Coisa de 20 dias atrás eu estava chegando a São Paulo pela Rodovia
SP-70 Ayrton Senna quando fui surpreendido por uma chuva torrencial,
com direito a granizo, daquelas em que a velocidade mais alta do
limpador de para-brisa mal chega a dar conta. Muitos motoristas
decidiram esperar no acostamento até que o tempo melhorasse; outros,
como eu, preferiram seguir viagem a cerca de 30 km/h, o ritmo que as
condições permitiam.
Entre esses colegas que continuaram na estrada, algo me chamou a
atenção: sem que as condições de visibilidade piorassem, mais e mais
pessoas acionavam o pisca-alerta enquanto continuavam a rodar. Não
havia retenção repentina do tráfego, o dilúvio não estava maior que
minutos atrás, o trajeto reto e plano por um trecho de quatro pistas
era o mesmo — mas, por alguma razão, o festival de luzes amarelas
crescia a cada minuto.
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o pisca-alerta
pode e deve ser usado apenas "em imobilizações ou situações de
emergência" (art. 40, inciso V). Embora o código não esclareça o que
seja emergência, parece claro que, se o carro continua a rodar,
ainda que em baixa velocidade e sob más condições de visibilidade,
não se trata de emergência.
Usar o pisca-alerta sob chuva forte, neblina densa ou outra condição
crítica de visibilidade não só contraria a legislação, como também o
bom-senso. Se essa sinalização foi feita para um veículo parado —
seja na pista, como por defeito mecânico ou acidente, seja no
acostamento —, o motorista consciente da lei deve interpretar que o
carro adiante, se estiver com pisca-alerta ligado, não está em
movimento.
Qual o efeito disso quando mal se enxerga a estrada e, de repente,
se veem as luzes de um veículo assim sinalizado? Claro: frear forte
e/ou desviar para a esquerda, medidas que podem causar desde
engavetamentos até colisões frontais, como no caso de se sair da
própria pista e invadir a contramão.
O mais curioso é que, dos carros que vi em meio àquele dilúvio,
vários — Peugeot 206 e Citroën C3, por exemplo — estavam equipados
com luz traseira de neblina, que tem potência similar à da luz de
freio e das luzes de direção e, por isso, amplia a sinalização do
carro em trânsito. Pergunte se algum desses carros tinha tal luz
acesa. Claro que não... Talvez os motoristas nem soubessem de sua
existência.
A lei não determina, mas é prática corrente — e coerente — usar o
pisca-alerta por instantes quando ocorre brusca retenção do tráfego,
como ao encontrar um congestionamento em rodovia e ter de frear, por
exemplo, de 100 para 40 km/h em segundos. Nessa situação, a luz
piscante associada à de freio tem ampliado o efeito de chamar a
atenção de quem vem atrás, indicando que se trata de frenagem
intensa. No entanto, uma vez que o tráfego atrás de você acompanhe a
redução de velocidade, desligue o alerta. E jamais faça uma mudança
de pista enquanto ele estiver acionado, pois a luz de direção não
atuará.
É por isso que alguns carros, como muitos BMWs mais novos, têm luzes
de freio de duplo estágio, que piscam rapidamente quando o pedal é
acionado com vigor. Outros, caso de Peugeot 307 e Ford Focus,
acionam o pisca-alerta por si mesmos quando a desaceleração é
intensa. É também por isso que defendo que o botão do pisca-alerta
tenha local padronizado e ao fácil alcance da mão direita, como no
centro do painel — não acima da coluna de direção, onde requer um
movimento menos imediato. |
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Neblina, onde?
Além do mau uso do pisca-alerta, há outros problemas no tráfego
brasileiro relacionados a iluminação e sinalização. Como os faróis
de neblina, acessórios tão valorizados por aqui. Um estrangeiro que
repare em nossos carros terá duas suposições: a de que nosso clima
se assemelha ao de Londres e a de que somos o povo mais consciente
do planeta em relação à visibilidade em meio ao nevoeiro. Ambas as
hipóteses, porém, estão erradas.
Como o nome diz, faróis de neblina servem para iluminar... na
neblina. Têm facho direcionado para baixo e para os lados, alcance
curto e, em geral, montagem no para-choque, de onde podem iluminar a
pista por baixo da cerração. Assim, representam iluminação mais
eficaz nessas condições que os faróis baixos, aqueles que devem ser
usados por quem não tem os de neblina.
No entanto, por alguma razão inexplicável, existe em muita gente o
hábito de usar faróis de neblina sem neblina. Como luz diurna para o
carro ser visto em rodovia, ainda são válidos (hoje alguns
modelos usam leds para tal função): o
problema é pensar que eles substituem a qualquer tempo os faróis
baixos, que o CTB nos manda usar do pôr do sol até o amanhecer.
Por seu facho curto, faróis de neblina não têm o alcance necessário
para substituir os baixos, fazendo o motorista rodar quase às cegas
em vias expressas e rodovias. Se usados em conjunto com eles, nada
acrescentam em iluminação. Como não têm qualquer reflexão para cima
— justamente para evitar reflexo nas gotículas de água do nevoeiro
—, não fazem brilhar os elementos de sinalização, como o "pare" das
placas em cruzamentos, o que pode levar a um acidente. E, se o
proprietário os regula mais altos para compensar o pequeno alcance,
causa um incômodo e perigoso ofuscamento a quem vem no sentido
contrário.
A situação se agrava quando as lâmpadas originais são substituídas
por outras mais potentes ou — pior — por aquelas com gás
xenônio adaptadas a faróis que não
estão aptos a recebê-las, uma praga que se espalha sem controle pelo
País, amparada na falta de fiscalização. O resultado é sempre o
mesmo: para enxergar um pouco melhor (talvez por ter colocado no
para-brisa um filme bem escuro), o motorista manda às favas a
segurança dos colegas de trânsito.
Ainda sobre luzes de neblina, outra praga nacional: o uso da luz
traseira de nevoeiro sob qualquer condição, menos sob neblina. Assim
como os motoristas citados no início do texto não a acendiam em
condição adequada a seu uso, muitos — muitos mesmo — a ligam quando
não deveriam, na cidade ou na estrada, em condições normais de
visibilidade, e saem cegando quem vem atrás com a potente lâmpada
vermelha. Mesmo com uma luz âmbar no painel para indicar que a
lanterna está acesa, esses motoristas parecem não perceber a bobagem
que estão fazendo.
Bobagem que perde, porém, para a de rodar na cidade só com as luzes
de posição acesas, sem faróis. O princípio parece ser o de que se
consegue dirigir apenas com a iluminação das vias, o que dispensaria
o farol baixo, mas essas pessoas não percebem que um carro assim mal
pode ser visto por outros motoristas, motociclistas e pedestres.
Embora alguns considerem essa uma mania paulista, tenho dúvidas se
está restrita ao estado de São Paulo, até porque maus hábitos se
espalham com facilidade.
Luzes demais aqui, luzes de menos acolá: pode ser um problema menor
diante de tantos do trânsito brasileiro, mas certamente merece
atenção do Poder Público. Que velocidade excessiva, ultrapassagens
perigosas e bebida ao volante trazem graves riscos, qualquer
motorista tem conhecimento — essas mazelas só se resolvem com
fiscalização séria e permanente. Já o mau uso da iluminação e da
sinalização requer campanhas de esclarecimento que nunca são feitas,
mas deveriam ser. |
Um estrangeiro
terá duas suposições: a de que nosso clima se assemelha ao de
Londres e a de que somos o povo mais consciente do planeta em
relação à visibilidade em meio ao nevoeiro |