Bolsa inflável obrigatória: contra ou a favor? A polêmica tomou
conta das conversas sobre automóveis desde que a Câmara dos
Deputados aprovou no último dia 18 o Projeto de Lei 1.825/07, de
autoria do Senado e que aguarda apenas sanção presidencial. O
projeto obriga que todo carro zero-quilômetro vendido no Brasil
tenha bolsas infláveis frontais para motorista e passageiro, com
implantação gradual em um prazo total de cinco anos (modelos já em
produção hoje teriam prazo maior que os ainda a ser lançados).
Não há o que discutir quanto à eficácia desses equipamentos na
proteção dos ocupantes em impactos frontais. Para dar uma percepção
da diferença que eles trazem, na Comunidade Européia as bolsas não
são obrigatórias, mas equipam todos os carros porque sem elas
é impossível atender aos atuais limites de ferimentos aos ocupantes,
verificados pelo instituto EuroNCap em testes de impacto com bonecos
apropriados, os dummies. Já os Estados Unidos optaram por exigir os
dispositivos desde 1998, em parte para compensar o fato de que o uso
do cinto não era obrigatório em vários estados.
O que se discute é se a aplicação das bolsas deve partir de uma
determinação legal. De um lado, os consumidores esperam uma redução
de custo para o equipamento graças à economia de escala. Hoje as
bolsas frontais são oferecidas em média a R$ 2 mil, mas não estão
disponíveis nem mesmo como opcional em vários modelos de menor
preço. Mesmo entre os que oferecem a opção, a baixa demanda pode
significar grande dificuldade de conseguir o carro com elas, pois
representam parcela pequena da produção — e as concessionárias, como
é compreensível, mantêm em estoque as configurações que vendem mais.
Do lado
oposto estão entidades que rejeitam a ideia pelo custo adicional que
ela trará — e não poderia ser diferente, já que fabricante não é
casa de caridade e vai repassar o aumento ao consumidor. Para o
presidente da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de
Veículos Automotores), Sergio Reze, esse efeito "vai diminuir o
número de pessoas que podem comprar um carro". Segundo a
InfoMoney, ele teria dito que "colocar um airbag em um carro de
entrada pode representar 40% do seu valor". Poderia explicar como um
modelo de R$ 25 mil, ao ganhar um item hoje vendido a R$ 2 mil,
passaria a R$ 35 mil.
Alguns podem argumentar que antigos projetos ainda no mercado
—maquiados ou não por novas carrocerias — implicariam maiores
dificuldade e custo para adoção das bolsas infláveis. Engano:
todos os automóveis à venda no Brasil estão aptos a recebê-las
pois já as ofereceram no passado, seja no mercado interno (casos de
Gol antigo, Ka, Classic e Celta/Prisma, estes com a mesma plataforma
do Classic) ou para exportação (o Mille nunca teve o opcional, mas a
Fiat exportou o furgão Fiorino para a Europa assim equipado).
Em meio a tudo isso, a habitual desinformação que assola parte da
imprensa. O Jornal Hoje da TV Globo exibiu dois vídeos de
testes de colisão, um com a bolsa e outro sem. Mas no segundo a
motorista não usava cinto de segurança e, como se esperava, foi
lançada com violência contra o volante. Em outro telejornal da
emissora, o Bom Dia Brasil, um entrevistado contava ter se
ferido em acidente com capotagem, pois cacos do parabrisa atingiram
seus braços, e acreditava que a bolsa evitaria os ferimentos. Um
equívoco sobre o funcionamento do dispositivo, que se infla e se
desinfla em menos de um segundo e nem é disparado se não houver
impacto severo pela frente. |
|
Só parte do problema
E o que pensa este editor a respeito do projeto? Embora não pelo
caminho ideal, estamos no rumo certo ao exigir as bolsas infláveis.
Esse caminho seria o seguido pelos europeus: testes de impacto
severos, que incluam análise de colisões laterais e efeitos aos
passageiros que viajam atrás. As bolsas em si não encerram o
assunto, pois a proteção dos ocupantes em acidentes envolve muitos
outros aspectos, com destaque ao projeto das zonas de deformação da
estrutura, campo em que se evoluiu muito nos últimos anos. Ou alguém
imagina que o ocupante de um Mille e o de um Punto, ambos com as
bolsas, estariam protegidos da mesma maneira?
