Quando se trata de pessoas, os traços do rosto costumam identificar
as que pertencem a uma mesma família ou, ao menos, as originárias de
uma mesma raça. No caso dos automóveis, esse papel é feito em geral
pela grade dianteira, que atua como elemento identificador da marca,
de uma época ou até da linha de modelos.
Nos primórdios do carro, a grade era o próprio radiador, cuja forma
não variava muito. Com o tempo surgiram grades com desenhos elaborados, como o
usado pela BMW já na década de 1930, com dois motivos verticais
oblongos — o que ganharia mais tarde o apelido de duplo rim, já em
um tempo em que os elementos estavam mais baixos e largos. Ou o da
Alfa Romeo, um escudo triangular lançado na mesma década que alguns
associam ao "cuore sportivo" (coração esportivo) de seu mote. A
Rolls-Royce, desde os anos 20, adotara um modelo clássico que seria mantido
por décadas.
Pouco depois, em 1934, a Chrysler surpreendeu com a imensa grade em
forma de queda d'água do Airflow, um dos itens mais controversos de
um carro que nasceu para causar polêmica. A essa época o item já
estava maior e mais inclinado, em várias marcas, e seu desenho —
em geral com muitos cromados no caso dos Estados Unidos — começava a
ser reproduzido em outros elementos da frente. Havia ainda carros com
grade dividida, como o Lincoln Continental 1940.
Foi nos anos 50 que a grade atingiu o ápice em tamanho,
imponência e decoração, como ocorreu com todo o estilo dos
automóveis, em particular nas fábricas norte-americanas. E, para
muitas marcas, o elemento passou a atuar de maneira decisiva como
identificação de quem produzia o carro.
A BMW alargava e rebaixava cada vez mais o duplo rim; os Ferraris
traziam uma abertura oval na parte inferior da frente; a Pontiac
norte-americana usava uma divisão no meio da ampla grade, às vezes
com uma protuberância; e a Jaguar ostentava um modelo oval e
vertical. A Mercedes-Benz adotou nos anos 50 a grade volumosa e
cheia de frisos que seria usada por bastante tempo, trazendo acima
dela a estrela de três pontas espetada — exceto em alguns modelos,
em geral esportivos, que ostentavam uma grande estrela no centro da
própria grade.
Com o advento da aerodinâmica, que ganhou importância com a crise do
petróleo de 1973, as grades passaram a diminuir: era preciso
rebaixar a frente dos automóveis para melhorar sua penetração no ar,
e uma área de admissão de ar muito grande seria um problema
adicional. Embora ainda tomassem boa parte da largura da frente,
elas ficavam mais baixas e, no todo, menores. |
Ar pelo emblema
E então vieram os carros sem grade, embora tivessem motor
dianteiro. Foi o caso de Citroën SM (1970) e BX (1983), Ford Sierra
(1982) e Taurus (1986), Volvo 480 (1986), Volkswagen Passat (1988),
Honda Civic (1991) e o primeiro Fiat Punto (1993). O SM até aproveitava o
espaço habitual do item para alojar a placa de licença. Entre os
carros brasileiros, um raro exemplo foi o Ford Escort XR3 de segunda
geração, lançado para 1993, que seguia o europeu de dois anos antes. Alguns
deles, como Taurus e Passat, admitiam ar também pelo emblema do
fabricante ou seus arredores, enquanto outros limitavam-se à tomada
de ar do para-choque.
A tendência do sem-grade, porém, logo passou: as pessoas parecem
ter-se cansado rápido da aparência muito "limpa" daqueles modelos. O
Escort europeu recuperou a sua em 1992; o Passat, um ano depois; e o
Civic, em 1996. O Punto resistiu mais, até 2003. Os sucessores de BX (Xantia) e Sierra (Mondeo)
também traziam o elemento. Foi ainda nos anos 90 que a divisão Dodge
da Chrysler, inspirada na grade de seus picapes, aplicou o conjunto
de quatro vãos retangulares a automóveis — até mesmo ao
superesportivo Viper.
E então, na década de 2000, voltou com força a tendência por grades
amplas. Depois do carro-conceito Nuvolari, de 2003, a Audi gostou da
ideia de estender a grade superior até encontrar a tomada de ar do
para-choque, o que formava um trapézio bastante imponente. Do A8
para o A6 e assim por diante, a novidade tomou conta da linha desse
fabricante alemão e ainda hoje, redesenhada, identifica com clareza
seus modelos.
E não é a única. A Mitsubishi adotou grade semelhante no Lancer e
tentou aplicá-la (de maneira discutível, é verdade) a outros carros,
como o utilitário esporte Outlander. A Volkswagen buscou a mesma
integração entre os elementos superior e inferior, em alguns casos
pelo uso de acabamento cromado, mas já a abandonou.
No caso de Ford (europeia), Peugeot e Citroën, a
opção foi reduzir a grade — ou mesmo eliminá-la — e ampliar
bastante a tomada inferior, o que a Fiat também fez com os novos Uno e
Palio. Já a Ford nos EUA optou por grades amplas e às vezes com
muitos cromados, como as de Fusion e Edge, só que o primeiro vai
trocá-la em 2013 por uma abertura que remete às dos esportivos da
Aston Martin. A Chevrolet, por sua vez, fez as grades crescerem a níveis
nunca vistos — sempre cortadas pela barra com o emblema da gravata —
e colocarem em xeque a harmonia estética, questão da qual o Agile
é um símbolo.
Grades tradicionais também reconquistaram seu espaço. É de se
imaginar como foi difícil, para os projetistas da nova Bugatti sob o
guarda-chuva do grupo VW, encaixar no moderno Veyron a tão antiga
ferradura que os carros do senhor Ettore usavam no começo do século
passado... O mesmo vale, de alguma forma, para modelos da Bentley,
Rolls-Royce e até Mercedes, marcas que às vezes parecem ter limitado
os estilistas pela impossibilidade de abandonar uma grade clássica.
A tradição aplica-se também no caso oposto, o da ausência de grade.
Ao lançar novos modelos com motor dianteiro, como Cayenne e Panamera, a
Porsche manteve a frente lisa e recorreu à tomada de ar do
para-choque para refrescar os vigorosos V6 e V8
—
um meio de preservar o aspecto clássico que o 911 ainda carrega.
Idem para o VW Beetle nas duas gerações, que ficaria estranhíssimo
se tivesse grade, e para o novo Fiat 500, inspirado em um automóvel
de motor traseiro.
À medida que os motores a combustão forem cedendo espaço aos
elétricos e a outras formas de propulsão, como a
pilha a combustível, as grades
tendem a se tornar desnecessárias: não haverá mais um radiador a ser
refrigerado pela passagem do ar. O elemento estético pode então
desaparecer em definitivo, se as fábricas o quiserem. Enfim os
projetistas terão vencido um dos mais antigos obstáculos à
eficiência aerodinâmica.
E assim será até que o dia em que alguma marca resolver lançar um
modelo retrô, com uma grade imensa, para relembrar os tempos
românticos dos motores que faziam ruído e poluíam o ar enquanto eram
acelerados. Será? |
Com o advento
da aerodinâmica, as grades passaram a diminuir: era preciso rebaixar
a frente dos automóveis para melhorar sua penetração no ar |