Semanas atrás, conversando com um amigo sobre minha intenção de
trocar o carro que comprei há três anos (o que acabei fazendo pouco
depois, por outro usado, quatro anos mais novo), ouvi-o lamentar-se
da desvalorização pela qual haviam passado nos últimos meses seus
dois automóveis, comprados novos há dois anos ou pouco mais. Nada de
novo por aqui, já que todo carro passou por acentuada perda de valor
de mercado desde o início dos efeitos da crise mundial, por volta de
setembro do ano passado.
O que me chamou atenção foi o argumento de meu amigo de que, com tal
depreciação, o "pulo" necessário para pegar um zero-quilômetro
estava ainda maior e, por isso, ele vinha pensando em antecipar a
troca de um dos veículos — ambos estão ainda muito bons e com pouco
uso — para evitar que a distância continuasse a aumentar, o que, em
seu entender, acabaria por tornar difícil a troca pelo novo mais
adiante. Foi quando me veio à mente um dos artigos publicados há
mais tempo no Best Cars, logo em 1997, sobre a viabilidade
econômica — ou a falta dela — da troca anual de carro, que muitos
defendem tanto pela conveniência quanto pelo aspecto econômico, já
que em seu primeiro ano de uso um automóvel está em garantia,
costuma ter menor custo de manutenção e, ao menos em tese, não dá
tantos problemas quanto um mais usado.
Embora tenha faltado tempo de explicar com mais detalhes a questão
àquele amigo, achei que seria um bom tema para abordar no Editorial
— que ele certamente lerá — no momento em que a indústria comemora o
melhor semestre de sua história, com quase 1,4 milhão de unidades
emplacadas de janeiro a junho, segundo a Fenabrave (Federação
Nacional da Distribuição de Veículos Automotores). Mas o que uma
coisa tem a ver com outra?
A relação dos fatos está na impressão de que o brasileiro em geral
troca de carro antes do que deveria sob o ponto de vista financeiro,
muitas vezes motivado por questões subjetivas como o desejo de ter
uma novidade do mercado, a vontade de se manter atualizado perante
os vizinhos ou a sensação de que terá, com a troca frequente, uma
vantagem econômica nos custos globais de ter e manter um automóvel.
Na verdade, como apontado no artigo de 1997, o que acontece é o
contrário: quanto mais tempo com um mesmo carro, menores as
despesas.
O primeiro e mais relevante ponto a considerar é a própria
desvalorização do veículo. Do zero-quilômetro para o carro de um
ano, a perda de valor de mercado gira em torno de 15%, sem
considerar a margem de depreciação inerente à venda para uma loja ou
concessionária, em geral de outros 15% a 20%. Portanto, o carro que
custou 25 mil reais vale em média 21 mil após 12 meses, mas pode ser
que você consiga apenas 17 ou 18 mil se quiser trocá-lo por um novo
dessa forma conveniente, sem ter trabalho ou correr riscos com a
venda a particular (no momento atual a perda talvez seja ainda
maior, pois as lojas estão de pátios lotados, mas prefiro analisar
de forma genérica). Isso dá uma média, a meu ver espantosa, de 30%
de desvalorização real em um ano. |
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Ritmo de queda diminui
Do segundo ano em diante a perda de valor é bem mais lenta, o
que é compreensível, pois um carro mais barato alcança uma parcela
maior de consumidores em potencial. Tomando por base a cotação do
Jornal do Carro para um modelo de boa procura e sem grandes
alterações nos últimos anos — o Palio Fire de três portas —, há
desvalorização de 6% do modelo 2008 para o 2007, de 7% deste para o
2006 e 5% deste último para o 2005 (o usado 2009 ainda não aparece
na tabela). Tem-se no total do Palio 2008 para o 2005 apenas 17,5%
de perda. Assim, mesmo que o Palio comprado novo em 2005 fosse
vendido hoje a uma loja por valor 20% abaixo de sua cotação no
jornal, a perda total seria de 45% em relação ao preço do carro zero
— em quatro anos.
Que conclusão se pode tirar? Quem trocasse seu Palio anualmente por
um zero, entregando o usado na loja, perderia por ano algo
como 30% do valor do novo ou, em valores redondos, 7,5 mil reais.
Quatro trocas depois, o total de perdas acumuladas é de 30 mil
reais, mais que um Palio Fire novo, que hoje custa 24,5 mil reais
sem opcionais. Em contrapartida, quem ficasse quatro anos com o
mesmo carro até vendê-lo a uma loja teria uma perda de 45% do valor
do zero, algo como 11 mil reais, no total do período. A diferença de
11 para 30 mil, que é de 19 mil, dá uma visualização razoável do que
se ganha (ou se deixa de gastar) mantendo o carro usado por mais
tempo.
Mas — sempre tem um "mas" — a despesa com um carro de três ou quatro
anos é maior que com o de um ano ou menos, pode-se alegar. Só em
termos. É inegável que a mecânica se desgasta e surgem despesas,
algumas relativamente elevadas, como trocas de pneus, embreagem,
amortecedores. Só que estamos partindo de uma "economia" de 19 mil
reais, dinheiro que paga a manutenção até de um sofisticado carro
importado por vários anos. Alguns custos até diminuem com o tempo,
caso do IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores),
que considera o valor venal do carro e portanto decresce enquanto
ele se desvaloriza. O preço do seguro também tende a cair, embora
menos, por causa de custos fixos entre as coberturas contratadas.
Seria então o caso de todos andarmos em carros velhos, às vezes
muito rodados? Nem sempre. Há casos que justificam a troca mais
frequente pelo perfil de uso, como motoristas que usam o veículo
profissionalmente e rodam, por exemplo, 50 mil quilômetros ao ano.
Nessa condição os desgastes se aceleram e os custos de manutenção
crescem rápido, o que pode diminuir a vantagem de manter o carro por
três, quatro anos. Também não se podem desconsiderar os fatores
subjetivos já citados. Para muita gente, talvez a maioria, automóvel
é mais que um meio de transporte e carrega fatores emocionais — até
o famoso "cheiro de carro novo", por mais abalado que ele esteja
pelo excesso de plásticos baratos em muitos modelos de hoje...
Entretanto, se para o leitor ou a leitora a questão financeira tem
maior relevância que o gosto de mostrar o carro novo aos vizinhos, o
melhor a fazer é não cair na tentação e, antes de se decidir,
analisar se seu bom companheiro mecânico está mesmo no momento de
ceder seu lugar a um zero-quilômetro. É grande a chance de você
concluir que a hora ainda é de não comprar. |
Quem trocasse anualmente perderia por ano algo como 30% do valor do
novo. Quatro trocas depois, o total de perdas superaria o preço do
carro zero-quilômetro. |