O mercado dos emergentes

Depois dos superados e dos mundiais, o Brasil passa aos carros
de países subdesenvolvidos: será esse o melhor caminho?

por Fabrício Samahá

Cinquenta e três anos depois da DKW-Vemag Universal, parece que chegamos em definitivo à terceira fase da indústria brasileira de automóveis, a dos carros emergentes.

Para quem não viveu aquela época, um longo período — algo como os 20 primeiros anos — da produção nacional de automóveis foi baseado em velhos projetos trazidos do mundo desenvolvido. Modelos em produção havia anos (ou mesmo já substituídos) lá fora passavam a ser feitos aqui, muitas vezes usando os ferramentais que deixavam de ter uso no país de origem. Isso aconteceu mais no começo, em casos como o Aero-Willys de 1960, mas ainda valia 10 ou 12 anos mais tarde, quando nossos topos de linha como Dodge Dart, Ford Galaxie/LTD e Chevrolet Opala já estavam defasados em relação aos similares norte-americanos (nos dois primeiros) e alemão.

Então chegou a fase dos carros mundiais, aqueles fabricados ao mesmo tempo em diversos países para obter economia de escala. Desde a década de 1970, nossa indústria passou a produzir modelos semelhantes aos contemporâneos dos mercados mais exigentes — não com as mesmas características técnicas e de acabamento, mas ao menos em termos de projeto básico. De Chevette e Passat dos anos 70 a Stilo, Polo e C3 já nesta década (passando por Corsa, Astra, Monza, Vectra II, Escort, Fiesta, Uno, Punto, Idea, Tempra, Marea, Clio, Fit, Civic, Corolla e Golf, entre outros), vários carros do chamado Primeiro Mundo ganharam nacionalidade brasileira pouco depois de lançados no mercado original — ou até em simultâneo, caso do Chevette. Poucos mantêm essa tendência até hoje, como os das marcas japonesas citadas.

Como exceções que confirmam a regra, houve nesse período fabricantes que desenvolveram a maior parte de seus modelos aqui mesmo, como a Volkswagen com o Brasília e a linha Gol. Ou que mantiveram velhos carros em produção por décadas, casos de Chevette, Opala, Uno e, naturalmente, a Kombi. Também tivemos nacionalizações um tanto tardias de modelos europeus — o Kadett e o primeiro Vectra levaram cinco anos, o Omega seis, o Fiat Brava e o Renault Mégane quatro anos. E até se repetiu por uma vez o hábito um dia comum de trazer projetos abandonados lá fora: o Fiat Tipo, que se tornou nacional nada menos que oito anos depois de lançado na Itália e só após ser substituído pelo Brava.

Mesmo que atrasados e simplificados, tínhamos os mesmos carros à venda nos mercados de vanguarda. Mas essa tendência começou a mudar. A Fiat deu o pontapé inicial em 1996 com a família Palio, desenvolvida para países emergentes. Depois vieram desenhos nacionais com base em plataformas mundiais, como Celta e Prisma (derivados do Corsa de 1994) e Fox (baseado no Polo). E nos últimos anos começou a série de lançamentos de modelos feitos também em outros mercados menos desenvolvidos, casos de Linea (ainda que derivado do Punto), Logan, Sandero, Livina, Symbol e agora o Honda City. São estes os "carros emergentes".

Fabrício Samahá, editor

As diferenças
À primeira vista, a procedência é tudo o que diferencia um projeto "emergente" de um trazido do mundo desenvolvido — e que normalmente é simplificado na viagem. Na prática, as diferenças vão além. O projeto de um "emergente" costuma levar em conta fatores como má qualidade de piso e proprietários relapsos com manutenção, pelo que os fabricantes tendem a aplicar suspensões e motores de tecnologia menos evoluída, mas aptos a obter longa vida sob condições mais severas de uso.

Como se destinam a mercados menos exigentes em desempenho, conforto e segurança, é comum que eles usem motores menos potentes e não tenham previsão no projeto para tantos equipamentos de moderna geração. Em alguns casos são também carros mais simples em desenho externo e interno. Por outro lado, costumam oferecer amplo espaço interno e para bagagem e, por seu menor custo de fabricação, chegam ao mercado em faixa de preço muito competitiva diante dos "desenvolvidos".

Naturalmente, o conceito tem variações e nem toda a regra se aplica a todos os casos. Como exemplos, o City tem tecnologia similar à do "desenvolvido" do qual é derivado, o Fit, e está longe de ser barato; já o Linea não sobressai em espaço interno por se basear em um carro pequeno (Punto) que ganhou comprimento para competir entre os médios. Também há diferença clara entre um Logan — projetado do zero, com o objetivo de baixo custo e amplo espaço, e lançado em 2004 na Romênia — e um Symbol, que representa um novo desenho para o Clio europeu de 1998, com acomodações internas limitadas por ter mantido as dimensões estruturais deste modelo.

O comprador de um "emergente", portanto, tem benefícios e desvantagens. O importante é conhecê-las de antemão para não se queixar, por exemplo, de que seu novo carro perde em refinamento para o anterior, um "desenvolvido". Para o mercado, em uma visão geral, é importante contar com essa variedade de opções aptas a atender a diferentes perfis de público. Quem valoriza e pode pagar por modernidade de projeto, técnica refinada e a satisfação de obter um gosto de Primeiro Mundo pode ficar com os "desenvolvidos"; quem busca um projeto racional ao menor custo possível, com eventuais vantagens em robustez e durabilidade, tende a se interessar pelos "emergentes".

O que o mercado não pode aceitar, porém, é se ver diante de apenas dois tipos de carros em produção local: o "emergente" e o desatualizado. Há mais de 20 modelos fabricados no Brasil que acumulam 10 anos ou mais desde o lançamento (próprio ou do modelo de que se originou) no mercado mundial: Classic, "novo" Corsa, Astra, S10, Blazer, Xsara Picasso, Mille, linha Palio (quatro modelos), Courier, F-250, Pajero TR4, Pajero Sport, 206/207, Scénic, Gol antigo, Parati, Saveiro, Golf e Kombi — não incluo aqui, assim como no restante do texto, os que são feitos na Argentina. Alguns desses carros têm alternativas mais modernas dentro da mesma marca, mas a maioria não.

Devemos nos conformar com nossa condição de país subdesenvolvido e ter apenas os "emergentes" e os projetos superados? Acredito que não. Ao lado dessas opções, que cabe ao mercado decidir por quanto tempo devem permanecer em produção, precisamos retomar a trajetória de 10 ou 15 anos atrás e voltar a fabricar modelos modernos do Primeiro Mundo. Um mercado amplo e aquecido como o que temos certamente comporta essa mudança de rumo.

Para o mercado, é importante contar com essa variedade de opções aptas a atender a diferentes perfis de público. O que ele não pode aceitar, porém, é ter apenas dois tipos de carros: o "emergente" e o desatualizado.

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Data de publicação: 1/8/09

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