Viajar ao exterior e conhecer novos lugares — como acontece de
tempos em tempos com a imprensa, a convite de fabricantes para
avaliar seus lançamentos — é sempre interessante. Alguns dedicam seu
tempo para absorver a cultura e a história do local por meio de
passeios turísticos. Em meu caso, um dos passatempos é observar o
trânsito, as soluções viárias e os veículos para poder compartilhar
impressões com os leitores do Best Cars.
Tive mais uma dessas oportunidades duas semanas atrás por ocasião do
lançamento do Fiat Grand Siena, realizado no Chile, parte na capital
Santiago e parte na região de Viña del Mar, na província de
Valparaíso, distantes 100 quilômetros entre si. Para quem ainda não
conhecia o país, rodar por essas e entre essas cidades
(infelizmente, só como passageiro em Santiago) e observar seu
trânsito trouxe interessantes conclusões.
Não há como negar: a primeira surpresa de quem vai a Santiago, em se
tratando de automóveis, é a atualidade da frota. Embora a grande
maioria dos carros na capital pareça ter menos de cinco anos, não é
a isso que me refiro — mesmo porque não é muito diferente nas
regiões de classe média ou superior de São Paulo, por exemplo. Os
chilenos têm acesso às últimas novidades de quase todas as marcas do
mundo, pelo que circulam por lá carros que ainda não temos, embora
produzidos por empresas instaladas aqui.
Exemplos? Muitos: Chevrolet com os pequenos Spark e Sonic; Citroën
com C3 e C4 de nova geração e os requintados DS3 e DS4; os novos
utilitários europeus Doblò, Ducato e Fiorino da Fiat; Ford Focus de
terceira geração e o novo Ranger que está por chegar aqui; Hyundai
com o pequeno Accent e o esportivo Genesis Coupe; o belo compacto
Kia Rio em versões hatch e sedã; Peugeot com o 207 francês (hatch e
conversível); Renault com o atual Mégane hatch, os maiores Laguna e
Latitude e o utilitário esporte Koleos; Toyota com o compacto Yaris
e o hatch médio Auris, da mesma família do Corolla; e Volkswagen com
Polo e Golf da atual produção europeia. Há ainda a alemã Opel, com
os novos Corsa, Astra, Meriva e Insignia, e a Alfa Romeo com MiTo,
Giulietta, 159 e Brera.
O que traz essa modernidade ao mercado do Chile é, em parte, a
ausência de fábricas de carros no país — nem mesmo montagem de kits,
ou CKD, existe. Como tudo é importado, não haveria sentido em
aplicar a tributação protecionista que temos aqui
— e, assim,
o público tem
acesso ao melhor da produção mundial, mesmo em segmentos de carros
pequenos e médios. Por que os chilenos importariam um Golf de quarta
geração do Brasil, se podem ter a sexta feita na Alemanha? Por que
andariam de Celta e Agile, se Spark e Sonic estão à disposição? E
quem precisa de um 206 remodelado se pode ter o verdadeiro 207 que
roda na Europa?
Pelas condições iguais para todos, mas também pela proximidade com a
Ásia pelo litoral voltado ao Oceano Pacífico, o Chile mostra grande
participação de marcas japonesas, sul-coreanas e chinesas na frota,
incluindo as que não temos aqui. Táxis comuns são, muitas vezes,
pequenos da Kia, Hyundai e da japonesa Mazda, enquanto o grande SM5
da Renault-Samsung sul-coreana é bastante usado como táxi de luxo (a
marca oferece também o médio SM3 e o ainda maior SM7, com versão V6
de 3,5 litros). Fabricantes chineses ainda ausentes do Brasil, como
BYD, Geely, Great Wall, Haima e Zotye, além do indiano Tata, estão
presentes por lá. |
GranCabrio em 10 minutos
Nas ruas, marcas de alto prestígio são comuns a ponto de
surpreender. Em 10 minutos de observação do trânsito de uma
importante via — a Autopista Costañera Norte — a partir da janela do
quarto de hotel, notei um Maserati GranCabrio, cinco ou seis
Mercedes-Benz Classe E da atual geração (incluindo o cupê) e um
Classe S recente, um Porsche Cayman, um cupê BMW Série 6 e diversos
Audis A6, para ficar nos exemplos mais chamativos. Onde no Brasil se
consegue ver tudo isso passar em 10 minutos em pleno horário
comercial? Sem falar no Mercedes SLS AMG visto no estacionamento do
aeroporto.
