lugar a novas gerações já em 1972 e 1979, respectivamente.
O ritmo de renovação da indústria foi acelerado, nos anos 90, e os
ciclos de vida diminuíram na maioria dos casos, mas isso não evitou
a necessidade de reestilizações. Marea e Ka, ambos em 2001,
receberam mudanças na traseira para se adequar ao gosto brasileiro,
mas na Europa não foi preciso fazê-las — o Ka tem o desenho original
de 1997 até hoje por lá. Na base do mercado, onde os custos têm mais
restrições, uma nova frente e retoques na traseira de tempos em
tempos são o meio de rejuvenescer sem gastar muito. Gol e Palio que
o digam.
Com a desaceleração do mercado nesta década, as reformas parciais
voltaram a ser mais freqüentes. Foi o caso do Golf no ano passado: a
VW local tentou deixar a antiga carroceria mais parecida com a dos
modelos da matriz, como a quinta geração do próprio Golf, lançada lá
em 2003 e que nunca deverá ser feita aqui. E vai se repetir em
poucos dias com o 206, renomeado impropriamente de 207 — número que
na Europa identifica um carro todo novo — e remodelado na frente,
para não parecer o mesmo que conhecemos desde 1999.
Podemos estar longe de aberrações estéticas como as dos mercados
mais atrasados do mundo, mas de reformas parciais — ao que parece —
não ficaremos livres tão cedo. Assim, o melhor que se pode esperar é
que sejam bem-sucedidas. |