Agradar ao peixe

Apesar do mercado aquecido, fábricas eliminam opções
e vinculam equipamentos de modo inconveniente

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editorAlguns dias depois de publicado nosso comparativo de sete hatches médios, duas notícias vieram tornar desatualizadas parte das informações constantes na matéria: Volkswagen e Peugeot introduziram motores flexíveis de 2,0 litros para o Golf e o 307, nesta ordem. Seria apenas um processo natural para atender aos anseios do mercado, não fosse um detalhe: a marca francesa retirou do mercado o 307 de 2,0 litros com caixa manual, como o que avaliamos. Resta agora só a versão com caixa automática.

Em tempos de mercado tão aquecido, de sucessivos recordes de produção e vendas, é difícil entender por que algumas opções desaparecem dos catálogos. Afinal, quanto mais compradores, maior a viabilidade de mantê-las disponíveis. O mesmo comparativo mostrava o Stilo com o pacote opcional chamado NGI, que consiste em banco traseiro ajustável em distância e reclinação, mesa no encosto dianteiro e outros recursos de conveniência. Pois a Fiat, à mesma época de nossa publicação, eliminou essa opção de toda a linha Stilo, como nos chamou atenção o leitor Murilo Rodrigues, de São Paulo, SP.

No mesmo artigo avaliamos o Vectra GT-X, versão de topo do hatch médio da GM que não oferece teto solar. O agradável item esteve disponível em seu antecessor, o Astra, desde o lançamento em 1998 até a recente extinção da versão SS — e pode equipar o Vectra Elite sedã. Não fosse o bastante, há de se considerar que cinco dos seis concorrentes do GT-X no comparativo (a exceção é o C4 VTR) trazem teto solar, o que indica boa aceitação do equipamento. Como explicar que a GM tenha removido essa opção ao mudar de geração na categoria?

A questão não pára por aqui. O mesmo teto solar está ausente das versões de topo de Toyota Corolla, Honda Civic, Citroën C4 Pallas e Renault Mégane — até mesmo do esportivo Si da Honda. Na linha Corsa, o motor de 1,8 litro deixou de ser oferecido no sedã, que agora vem apenas com o 1,4, bem inferior em torque. A Fiat tomou medida semelhante na Palio Weekend: motor 1,8, hoje, só no pacote Adventure Locker. Quem preferir a perua convencional, sem adereços fora-de-estrada, tem de ficar com um motor bem mais fraco.

Há também casos de restrição de equipamentos, como os freios antitravamento (ABS) no Focus, que só vêm na versão de topo Ghia, enquanto a maior parte dos concorrentes traz o item de segurança em opções mais acessíveis ou até no acabamento básico. Ou os comandos de troca de marcha no volante ("borboletas") para o câmbio automatizado do Stilo, que são parte de um pacote que inclui ABS e bolsas infláveis. O valor adicional dos comandos acaba por ser multiplicado por quatro, já que não se pode tê-los sem os opcionais vinculados.

Extinção completa
E quanto a interessantes opções que deixaram de existir em todo o mercado? A cada congestionamento que pego ao volante de um carro com câmbio manual, lembro-me da conveniente embreagem automática oferecida anos atrás por Palio, Corsa e Mercedes-Benz Classe A. Trocava-se de marcha normalmente, o que não incomoda tanto no tráfego lento, mas não havia o pedal de embreagem que tanto cansa nesse tipo de uso. E seu custo era bastante razoável: a Fiat cobrava R$ 750 pelo opcional em 2000, o que hoje seria cerca de R$ 1.600. É um terço do que se pede por um câmbio automático, que ainda traz perdas em desempenho e economia.

Outro bom recurso que desapareceu foi a correção de altura da suspensão. A cada temporada de férias, vemos pelas estradas carros de diferentes tipos rodando com a traseira baixa pelo peso da carga, o que prejudica a estabilidade e pode levar a danos em obstáculos. Em 1989 a GM lançou no Kadett um sistema simples e eficiente de ajuste de altura da traseira, em que bolsas de ar acopladas aos amortecedores, quando enchidas com um compressor de posto, atuavam como molas adicionais e nivelavam o veículo. Na excelente perua Omega Suprema, de 1993, o sistema foi tornado automático por meio de compressor integrado ao carro, sem intervenção do motorista. Por que isso não existe mais?

Na década de 1990, dizia-se que o advento dos computadores poderia revolucionar o sistema de vendas de automóveis, pois os catálogos se tornariam virtuais. O cliente configuraria o carro conforme seu interesse, escolhendo entre uma infinidade de versões, cores e opcionais, e o automóvel seria fabricado de acordo com o pedido. O que saiu errado para que o mais interessante desta história não tenha acontecido?

Na verdade, andamos na contramão. Se nos anos 70 e 80 podíamos selecionar a cor do acabamento interno e havia fartas opções de tons para a carroceria, hoje os fabricantes definem uma só cor para o interior — em quase todos os casos, cinza escuro ou preto — e as concessionárias põem em estoque apenas três ou quatro cores por modelo, em geral entre prata, cinza e preto. Quer algo fora deste padrão? Prepare-se para longa espera e para ser desestimulado pelo vendedor, com argumentos como "o preço vai subir" e "não estão mais produzindo essa opção".

Com o mercado mais e mais competitivo, está aí um importante aspecto a ser repensado pelos fabricantes. Questão de a isca agradar ao peixe — o cliente — e não ao pescador.

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Data de publicação: 28/6/08

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