"Christian Streiff,
Presidente Mundial da PSA Peugeot Citroën, e Jean Philippe Collin,
Presidente Mundial da marca Peugeot, deram início oficialmente à
produção do primeiro veículo da marca Peugeot totalmente
desenvolvido no Brasil: o Peugeot 207 Brasil." Assim começava a
informação à imprensa divulgada pela marca francesa no último dia
20, por ocasião da apresentação do "207
Brasil" aos jornalistas.
O consumidor brasileiro já deve estar acostumado a ser tratado como
cidadão de segunda — talvez terceira — classe, mas, convenhamos, a
situação às vezes supera os limites do razoável.
Como já abordei neste espaço, a maioria dos fabricantes mantém hoje
modelos defasados, substituídos há anos nos países de vanguarda — a
lista é conhecida e não precisa ser repetida. É o método Botox: uma
plástica na frente, às vezes na traseira, talvez um novo painel (que
pode ser pior que o anterior em nome da redução de custos, como se
viu no Gol 2006). Aplica-se um pomposo título de "nova geração" —
que a imprensa menos especializada absorve sem contestar —,
chamam-se atores famosos para a publicidade ou busca-se um mote que
cause impacto, mesmo sem qualquer ligação ao que o automóvel de fato
oferece. Depois é só preparar um evento para os jornalistas com
grandeza inversamente proporcional à extensão do trabalho feito no
carro. Pronto: uma simples plástica parece agora um lançamento de
renome internacional.
Há fábricas que anunciam com orgulho produzir modelos "específicos
para as condições nacionais", o que em vários casos pode ser
entendido como "abaixo dos padrões mínimos de tecnologia e segurança
dos mercados desenvolvidos". E, quando lançam carros realmente
novos, costumam fazê-lo com anos de atraso — quatro nos casos do
Renault Mégane e do Astra hatch, que aqui foi chamado de Vectra GT.
Destas regras só têm escapado, em termos de produção nacional, as
japonesas Honda e Toyota. O resto cai, ao menos em parte da linha,
na vala comum.
Nada disso é novidade para o consumidor bem-informado, mas a Peugeot
foi mais longe. Começa pela constatação de que ficaremos sem o
verdadeiro 207, um carro
inteiramente novo, mais espaçoso e seguro — e tão viável para ser
feito aqui quanto o Punto ou o novo Fit que chega este ano. Um 207
que, aliás, já começa a ser vendido na Argentina nas versões
esportiva e conversível. |
Mas
nisso a Peugeot apenas se nivelou a algumas concorrentes. Mais grave
foi dar o nome (número, no caso) do carro novo ao velho, que foi
lançado no País há nove anos e na Europa há 10. Chega a parecer
zombaria, tanto quanto a General Motors chamar de Vectra o que é
apenas o Astra (leia editorial). E a marca
francesa ainda adotou o sufixo Brasil, como se fosse um carimbo
aplicado a um contêiner onde se lesse "somente para o Terceiro
Mundo".
Há mais. O falso 207 ainda poderia ser apresentado como o que é —
uma reforma — em um evento corriqueiro, quando pudesse ser avaliado
pela imprensa. Mas não. Os jornalistas foram convidados à fábrica de
Porto Real, RJ, com o único fim do que se chamou de "lançamento
industrial do 207 Brasil". Isso mesmo: a inauguração do processo
produtivo de um automóvel que, na verdade, é feito ali há sete anos.
Evento, aliás, a que o Best Cars se recusou a ir. Para criar
pompa onde não poderia existir, os presidentes mundiais do grupo PSA
e da Peugeot vieram ao País apresentar o que chamam de "primeiro
projeto do grupo totalmente desenvolvido no Brasil"... Projeto?
Totalmente? Foi mesmo muito barulho por nada, à Shakespeare.
O material de imprensa descreve o pretenso 207 como "um carro que
afirma toda a aposta do grupo no desenvolvimento da marca Peugeot no
Brasil". É triste perceber que tão pouco — uma plástica e uma
denominação enganosa — represente "toda a aposta" da empresa no
mercado nacional. E continua: "Equipes locais criaram e produzem no
país um carro pensado para atender ao gosto apurado dos nossos
motoristas, seguindo atributos fundamentais no Brasil, como estilo,
robustez e qualidade." Se não há como supor que o verdadeiro 207
seja inferior ao "207 Brasil" em qualquer desses quesitos,
pergunto-me o que seria o tal "gosto apurado". Seria o gostinho de
ficar para trás?
Com licença do leitor Marcio Luiz Mentzingen Prazeres, do Rio de
Janeiro, RJ, que escreveu esta semana ao Espaço do Leitor, eu
acrescentaria algo à famosa frase atribuída na década de 1960 ao
General Charles De Gaulle. Se "o Brasil não é um país sério",
algumas empresas francesas que atuam no Brasil são ainda menos
sérias. |
P.S.: A versão de três volumes, chamada de
207 Passion, teve as fotos
divulgadas pela Peugeot semanas depois do hatch e da SW. E não deixa
dúvidas: o trabalho estético apenas repete o das outras versões, sem
alterar as linhas da traseira do 206 Sedan produzido no Irã pela
Khodro há anos. "Projeto totalmente brasileiro"? Façam-me o favor... |