Sucessão de boas notícias

Num belo dia havia mais e melhores carros, menos impostos
e acidentes, e o cenário brasileiro era bem diferente

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorComo faço todas as manhãs, há alguns dias sentei-me diante do computador e abri alguns sites para me inteirar das novidades, tanto no setor automotivo quanto nos demais. O que tive foi uma sucessão de surpresas.

Na home-page do UOL, a notícia: com a redução substancial de impostos anunciada há dois meses pelo governo, que deixou os carros bem mais baratos, registrara-se fabuloso aumento na produção e nas vendas. A expectativa ficava em torno de cinco milhões de unidades no ano que vem. E, garantia o Ministro da Fazenda, a previsão era de aumento substancial da arrecadação de tributos por meio do crescimento da economia. "Mais consumidores pagando menos e o governo arrecadando mais", ele explicava.

Fui checar as tabelas de preços e percebi que estavam, em média, 50% menores do que há algum tempo. Um Mille saía por pouco mais de R$ 10 mil; um sedã médio bem-equipado, R$ 30 mil. E, como não havia mais distinção tributária entre modelos com motor de 1,0 litro e os de maior cilindrada, os índices apontavam forte crescimento de participação dos carros médios — para alívio dos brasileiros que sempre desejaram mais espaço e desempenho, mas até então não podiam pagar.

Fiquei me perguntando como tal explosão de vendas se refletiria no trânsito das grandes cidades. Mas um boxe da matéria esclarecia a dúvida. Com a implantação de numerosas obras viárias, a inauguração do rodoanel, medidas para maior fluidez do tráfego — como eliminação de lombadas, redução de valetas e adoção da onda verde nos semáforos — e substancial expansão do sistema de metrô, a cidade de São Paulo vinha apresentando índices de congestionamento cada vez menores. Havia espaço, garantiam autoridades do setor, para se ampliar a frota da capital paulista em 50% antes que voltássemos à situação registrada dois anos atrás.

Continuei a leitura do noticiário e tive novas surpresas. A Agência Nacional de Petróleo (ANP) anunciava a padronização de nossa gasolina às do resto do mundo. Álcool, agora, apenas a 10%. Nossos carros passariam a consumir menos e não seria mais preciso recalibrar motores para o mercado nacional, tanto de carros importados quanto dos que vêm ser produzidos aqui. Brasileiros agora poderiam viajar a países vizinhos com motores ajustados à gasolina encontrada neles. O antigo padrão ao redor de 22% seria oferecido apenas como alternativa a veículos antigos.

E mais: era afinal liberada a venda de automóveis a diesel no Brasil, país que assim deixava de ser uma exceção, uma ilha cercada de carros movidos a tal combustível por todos os lados. "A curto prazo, isso nos libertará da problemática importação de gás natural de países vizinhos", anunciava o presidente da República, "pois o que produzimos atende com sobra ao uso industrial".

Acidentes
Em outra notícia, um estudo recém-divulgado apontava expressiva redução dos índices de acidentes no Brasil, reflexo das medidas adotadas nos últimos anos: melhor treinamento para quem pleiteava habilitação, fiscalização rigorosa de todo tipo de infração, patrulhamento constante nas rodovias. Dirigir embriagado havia se tornado quase impossível, tal o rigor da lei, apesar de ter sido revogada a norma de "álcool zero" no sangue e retomado o limite anterior, como nos países de vanguarda. As autoridades haviam aprendido o caminho para a segurança: combater a impunidade, não endurecer a lei no papel.

O maior declínio de vítimas, note-se, fora entre os motociclistas. De fato, percebia-se nas ruas nos últimos tempos a disciplina e a civilidade com que eles conduziam, sem que isso representasse atraso nas entregas dos mensageiros. Outro dado expressivo do estudo: acidentes com caminhões e ônibus caíram mais de 70%, também pela fiscalização rigorosa de infrações, do consumo de álcool e do excesso de carga.

Uma das medidas destacadas pelo site era que fiscalização de velocidade, agora, só havia onde realmente fosse necessário: uma autoridade alegava que "de nada resolve punir quem ultrapassa ligeiramente o limite, se os atos que realmente colocam vidas em risco seguirem impunes". E citava o exemplo da Alemanha, com suas auto-estradas sem limite de velocidade e um tráfego dos mais seguros do mundo.

O estudo atribuía parte dos bons resultados à notável melhoria de padrão das ruas e estradas brasileiras, que não deixavam saudades dos tempos de buracos, remendos, curvas mal-projetadas, vias de mão dupla saturadas. Engenheiros europeus — anunciava a matéria — haviam nos visitado para aprender os mais modernos processos de construção e manutenção de vias. Eram mesmo outros tempos.

Os carros
Passei aos sites especializados e vi outras boas novas. Um deles anunciava lançamentos nacionais confirmados para breve: Chevrolet Insignia (sucessor do Vectra, desta vez igual ao alemão até nos motores), o Golf de sexta geração (em lançamento simultâneo à matriz em Wolfsburg), um Peugeot 207 de verdade, o novo Fiesta — "com acabamento superior ao europeu", garantia a Ford. Graças à redução de impostos e ao crescimento do mercado, todos os fabricantes viam no Brasil a oportunidade para fabricar e vender automóveis de ponta.

Os velhos modelos, herdados de décadas passadas, já não despertavam interesse no consumidor. Da mesma forma, carros nas cores prata e preta vinham encalhando nas concessionárias. Um vendedor explicava: "Ninguém mais pensa em pequenas perdas na hora de revender. O brasileiro agora quer um carro que lhe dê satisfação de ver e dirigir. Os clientes andam exigentes em termos de equipamentos, variedade de cores externas e internas, motorização. Ontem mesmo perdi três vendas porque só tínhamos carros com revestimento preto e de quatro portas."

Outra matéria comentava o fim da "empurroterapia" nas oficinas e concessionárias. Com o consumidor bem-informado pela imprensa, já era raro quem aceitasse uma limpeza de bicos ou uma descarbonização desnecessária. Até mesmo porque, com a intensa fiscalização dos postos e punição severa aos infratores, combustível adulterado havia se tornado assunto do passado no Brasil — a última denúncia havia sido feita seis meses atrás.

Senti-me realmente feliz naquela manhã, diante de tantas boas notícias e medidas acertadas em nosso Brasil. Mas o despertador tocou e percebi que ainda não estava acordado quando tudo aquilo passou diante de meus olhos.

Era um sonho, mas... por que não poderia ser realidade?

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Data de publicação: 14/6/08

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