Elas estão nos automóveis desde que eles começaram a se tornar
numerosos nas ruas, passaram por numerosas evoluções e assumem
diferentes formas, cores e composições em cada país — ou mesmo em
cada estado de um país. Em alguns casos, podem dizer muito sobre a
dedicação do proprietário ao carro ou mesmo sobre sua conservação,
no caso de um modelo antigo. São as placas de licença.
Se muita gente trata o assunto como outro qualquer, aceitando a
placa que vier ao licenciar um novo carro, outros dedicam um zelo
especial a esse item e o tratam como um acessório, um item de
personalização. Conheço pessoas que vão aos departamentos de
trânsito atrás de combinações numéricas que as agradem, sem falar
nas que fazem pedidos específicos, envolvendo também as letras.
Um promotor de justiça, que foi meu professor na faculdade de
Direito, tinha carros desejados na época com placas não menos
interessantes, como um Escort XR3 2,0 identificado por EXR 2000 e um
Gol GTI como EFI 2000. Infelizmente, também para ele valia a divisão
de placas por estado, pela qual as letras ideais para seu Gol (GTI)
estavam reservadas para Minas Gerais e não para São Paulo... Há
menos tempo, surgiram muitos Fits, Fox e EcoSports paulistas com as
letras FIT, FOX e ECO. E, nos anos 90, a procura pelas placas BMW
foi tão alta que a combinação logo se esgotou.
Nos últimos 12 a 15 anos, placa tornou-se assunto do cotidiano da
capital paulista por um motivo peculiar: o rodízio de veículos, que
proíbe a circulação em determinados horários dos carros com dois
finais de placa a cada dia (1 e 2 na segunda-feira, 3 e 4 na terça e
assim por diante). Muitos escolhem a placa, ou mesmo o automóvel ao
comprar um usado, de modo que seu fim não coincida com o de outro
veículo da família — uma forma de ter sempre um à disposição
enquanto outro estiver no horário proibido. Há até os que desistem
de comprar um carro se ele tiver fim 9 ou 0, pois impediria sair de
viagem na sexta-feira entre 17 e 20 horas.
A cor das placas também é alvo de atenção de muita gente. Não que se
possa escolher — para quase todos nós, a única opção é o fundo
cinza, que ao menos cai bem em qualquer carro, ao contrário do feio
amarelo usado até 1991. É que volta e meia se vê nas ruas um carro
com cor diferente nas placas, sendo inevitável despertar a
curiosidade ao redor.
Assim, o azul e o verde destinam-se a testes de fábrica, sendo o
segundo usado também pelas concessionárias — são placas
desvinculadas do veículo, o que facilita as coisas em termos de
responsabilidade por eventuais multas. Quando elas aparecem em um
carro desconhecido, câmeras e celulares começam a disparar por onde
ele passa e as fotos logo aparecem em sites como o Best Cars.
Vermelho, como se sabe, é para caminhões e veículos de aluguel,
sejam utilitários ou táxis. Há placas especiais para autoridades
diplomáticas, como cônsules, e as tão desejadas placas pretas.
A placa preta é destinada a carros fabricados há mais de 30 anos e
em elevado grau de originalidade, o que deve ser certificado por um
clube ou entidade reconhecida do setor. Seu principal objetivo é
isentar o veículo de cumprir novas regras de segurança ou emissões
poluentes, incompatíveis com a proposta de preservar as
características de quando foi produzido, mas é inegável que ela
constitui um charme — e um fator de valorização nesse mercado em
que, como se diz, o preço do carro é o que o entusiasmado comprador
aceitar pagar... |
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Pelo mundo
Como muitos ainda lembram, as placas brasileiras nem sempre
usaram três letras e quatro números. Há registro de uma placa
paranaense dos anos 30 com uma letra e quatro algarismos, mas de
1957 a 1969 o padrão foi de apenas números, nada menos que seis.
Como as 26 letras do alfabeto resultam em 576% mais combinações que
os 10 algarismos de 0 a 9 — e combinações se fizeram necessárias
diante da frota em rápido crescimento —, em 1968 foi lançado o
padrão com duas letras e quatro números sobre fundo amarelo, que
vigorou até 1989 e continuou em circulação por mais uns 10 anos,
lado a lado com a placa cinza de três letras ainda em uso.