Apesar da profusão de modelos, não espere encontrar no Chile uma
variedade cromática maior que a nossa: como no mundo todo, tons de
prata e cinza são os que predominam. Preto e branco têm participação
razoável; vermelho, pequena; e outras cores quase não são vistas. O
percentual de utilitários esporte e picapes parece um pouco mais
alto que nos grandes centros brasileiros, sem chegar à hegemonia que
eles alcançam nos Estados Unidos.
Outra constatação: teto solar é bastante mais raro por lá que na
Argentina, embora mais comum que no Brasil. O que causa estranheza,
pois a latitude da região central do país onde está a capital (maior
que a de todo o Brasil), em tese, tornaria esse equipamento mais
desejável.
O trânsito de Santiago — como toda a cidade — passa uma impressão de
organização inesperada na América Latina, um verdadeiro pedaço do
Primeiro Mundo aqui perto. A Costañera Norte tem um sistema de vias
subterrâneas, construído há alguns anos, que corta boa parte da
capital como alternativa às vias da superfície, com acessos e saídas
frequentes e cobrança eletrônica de pedágio por trecho. Vendo o
tráfego de cima ou circulando de carro e de ônibus (do evento, não
público), a sensação foi de que tudo flui sem sobressaltos, como
deve ser. Nada de buzinadas à toa, nada de imprudências.
Motos são muito raras na cidade: circulando, as que vi não somam 10,
a maioria de scooters. Paradas, formavam uns 50 metros de
estacionamento. Imagino que a eficácia do transporte público — com
um metrô muito elogiado pelas pessoas com quem conversei — seja um
dos fatores responsáveis, já que o clima da região não chega a ser
impeditivo para se andar em duas rodas.
Rodamos por estradas na ligação entre Santiago e a Viña del Mar,
além de um breve trajeto perto da Viña para avaliação do Grand
Siena. O que se pôde notar foi asfalto de qualidade, boa sinalização
e um tráfego ordenado, mesmo que a fiscalização de velocidade pareça
escassa (um motorista com que conversamos confirmou que radares são
raros). Lombadas? Só encontrei duas, ambas no percurso de teste: uma
em frente a uma escola, mas tão suave que para um brasileiro parecia
mera imperfeição do asfalto, e uma alta e longa, na via estreita
(paralela a uma rodovia) que passava pela vinícola usada como base
pela Fiat. Piso esburacado, não achei.
Ao contrário de seus vizinhos argentinos, os chilenos quase que só
usam gasolina em carros de passeio — óleo diesel está praticamente
reservado a utilitários e caminhões. Mesmo um picape como o antigo
Ranger (que recebeu o sufixo Heritage) vem apenas com opção a
gasolina, embora seja possível ter motor a diesel em um utilitário
esporte compacto como o VW Tiguan, que aqui não pode usá-lo. A
gasolina é vendida lá em três níveis de octanagem (91, 95 e 98
octanas RON) e não custa pouco —
entre R$ 3,00 e R$ 3,40 o litro em Santiago, conforme o tipo —, mas
seu rendimento é superior ao da nossa por não conter álcool. O
diesel fica ao redor de R$ 2,50.
No próximo Editorial, uma comparação dos mercados brasileiro e
chileno sob um ponto de vista crucial: preços. |
Em 10 minutos
de observação, notei um Maserati GranCabrio, sem falar no Mercedes
SLS AMG visto no aeroporto |