Que o mercado de automóveis gosta de novidades, ninguém tem dúvida.
Embora haja modelos há muito tempo sem mudanças que conservam sua
fiel clientela, é comum observar que as vendas de determinada linha
cresçam em resposta a modificações técnicas ou de aparência — já que
para muitos é uma satisfação circular por aí ao volante de um
lançamento, um carro que não só seja novo, como também o pareça.
O problema é quando o fabricante, na sede de atender a esse público,
passa da conta e prejudica o consumidor. Se uma modificação é logo
seguida por outra, mesmo que em aspecto diferente do carro, o ciente
que comprou a "novidade" descobre, pouco depois, que seu novo carro
já está superado e que a perda de valor do bem será mais rápida do
que ele esperava.
Aconteceu mais uma vez este mês com a adoção pelo Fiat Doblò do novo
motor de 1,8 litro e 16 válvulas fabricado em Campo Largo, PR pela
divisão FPT do fabricante, em substituição ao 1,8 de oito válvulas
comprado da ex-sócia General Motors. Trata-se de mudança esperada
para modelos da Fiat como o Punto (já apresentado) e a Idea (a ser
lançada em agosto), mas... não para o Doblò, ao menos nesse momento.
Como se sabe, o furgão de passageiros passou por uma reestilização
em novembro passado.
Agora, apenas oito meses mais tarde, o "novo" Doblò se torna
superado em termos de mecânica, passa a ser o "velho". Imagine a
sensação de quem comprou o furgão nesse período. O mais estranho é
que esse seria o último veículo da marca a precisar da troca, pois o
motor GM prestava-se bem a um utilitário sem pretensões esportivas —
ao contrário do Punto, que sempre mereceu um propulsor mais adequado
a seu perfil jovial.
Pode-se argumentar que, em se tratando da Fiat, o cliente deveria se
sentir avisado de antemão... É que o fabricante ítalo-mineiro já tem
por tradição esse tipo de defasagem entre alterações visuais e
mecânicas, como no caso do primeiro uso do motor Fire na linha Palio
(em versão de 1,25 litro e 16 válvulas), em março de 2000, seguido
após seis meses pela primeira reestilização dos modelos. Ou a adoção
do motor GM 1,8, três anos mais tarde, que precedeu nos mesmos seis
meses a segunda reestilização. Ou ainda o lançamento da versão 1,8
flexível em março de 2004, seis meses depois da citada reforma
visual.
Outra atitude já habitual na Fiat é o pequeno intervalo entre
alterações de estilo, como as muitas de frente e traseira pelas
quais a linha Palio já passou. O hatch lançado em 1996 mudou de ares
nos fins de 2000 e 2003 e no começo de 2007, além de ter recebido
novos faróis no início de 2009. Portanto, quatro mudanças relevantes
de aparência em pouco mais de oito anos. Como comparação, no mesmo
período Celta, Clio e o Gol antigo mudaram de frente só uma vez, o
Ka passou apenas pela ampla remodelação para 2008 e o Fiesta,
lançado em 2002, mudou duas vezes em oito anos de mercado.
A empresa de Betim, MG já declarou na imprensa que adota esse ritmo
acelerado para coincidir com o término do financiamento — em média —
dos compradores, ou seja, o objetivo é que eles se sintam motivados
a assumir novas prestações assim que se livrarem do carnê. Talvez
seja a mesma razão para que essa e outras marcas antecipem tanto a
estreia dos anos-modelo, tendo o Palio Fire 2010 sido apresentado na
primeira semana de 2009. A precocidade só não deve ter sido
ainda maior porque o ano de fabricação e o ano-modelo devem ser
iguais ou consecutivos no Brasil, ou seja, o modelo 2010 não poderia
ser fabricado ainda em 2008. Naturalmente, quem tiver comprado o
modelo 2009 nos últimos meses do ano anterior não ficou nada
satisfeito. |
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Não está sozinha
Que justiça seja feita: a Fiat é a que mais abusa desses
expedientes, mas não é a única a usá-los. Quem ainda se lembra do
fracassado Chevrolet Tracker — o Suzuki Grand Vitara com a
gravata-borboleta na grade — talvez recorde que em 2002, com apenas
um ano de mercado, o jipe trocou o modestíssimo motor a diesel de 87
cv por outro de 109 cv, deixando um "mico" nas mãos de quem tivesse
apostado seu dinheiro no modelo inicial. Pouco mais tarde, a mesma
General Motors aplicou o motor VHC ao Classic apenas seis meses
depois de apresentar como novidade essa versão do antigo Corsa sedã.