No tempo das amarelinhas, um carro que mudasse de município tinha de
trocar de placa, algo que não fazia muito sentido — no novo padrão,
basta substituir a tarja superior. Aliás, a própria inserção da
cidade na placa me parece supérflua e algo quase exclusivo nosso em
âmbito mundial. Uma rápida pesquisa apontou que a maioria dos países
de vanguarda informa apenas o estado ou província do registro do
carro, não a cidade. E, como sempre acontece com nossas
exclusividades (o extintor de incêndio logo vem à lembrança), a
sensação é de que nos fazem gastar dinheiro e tempo com uma bobagem.
As placas atuais também causam outra controvérsia. Embora as
autoridades de trânsito tenham acabado há alguns anos com a
variedade de formatos, tamanhos e fontes (tipos de letras), ainda
permitem o uso de chapas reflexivas, que incomodam quando refletem a
luz dos faróis de nosso carro, atrás de um veículo assim equipado.
Na Inglaterra as placas dianteiras são sempre brancas, mas as
traseiras são amarelas. Perguntei a respeito em um site britânico e
alguém me respondeu que o motivo era evitar reflexão na traseira,
justamente pelo incômodo — e o risco de ofuscamento — que isso causa
ao motorista de trás. Enquanto isso, aqui abaixo do Equador... Ao
menos uma vantagem a placa reflexiva tem: facilitar a visualização
do carro quando o motorista é um desses imbecis que circulam à noite
com tudo apagado, ou com aquelas inúteis luzinhas azuladas, em vez
dos faróis baixos exigidos por lei.
O site
World Licence Plates dá um interessante panorama de como são as
placas mundo afora, da ilha de Ábaco, nas Bahamas, até o Zimbábue
(que, aliás, também usa chapas amarelas). E as variações são muitas,
não só nas cores e combinações de letras e números, mas também no
formato — o que traz algumas complicações aos fabricantes.
Para ficar nos principais mercados, os Estados Unidos usam placas
altas e curtas e vários estados dispensam sua aplicação na
dianteira, enquanto na Europa elas são mais baixas, mais longas e
usadas tanto à frente quanto atrás. As nossas ficam a meio caminho
entre as europeias e as norte-americanas. O resultado é que carros
exportados de uma região para outra podem não ter alojamentos de
placas apropriados para o padrão do novo país.
Caso típico é o do Chevrolet Malibu, que deixa a placa nacional um
tanto apertada no espaço reservado no para-choque traseiro, enquanto
a dianteira fica exposta por não ser prevista acomodação no desenho
original. Em modelos de origem francesa, como Citroën C4 e Peugeot
307, a placa da frente raspa com facilidade no solo se não for
fixada ao contrário, pelos furos inferiores. E há o caso peculiar do
Alfa Romeo 156, cuja ampla grade impedia a montagem central da placa
dianteira, qualquer que fosse o pais: ela vinha no lado esquerdo.
Parecia ter sido desenhado para os EUA, embora nem sequer tenha
chegado a tal mercado.
Em alguns carros importados da terra de Tio Sam, a placa traseira do
Brasil não cabe mesmo, pois o espaço só permite a aplicação
do modelo norte-americano: resta dobrar ou cortar as extremidades.
Para evitar problemas, às vezes os fabricantes apelam para soluções
trabalhosas em sua importação oficial: o Golf trazido do México nos
anos 90 vinha com a tampa do porta-malas em padrão europeu, que
alojava bem nossa placa, ao contrário do espaço curto e alto da
versão original para o mercado norte-americano.
Gordas ou magras, amarelas ou pretas, com mais letras ou números,
parece que as placas continuarão nos carros para sempre. Ou ao menos
até que algum sistema eletrônico possa substituí-las com perfeição,
sem causar problemas a motoristas distraídos que não conseguem
reconhecer o próprio carro na massa de veículos pretos e prateados
que se tornaram nossos estacionamentos. |
A inserção da
cidade na placa me parece algo quase exclusivo nosso. E a sensação é
de que nos fazem gastar dinheiro e tempo com uma bobagem. |