O avanço em segurança, a meu ver, deveria partir de parâmetros de
proteção e não da simples exigência de um dispositivo. Uma analogia
pode ser feita com os sistemas de controle de emissões poluentes. Em
1992, novos limites do Proconve (Programa de Controle de Poluição do
Ar por Veículos Automotores) exigiram que os fabricantes melhorassem
seus motores. Alguns partiram para injeção eletrônica, muitos para o
catalisador e houve os que adotaram ambos (caso do Gol GTi). Só cinco anos mais tarde, com limites mais severos,
é que todo carro vendido no Brasil teve de associar injeção e
catalisador.
Apesar destas considerações, sou a favor da medida por ser um meio
mais simples de chegar ao objetivo final, que é a proteção em
acidentes. Por essa simplicidade é que considero o prazo de cinco
anos longo demais, diante da fácil aplicação aos carros nacionais.
No entanto, chama atenção que tem havido preocupação apenas com uma
parte do problema, pois as coisas andam complicadas por aqui quando
se trata de segurança passiva, a proteção dos ocupantes em acidente.
Mille, Palio Fire e Gol antigo não vêm de série com os simples
encostos de cabeça traseiros. A obrigatoriedade desses itens, parte
do Código de Trânsito Brasileiro de 1998, foi inicialmente lançada
com absurdo exagero, que exigia sua instalação até em carros usados,
e depois afrouxada em demasia. Criou-se a brecha legal de que apenas
"novos projetos" precisam ter os apoios e, como esses carros são
desenhos mais antigos (apesar das reformas parciais de estilo desde
então), ficam de fora da regra.
Há mais. Mille, Palio Fire, os Gols antigo e novo, Ka e a versão de
1,0 litro do Fiesta trazem cintos traseiros de três pontos (nas
posições externas) do tipo fixo, não retrátil. Se em teoria esse
modelo mais barato oferece a mesma proteção do outro, na prática
dificulta o ajuste adequado ao corpo do passageiro e desestimula
fortemente seu uso, pois o cinto requer regulagem a cada ocupante
com biótipo diferente do anterior. Se o ajuste não for feito ou for
incorreto, o cinto pode constituir risco em vez de proteção. A GM
escapa desta crítica nos últimos anos-modelo do Celta, que voltaram
a ter cintos retráteis, mas é a única a usar nesse modelo e no
Prisma perigosos encostos de cabeça dianteiros fixos. Ao não
permitir ajuste em altura, podem não oferecer apoio adequado em caso
de colisão quando a cabeça se volta com força contra o encosto (como
se sabe, o principal ponto de apoio deve estar à altura dos olhos).
E nada justifica a economia que deixa o passageiro central do banco
traseiro sem cinto de três pontos, como em grande parte dos carros
nacionais e em quase todos abaixo de R$ 50 mil. Sua aplicação é
possível mesmo em peruas e hatches, em que falta a estrutura rígida
atrás do banco traseiro presente nos sedãs.
Outro ponto que merece atenção é o encaixe apropriado de cadeiras
infantis: na maioria dos automóveis é preciso recorrer a
contorcionismos com o cinto, que não prendem de forma ideal e tornam
a instalação mais trabalhosa, desestimulando o uso da cadeira
(sobretudo quando uma só precisa ser usada alternadamente em mais de
um carro). Pior ainda se for preciso levar dois adultos nas posições
externas do banco e a criança na cadeira no centro, já que o cinto
subabdominal mais usado em tal posição não se presta a esse fim. A
solução para tudo isso está nos suportes de padrão
Isofix, só encontrados em alguns
modelos nacionais mais caros.
Se a maioria dos consumidores não exige esses itens — pelo menos não
a ponto de escolher outro modelo pela falta deles —, caberia
intervenção da lei para que fossem obrigatórios. Não é aceitável que
a pressão pelo menor custo leve a indústria a insistir em vários
problemas de segurança, mais simples e baratos de resolver que a
falta de bolsas infláveis, e que a legislação seja cega para essa
questão.
Que venham as bolsas, mas há muito mais o que fazer quando o
objetivo é salvar vidas. |
Chama atenção que tem havido preocupação apenas com uma parte do
problema, pois as coisas andam complicadas por aqui quando se trata
de segurança passiva, a proteção dos ocupantes em acidente |