Como faço todas as
manhãs, há alguns dias sentei-me diante do computador e abri alguns
sites para me inteirar das novidades, tanto no setor automotivo
quanto nos demais. O que tive foi uma sucessão de surpresas.
Na home-page do UOL, a notícia: com a redução substancial de
impostos anunciada há dois meses pelo governo, que deixou os carros
bem mais baratos, registrara-se fabuloso aumento na produção e nas
vendas. A expectativa ficava em torno de cinco milhões de unidades
no ano que vem. E, garantia o Ministro da Fazenda, a previsão era de
aumento substancial da arrecadação de tributos por meio do
crescimento da economia. "Mais consumidores pagando menos e o
governo arrecadando mais", ele explicava.
Fui checar as tabelas de preços e percebi que estavam, em média, 50%
menores do que há algum tempo. Um Mille saía por pouco mais de R$ 10
mil; um sedã médio bem-equipado, R$ 30 mil. E, como não havia mais
distinção tributária entre modelos com motor de 1,0 litro e os de
maior cilindrada, os índices apontavam forte crescimento de
participação dos carros médios — para alívio dos brasileiros que
sempre desejaram mais espaço e desempenho, mas até então não podiam
pagar.
Fiquei me perguntando como tal explosão de vendas se refletiria no
trânsito das grandes cidades. Mas um boxe da matéria esclarecia a
dúvida. Com a implantação de numerosas obras viárias, a inauguração
do rodoanel, medidas para maior fluidez do tráfego — como eliminação
de lombadas, redução de valetas e adoção da onda verde nos semáforos
— e substancial expansão do sistema de metrô, a cidade de São Paulo
vinha apresentando índices de congestionamento cada vez menores.
Havia espaço, garantiam autoridades do setor, para se ampliar a
frota da capital paulista em 50% antes que voltássemos à situação
registrada dois anos atrás.
Continuei a leitura do noticiário e tive novas surpresas. A
Agência Nacional de Petróleo (ANP) anunciava a padronização de nossa gasolina às do resto do
mundo. Álcool, agora, apenas a 10%. Nossos carros passariam a
consumir menos e não seria mais preciso recalibrar motores para o
mercado nacional, tanto de carros importados quanto dos que vêm ser
produzidos aqui. Brasileiros agora poderiam viajar a países vizinhos
com motores ajustados à gasolina encontrada neles. O antigo padrão
ao redor de 22% seria oferecido apenas como alternativa a veículos
antigos.
E mais: era afinal liberada a venda de automóveis a diesel no
Brasil, país que assim deixava de ser uma exceção, uma ilha cercada
de carros movidos a tal combustível por todos os lados. "A curto
prazo, isso nos libertará da problemática importação de gás natural
de países vizinhos", anunciava o presidente da República, "pois o
que produzimos atende com sobra ao uso industrial".
Acidentes
Em outra notícia, um estudo recém-divulgado apontava expressiva
redução dos índices de acidentes no Brasil, reflexo das medidas
adotadas nos últimos anos: melhor treinamento para quem pleiteava
habilitação, fiscalização rigorosa de todo tipo de infração,
patrulhamento constante nas rodovias. Dirigir embriagado havia se
tornado quase impossível, tal o rigor da lei, apesar de ter sido
revogada a norma de "álcool zero" no sangue e retomado o limite
anterior, como nos países de vanguarda. As autoridades haviam
aprendido o caminho para a segurança: combater a impunidade, não
endurecer a lei no papel.
O maior declínio de vítimas, note-se, fora entre os motociclistas.
De fato, percebia-se nas ruas nos últimos tempos a disciplina e a
civilidade com que eles conduziam, sem que isso representasse atraso
nas entregas dos mensageiros. Outro dado expressivo do estudo:
acidentes com caminhões e ônibus caíram mais de 70%, também pela
fiscalização rigorosa de infrações, do consumo de álcool e do
excesso de carga.
Uma das medidas destacadas pelo site era que fiscalização de
velocidade, agora, só havia onde realmente fosse necessário: uma
autoridade alegava que "de nada resolve punir quem ultrapassa
ligeiramente o limite, se os atos que realmente colocam vidas em
risco seguirem impunes". E citava o exemplo da Alemanha, com suas
auto-estradas sem limite de velocidade e um tráfego dos mais seguros
do mundo.
O estudo atribuía parte dos bons resultados à notável melhoria de
padrão das ruas e estradas brasileiras, que não deixavam saudades
dos tempos de buracos, remendos, curvas mal-projetadas, vias de mão
dupla saturadas. Engenheiros europeus — anunciava a matéria — haviam
nos visitado para aprender os mais modernos processos de construção
e manutenção de vias. Eram mesmo outros tempos.
Os carros
Passei aos sites especializados e vi outras boas novas. Um deles
anunciava lançamentos nacionais confirmados para breve: Chevrolet
Insignia (sucessor do Vectra, desta vez igual ao alemão até nos
motores), o Golf de sexta geração (em lançamento simultâneo à
matriz em Wolfsburg), um Peugeot 207 de verdade, o novo Fiesta —
"com acabamento superior ao europeu", garantia a Ford. Graças à
redução de impostos e ao crescimento do mercado, todos os
fabricantes viam no Brasil a oportunidade para fabricar e vender
automóveis de ponta.
Os velhos modelos, herdados de décadas passadas, já não despertavam
interesse no consumidor. Da mesma forma, carros nas cores prata e
preta vinham encalhando nas concessionárias. Um vendedor explicava:
"Ninguém mais pensa em pequenas perdas na hora de revender. O
brasileiro agora quer um carro que lhe dê satisfação de ver e
dirigir. Os clientes andam exigentes em termos de equipamentos,
variedade de cores externas e internas, motorização. Ontem mesmo
perdi três vendas porque só tínhamos carros com revestimento preto e
de quatro portas."
Outra matéria comentava o fim da "empurroterapia" nas oficinas e
concessionárias. Com o consumidor bem-informado pela imprensa, já
era raro quem aceitasse uma limpeza de bicos ou uma descarbonização
desnecessária. Até mesmo porque, com a intensa fiscalização dos
postos e punição severa aos infratores, combustível adulterado havia
se tornado assunto do passado no Brasil — a última denúncia havia
sido feita seis meses atrás.
Senti-me realmente feliz naquela manhã, diante de tantas boas
notícias e medidas acertadas em nosso Brasil. Mas o despertador
tocou e percebi que ainda não estava acordado quando tudo aquilo
passou diante de meus olhos.
Era um sonho, mas... por que não poderia ser realidade? |