Uma das várias boas coisas de manter este espaço no Best Cars
é poder trazer ao debate, em um site de grande visitação, assuntos
que muitas vezes são discutidos em rodas de amigos, pequenos fóruns
na internet, blogs e afins. É o caso de um interessante tema
abordado na semana passada no blog AutoEntusiastas, mantido
por amigos meus como Paulo Keller, Bob Sharp e o autor do
comentário, Alexandre Cruvinel: por que não temos mais conversíveis
nacionais?
Por uma coincidência, quanto o relato foi publicado eu estava
justamente avaliando um conversível derivado de carro médio — o
Volkswagen Eos, um parente do Golf alemão que vem ao Brasil em
versão topo de linha, com Imposto de Importação de 35%, e custa
salgados R$ 160 mil.
Como já comentei aqui sobre carros grandes, versões esportivas ou
mesmo a variedade de cores no acabamento interno, nosso mercado vive
um paradoxo: nunca se vendeu tanto carro no Brasil como nos últimos
anos, mas o leque de opções é bem mais estreito que o da década de
1980. Estreito não em marcas ou modelos, é claro, pois a abertura
das importações em 1990 e a vinda de novos fabricantes nos anos
seguintes nos trouxe um catálogo bem maior — em número de marcas, há
quem diga que já temos o segundo mercado no mundo, atrás apenas dos
Estados Unidos. O leque anda limitado é em carros que saiam do
lugar-comum, que realmente se destaquem e tragam uma satisfação
especial em ter e dirigir.
Nos anos 80 o volume de vendas era uma fração do atual, o que não
impediu a Ford de estabelecer um complexo esquema de produção e
lançar, em 1985, o Escort XR3 Conversível — o primeiro carro do
gênero em uma grande fábrica desde o fim de tal versão do
Karmann-Ghia da Volkswagen, ainda nos anos 60. Apesar do alto preço,
a iniciativa deu tão certo que motivou a empresa a repetir o
processo na nova geração do Escort, em 1992, e incentivou a General
Motors a produzir aqui o Kadett GSi Conversível, lançado no ano
anterior.
As duas versões saíram de produção, em meados da década, talvez
porque o mercado, cada vez mais receptivo aos importados — e estes
custando menos —, já não mostrasse interesse em pagar caro por
variações de pacatos carros médios nacionais. Na época, as versões
esportivas em geral entraram em processo de extinção, vítimas também
de fatores como alto custo de seguro e maior desvalorização na
revenda.
Já na década de 2000, voltamos a ter opções menos caras de
conversíveis, como o Peugeot 206 CC, que em 2003 custava cerca de R$
65 mil —
85% mais que um 206 hatch nacional em versão de topo, lembrando que
o CC também pagava Imposto de Importação, sem o qual poderia ser bem
mais barato. Ao contrário dos antigos modelos nacionais, ele seguia
a moderna tendência do teto rígido retrátil, que se dobra para ser
guardado no porta-malas por um sistema automatizado e, quando
desejado, faz o papel de um teto convencional em termos de conforto
e segurança. Fórmula semelhante foi aplicada ao 307 CC, ao Renault
Mégane CC e ao Eos, além de modelos de segmentos superiores, como o
Mercedes-Benz SLK. |
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Poucas opções, mesmo de fora
O 206 obteve relativo sucesso por aqui e manteve-se à venda de
2002 até 2007, quando deixou de ser produzido na Europa. Com o 307
não foi diferente — só deixou de vir porque deu lugar ao 308 CC na
linha francesa —, enquanto o Mégane chegou tarde ao Brasil e logo
foi substituído na origem. Nos três casos, os importadores decidiram
não trazer seus sucessores. E por quê?
Uma possível razão é que não temos as versões "normais" de 207 (o
feito aqui não vale, pois é o 206 remodelado e não o modelo
verdadeiro), 308 e do novo Mégane, o que deixaria os conversíveis
sem pares. Motivo mais provável é que a tecnologia tem andado bem
mais rápido lá fora que aqui, de modo que os motores, câmbios e
sistemas eletrônicos desses novos carros demandariam investimento
exclusivo em estoque de peças e treinamento de mão de obra — o que
não interessa quando o volume é muito pequeno. No caso da Peugeot a
chegada da minivan 3008, com o motor 1,6 turbo que equipa também os
esportivos da marca na Europa, pode facilitar as coisas daqui por
diante. Seria ótimo que sim.
E quanto às demais marcas? As alemãs de prestígio nunca deixaram de
vender conversíveis de dois ou quatro lugares, como os BMW Série 1 e
Z4, o Audi TT e o Mercedes-Benz SLK. A VW trouxe o Eos, a Mini tem
seu Cabriolet, a Volvo vende o C70 — mas são todos carros de bem
mais de R$ 100 mil. Abaixo desse patamar restou apenas o Smart
Cabrio, um carro mais limitado sob qualquer aspecto. Não seria o
caso de termos uma iniciativa nacional, ou mesmo a importação de
modelos mais acessíveis?
Os que não gostam de conversíveis — ou não gostam é de ver o vizinho
em um? — têm muito a argumentar contra esse tipo de carro: perdem
espaço interno, deixam entrar água depois de algum tempo, dão mais
manutenção, fazem mais barulho, não têm revenda fácil, perdem valor
com rapidez. Há ainda os fatores de segurança, desde uma (remota,
convenhamos) capotagem até o risco de ter a capota de lona cortada
para furto do carro ou de objetos no interior. E o teto rígido
retrátil, se resolve ou minimiza alguns desses problemas, cria
outros na hipótese de qualquer falha no sistema, que demanda mão de
obra especializada e peças nem sempre disponíveis.
No entanto, o prazer e a descontração de rodar a céu aberto
encontram poucos paralelos em cima de quatro rodas, como confirmei
nesses agradáveis dias com o Eos — pena que parte deles com chuva,
devidamente mantida do lado de fora — e em oportunidades anteriores
com diferentes conversíveis, mais ou menos potentes, mais luxuosos
ou esportivos ou espartanos.
Claro que não é algo para se curtir o tempo todo: em um país
tropical, boa parte do dia impõe capota fechada para evitar
insolação e, mesmo quando isso não for problema, há o fator da
insegurança de rodar exposto pelas ruas, e não guardado numa caixa
de aço e vidro como habitual. Mas é fácil esquecer esses
inconvenientes ao baixar o teto e deixar entrar o ar em um passeio
rumo à montanha, ou passear em uma noite de verão tendo as estrelas
como companhia.
Como bem disse o leitor Nanael Soubaim, de Goiânia, GO, conversível
é "um remédio contra a depressão que não exige receita azul". E, no
mundo conturbado em que vivemos, isso não tem preço. |
Quase todos são
carros de bem mais de R$ 100 mil. Não seria o caso de termos uma
iniciativa nacional, ou mesmo a importação de modelos mais
acessíveis? |