Não se passaram mais que três semanas entre o lançamento da Meriva
2004, ainda com motor a gasolina, e o da versão flexível em
combustível. E o Vectra hatch de 2007 sofreu alterações técnicas e
visuais depois de só um ano e meio.
No caso da Ford, em 1996 o Escort ganhou retoques de estilo para, em
seis meses, mudar outra vez junto da estreia do motor Zetec. No
Ranger houve alteração de estilo em 2004, complementada em questão
de seis meses pela chegada de novo motor a diesel. Quanto à
Volkswagen, quem comprou um Fox modelo 2010 — ainda com o desenho
antigo — não deve ter gostado nada, nada de vê-lo remodelado e com
melhorias internas no fim de 2009. Ou seja, o carro novo ficou velho
antes mesmo que chegasse o ano que constava como seu ano-modelo. Não
seria mais respeitoso ao consumidor estender a linha 2009 até o
momento da reestilização?
No passado, o fracasso do Gol inicial com motor de 1,3 litro levou
ao lançamento da versão 1,6 em um ano. Já o Passat GTS Pointer 1,8
introduzido em 1984 tornou-se superado em alguns meses por uma
reforma visual. Nesse mesmo ano, o Gol GT teve uma reduzida série de
quatro marchas — configuração inadequada ao motor 1,8 esportivo, que
pedia um escalonamento mais fechado
— até que a caixa de cinco estivesse disponível. E o Santana ainda
estava fresco no mercado quando, em 1985, passou pelas alterações
técnicas do motor AP.
Até as marcas há menos tempo no País têm agido assim. O motor
flexível do Honda Civic chegou poucos meses depois da atual geração
do modelo, em 2006 — talvez devesse ter demorado mais e atingido
melhor desenvolvimento, já que ficou menos potente e mais gastador
que a unidade monocombustível. No caso do Nissan Sentra, a versão a
gasolina e a álcool chegou em agosto de 2009 e, três meses mais
tarde, já vinha um retoque na frente do sedã importado do México.
Alterações que bem poderiam ter sido feitas juntas.
E por falar em importação, há os casos de mudanças rápidas de planos
que criam "micos" no mercado. A GM iniciou e cessou em um ano a
vinda do Astra, em 1995, e do Tigra, em 1998. O Vectra de 1993,
nacional mas com alto conteúdo importado, foi mero paliativo até que
a Opel tivesse pronta a segunda geração lançada aqui em 1996, após
somente dois anos e meio do anterior. O Fiesta espanhol também
chegou em 1995 já condenado, pois em pouco mais de um ano seria
lançada a versão brasileira com novo desenho. E em 2001 começava a
vir do México o antigo Fiesta em carroceria sedã, meses antes do
novo hatch feito em Camaçari, BA. Mesmo que o sedã da nova linha
tenha levado mais dois anos, o mexicano nasceu com os dias contados.
Na produção nacional também houve tapa-buracos sem chance de maior
permanência no mercado. O sedã Fiat Oggi nasceu velho em 1983, sete
anos depois do 147 que lhe deu origem, e só durou dois anos até que
aparecesse o Prêmio, derivado do Uno. Em 1996 o Tipo ganhou
nacionalidade brasileira, seguindo-se ao êxito da versão importada,
mas não resistiu à incompetência da Fiat em gerir a questão dos
incêndios no carro italiano e saiu de linha em menos de dois anos.
No caso do Brava, o hatch chegou ao Brasil em 1999, quatro longos
anos após o lançamento europeu
— em tempos de rápida
renovação da categoria —
e, sem sucesso, durou só até 2002.
Na Ford, o primeiro Verona de 1989 foi uma tardia derivação do
Escort remodelado em 1986 e não resistiu por mais de três anos.
Durou ainda menos sua versão para a Volkswagen, o Apollo, de 1990 a
1992. Os sucessores deste, o sedã Logus e o hatch Pointer, nasceram
em 1993 e 1994 (na ordem) como filhos de um casamento em crise — a
Autolatina, associação Ford-VW desfeita em 1995 — e saíram de
produção em 1997 depois de uma carreira tímida. Na GM, a tentativa
de fazer um utilitário de grande porte como o antigo Veraneio, mas
com a mecânica do picape Silverado, resultou em 1998 no Grand
Blazer, abandonado em dois anos. E se esse deixou saudades em pouca
gente, muitos ainda lamentam o fim da perua Omega Suprema, produzida
só de 1993 a 1996 e que nunca teve sucessora à altura na indústria
brasileira. |
A Fiat adota
esse ritmo para coincidir com o término do financiamento dos
compradores: o objetivo é que eles assumam novas prestações assim
que se livrarem do carnê. |