Data de publicação: 24/3/12

Documento de identidade

Umas ousadas, outras tradicionais, as grades dianteiras estão
bastante associadas às marcas, mas podem desaparecer

por Fabrício Samahá

Fabrício Samahá, editor

Quando se trata de pessoas, os traços do rosto costumam identificar as que pertencem a uma mesma família ou, ao menos, as originárias de uma mesma raça. No caso dos automóveis, esse papel é feito em geral pela grade dianteira, que atua como elemento identificador da marca, de uma época ou até da linha de modelos.

Nos primórdios do carro, a grade era o próprio radiador, cuja forma não variava muito. Com o tempo surgiram grades com desenhos elaborados, como o usado pela BMW já na década de 1930, com dois motivos verticais oblongos — o que ganharia mais tarde o apelido de duplo rim, já em um tempo em que os elementos estavam mais baixos e largos. Ou o da Alfa Romeo, um escudo triangular lançado na mesma década que alguns associam ao "cuore sportivo" (coração esportivo) de seu mote. A Rolls-Royce, desde os anos 20, adotara um modelo clássico que seria mantido por décadas.

Pouco depois, em 1934, a Chrysler surpreendeu com a imensa grade em forma de queda d'água do Airflow, um dos itens mais controversos de um carro que nasceu para causar polêmica. A essa época o item já estava maior e mais inclinado, em várias marcas, e seu desenho — em geral com muitos cromados no caso dos Estados Unidos — começava a ser reproduzido em outros elementos da frente. Havia ainda carros com grade dividida, como o Lincoln Continental 1940.

Foi nos anos 50 que a grade atingiu o ápice em tamanho, imponência e decoração, como ocorreu com todo o estilo dos automóveis, em particular nas fábricas norte-americanas. E, para muitas marcas, o elemento passou a atuar de maneira decisiva como identificação de quem produzia o carro.

A BMW alargava e rebaixava cada vez mais o duplo rim; os Ferraris traziam uma abertura oval na parte inferior da frente; a Pontiac norte-americana usava uma divisão no meio da ampla grade, às vezes com uma protuberância; e a Jaguar ostentava um modelo oval e vertical. A Mercedes-Benz adotou nos anos 50 a grade volumosa e cheia de frisos que seria usada por bastante tempo, trazendo acima dela a estrela de três pontas espetada — exceto em alguns modelos, em geral esportivos, que ostentavam uma grande estrela no centro da própria grade.

Com o advento da aerodinâmica, que ganhou importância com a crise do petróleo de 1973, as grades passaram a diminuir: era preciso rebaixar a frente dos automóveis para melhorar sua penetração no ar, e uma área de admissão de ar muito grande seria um problema adicional. Embora ainda tomassem boa parte da largura da frente, elas ficavam mais baixas e, no todo, menores.

Ar pelo emblema
E então vieram os carros sem grade, embora tivessem motor dianteiro. Foi o caso de Citroën SM (1970) e BX (1983), Ford Sierra (1982) e Taurus (1986), Volvo 480 (1986), Volkswagen Passat (1988), Honda Civic (1991) e o primeiro Fiat Punto (1993). O SM até aproveitava o espaço habitual do item para alojar a placa de licença. Entre os carros brasileiros, um raro exemplo foi o Ford Escort XR3 de segunda geração, lançado para 1993, que seguia o europeu de dois anos antes. Alguns deles, como Taurus e Passat, admitiam ar também pelo emblema do fabricante ou seus arredores, enquanto outros limitavam-se à tomada de ar do para-choque.

A tendência do sem-grade, porém, logo passou: as pessoas parecem ter-se cansado rápido da aparência muito "limpa" daqueles modelos. O Escort europeu recuperou a sua em 1992; o Passat, um ano depois; e o Civic, em 1996. O Punto resistiu mais, até 2003. Os sucessores de BX (Xantia) e Sierra (Mondeo) também traziam o elemento. Foi ainda nos anos 90 que a divisão Dodge da Chrysler, inspirada na grade de seus picapes, aplicou o conjunto de quatro vãos retangulares a automóveis — até mesmo ao superesportivo Viper.

E então, na década de 2000, voltou com força a tendência por grades amplas. Depois do carro-conceito Nuvolari, de 2003, a Audi gostou da ideia de estender a grade superior até encontrar a tomada de ar do para-choque, o que formava um trapézio bastante imponente. Do A8 para o A6 e assim por diante, a novidade tomou conta da linha desse fabricante alemão e ainda hoje, redesenhada, identifica com clareza seus modelos.

E não é a única. A Mitsubishi adotou grade semelhante no Lancer e tentou aplicá-la (de maneira discutível, é verdade) a outros carros, como o utilitário esporte Outlander. A Volkswagen buscou a mesma integração entre os elementos superior e inferior, em alguns casos pelo uso de acabamento cromado, mas já a abandonou.

No caso de Ford (europeia), Peugeot e Citroën, a opção foi reduzir a grade — ou mesmo eliminá-la — e ampliar bastante a tomada inferior, o que a Fiat também fez com os novos Uno e Palio. Já a Ford nos EUA optou por grades amplas e às vezes com muitos cromados, como as de Fusion e Edge, só que o primeiro vai trocá-la em 2013 por uma abertura que remete às dos esportivos da Aston Martin. A Chevrolet, por sua vez, fez as grades crescerem a níveis nunca vistos — sempre cortadas pela barra com o emblema da gravata — e colocarem em xeque a harmonia estética, questão da qual o Agile é um símbolo.

Grades tradicionais também reconquistaram seu espaço. É de se imaginar como foi difícil, para os projetistas da nova Bugatti sob o guarda-chuva do grupo VW, encaixar no moderno Veyron a tão antiga ferradura que os carros do senhor Ettore usavam no começo do século passado... O mesmo vale, de alguma forma, para modelos da Bentley, Rolls-Royce e até Mercedes, marcas que às vezes parecem ter limitado os estilistas pela impossibilidade de abandonar uma grade clássica.

A tradição aplica-se também no caso oposto, o da ausência de grade. Ao lançar novos modelos com motor dianteiro, como Cayenne e Panamera, a Porsche manteve a frente lisa e recorreu à tomada de ar do para-choque para refrescar os vigorosos V6 e V8
um meio de preservar o aspecto clássico que o 911 ainda carrega. Idem para o VW Beetle nas duas gerações, que ficaria estranhíssimo se tivesse grade, e para o novo Fiat 500, inspirado em um automóvel de motor traseiro.

À medida que os motores a combustão forem cedendo espaço aos elétricos e a outras formas de propulsão, como a pilha a combustível, as grades tendem a se tornar desnecessárias: não haverá mais um radiador a ser refrigerado pela passagem do ar. O elemento estético pode então desaparecer em definitivo, se as fábricas o quiserem. Enfim os projetistas terão vencido um dos mais antigos obstáculos à eficiência aerodinâmica.

E assim será até que o dia em que alguma marca resolver lançar um modelo retrô, com uma grade imensa, para relembrar os tempos românticos dos motores que faziam ruído e poluíam o ar enquanto eram acelerados. Será?

Com o advento da aerodinâmica, as grades passaram a diminuir: era preciso rebaixar a frente dos automóveis para melhorar sua penetração no ar
 
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