Quando eu era garoto
havia na TV o anúncio de um produto contra caspa, o Denorex, que
apregoava que "parece, mas não é" — ou seja, não era
um remédio e sim um xampu, segundo o fabricante. Não sei se o produto ainda existe, mas o mote ficou na cabeça de muita
gente e, ainda hoje, me vem à mente quando analiso alguns
automóveis.
Esta semana, com agilidade incomum em se tratando de empréstimo de
carros a sites — atitude que merece elogios —, a Volkswagen nos
passou o Gol de terceira geração,
que incluiremos em comparativo a ser publicado em breve. Apesar de
conhecer bem a origem do carro, com plataforma comum ao Polo e ao
Fox, e de confiar no julgamento de nosso colunista Gino Brasil, que
o dirigiu no evento de apresentação, eu esperava menos do Gol do que
encontrei.
Evoluções como a da posição de dirigir já estavam na expectativa,
mas outras me surpreenderam. O carro ganhou refinamento, como se
pode definir a qualidade de ser suave, agradável em vários aspectos
— comando de pedais e câmbio, absorção de impactos pela suspensão,
nível de ruído. Pode até parecer mais um Gol como os que vimos
nestes 28 anos, mas não é: tornou-se outro carro, quase um Polo, só
que simples no acabamento. Se tem pontos corrigíveis, como veremos
na avaliação, o fato é que vai pegar muita gente de surpresa por
seus atributos.
Nestes quase 11 anos de Best Cars, conheci outros modelos que
superaram minhas expectativas. Alguns logo no começo do site, como o
Focus: a Ford havia atingido alto grau de refinamento, em um carro
muito agradável de dirigir e que justificava a antiga fama de
acabamento esmerado da marca. O Clio também agradou logo de início
pelo acerto de suspensão e conforto de marcha, atributos que
faltavam ao concorrente 206. Como sempre gostei mais do desenho do
Peugeot, cheguei a dizer que o ideal seria aplicar a carroceria e o
interior do 206 à plataforma e suspensão do Clio... Quando surgiu o
Citroën C3, foi interessante notar a evolução em refinamento na
comparação com o "primo" 206, ambos do mesmo grupo e feitos na mesma
fábrica.
Outro carro que surpreendia pelo conforto ao dirigir, apesar de se
tratar de modelo de entrada, era o Fiesta lançado em 1996 e que
sobreviveu até há pouco na versão Street. Antes que a "depenação"
lhe tirasse revestimento fonoabsorvente, agradava muito pelo nível
de ruído e vibrações e a maciez da suspensão e dos comandos — até da
alavanca de freio de estacionamento. Nos primeiros anos o acabamento
também era muito bom, razão para decepção geral quando surgiu em
2002 seu sucessor, o feito em Camaçari, BA.
Boas surpresas também foram as direções com assistência elétrica de
C3, Stilo, do atual Mégane e agora do Corolla, leves ao extremo em
baixa velocidade sem prejuízo da segurança em alta. Ou as respostas
ágeis desde baixa rotação do motor turbo de 1,0 litro que equipou
Gol e Parati, mas infelizmente não por muito tempo. Ou o bom
comportamento dinâmico da Palio Adventure, inesperado pela altura de
rodagem e os pneus de uso misto em medida conservadora, 175/80-14.
Ou, ainda, a qualidade de absorção de impactos do Mégane, tão boa
que ele parece usar pneus de perfil bem mais alto.
As decepções
Claro, o oposto também acontece — carros que criam boas expectativas
não confirmadas. A geração anterior do Civic, lançada em 2000, era
exemplo típico: nunca me convenceu com seu motor áspero em alta
rotação, a suspensão traseira dura (melhorou em 2003, mas não tanto
quanto deveria) e o câmbio manual muito curto. Só mesmo a famosa
qualidade dos japoneses para justificar que tenha sido líder do
segmento por algum tempo.
Outra decepção foi com o Celta pela excessiva redução de custos
percebida no acabamento, posição de dirigir, nível de ruído e
conforto de marcha. Era uma involução perante o Corsa, do qual ele
se originou, mas a vantagem em preço era pequena, algo como R$ 1.000
à época do lançamento em 2000. Pelos mesmos motivos, não houve como
apreciar seis anos mais tarde sua versão sedã Prisma, em que pese o
bom motor de 1,4 litro. Preocupa ouvir dizer que a GMB desenvolve
seu novo carro pequeno — que alguns têm chamado de Viva — com base
na plataforma desses modelos e não na do Corsa atual, muito
superior.
Mais tarde veio o Fit. Espaçoso, funcional, confiável? Sim, mas com
os amortecedores mais duros de que se tem notícia em carro nacional,
fator de desconforto em qualquer piso que não seja perfeito. Para se
ter uma idéia, há um trecho ondulado na rodovia SP-070 Carvalho
Pinto no qual, ao passar com os carros de teste trazidos de São
Paulo, fico atento a como as ondulações são absorvidas pela
suspensão ou transmitidas ao interior. O Fit é minha referência de
má calibração ali, ou seja, o pior carro que já dirigi no local. Se
serve de compensação, ele realmente vale o que custa em fatores como
nível de ruído e suavidade dos comandos, com destaque para o
excelente câmbio manual.
E a Honda se redimiria com o novo Civic de 2006, em que os três
pontos criticados no anterior foram sanados, tornando-o uma das boas
surpresas que já tive ao volante. É verdade que a calibração firme
da suspensão divide opiniões, mas ela contribui para um
comportamento dinâmico irrepreensível. Da versão Si, nem se fala. É
daqueles carros que, ao terminar um percurso sinuoso, dão vontade de
fazer retorno e repetir o trajeto.
Pouco antes do Civic houve o novo Vectra. Tinha seus atributos, mas
o conforto de rodagem, o peso dos diversos comandos e o acabamento
eram inaceitáveis na faixa de preço da versão Elite ou, no caso do
hatch, da GT-X. A cada evolução da concorrência, mais evidente fica
o erro da GMB em ter substituído o brilhante Vectra de segunda
geração por um carro inferior sob vários quesitos.
De um ano para cá, outras boas e más surpresas. Boa com o Logan, que
por seu desenho despretensioso e algo superado não prometia muito,
mas entregou bastante: ótimo acerto de suspensão, posição
confortável ao motorista e, nas versões de 1,6 litro, motores bem
dispostos que lhe caem muito bem. E má com o novo Ka: em nome da
redução de custos (como ao retirar o estabilizador da suspensão), a
Ford o deixou um tanto duro, enquanto o nível de ruído permanece
alto e parte das sensações esportivas do modelo anterior se
perderam. Como bem disse um amigo, o jornalista José Resende Mahar,
o novo é um dos melhores na classe, mas o antigo era especial,
único. Deixou saudades.
O leitor deve ter notado a ausência de vários modelos relevantes
neste artigo. São duas razões: uma, que muitos deles apenas cumprem
bem o que fazem esperar, sem surpresas para mais ou para menos; e
outra, que nosso espaço acabou. Mas certamente não faltará
oportunidade para voltarmos ao tema. |