Nesta semana a BMW apresentou na Europa uma nova geração da perua
Série 3 Touring,
que acompanha as evoluções do sedã. De linhas muito elegantes e
equilibradas, a Touring me leva a perguntar: por que quase não temos
mais peruas no mercado brasileiro?
Muitos de nós crescemos viajando com a família em Belinas, Caravans,
Variants, Paratis e Quantuns, para citar as mais marcantes da
história de nossa indústria. Mesmo de 15 anos para cá, muitos
aproveitaram a praticidade de modelos como Palio Weekend, Peugeot
206/207 SW e a longeva Parati. No entanto, quando se sai desses
modelos com tantos anos de janela, o mercado oferece um mínimo de
opções em segmentos superiores.
Na faixa de médio porte, que já foi uma das mais numerosas em
opções, hoje estão apenas a Renault Grand Tour, derivada de um sedã
(Mégane) que saiu de linha há mais de um ano, e as importadas
Hyundai I30 CW e VW Jetta Variant. Quando se sobe o patamar de
preços, chega-se a VW Passat Variant, Subaru Outback, Audi A4 Avant
e... Mini Clubman, tão compacta que mal pode ser considerada um
carro familiar.
O rol de opções encerra-se por aí. General Motors e Ford,
responsáveis por importantes modelos do passado, não mais oferecem
peruas há cerca de 10 anos, desde que tiraram de linha a Corsa Wagon
e a Escort SW — outras, como a saudosa Omega Suprema, saíram de cena
ainda na década de 1990. A Fiat teve sua representante na classe
média (Marea Weekend) por todo o ciclo de produção do sedã, mas não
a substituiu por uma derivada do Linea ou do Bravo. A Peugeot, que
importava da França a 307 SW, ainda não repetiu o processo com a 308
que existe lá.
No caso da GM, as peruas foram cedendo seu espaço a veículos
diferentes. A Suprema saiu de linha (em 1996) assim que chegou o
utilitário esporte Blazer, por mais diversos que sejam esses modelos
e por pior que o segundo seja em comparação ao primeiro para
qualquer pessoa que entenda de automóvel — a não ser que o objetivo
seja trafegar longe do asfalto, com tração nas quatro rodas, ou usar
diesel. A Corsa Wagon deu lugar à Meriva, ambas derivadas do Corsa
em diferentes gerações, enquanto a Zafira dispensou a marca de
produzir aqui a Astra Wagon, que seria a substituta natural da
Ipanema baseada no Kadett.
Do lado da Ford, a tradição e a clientela conquistadas em mais de 20
anos de bons serviços com a Belina, em duas gerações, foram mantidas
de certa forma com a Royale, uma variação da VW Quantum, e mais
tarde com a Escort SW. Muitos esperavam que houvesse aqui a Focus
Wagon (bem-sucedida na Europa, onde já está na terceira geração),
mas isso nunca aconteceu. Certa vez, alguém do Marketing da empresa
me respondeu que o EcoSport atenderia bem a esse público. Você acha?
Da década passada, a perua que mais deixou clientes órfãos é
certamente a Toyota Fielder que, mesmo sem sobressair em capacidade
de bagagem, reunia atributos desejáveis em um carro familiar —
espaço, conforto, confiabilidade, bons desempenho e comportamento,
consumo moderado. Até hoje, muitos deles não entendem por que o
Corolla lançado em 2008 não ganhou sua Fielder.
Há uma razão oficial para isso. O sedã anterior, de 2002, tinha duas
versões mundo afora: a mais compacta, vendida na Europa e no Japão,
e outra com frente e traseira mais compridas — para sensação de
carrão —, disponível nos Estados Unidos e no Brasil, entre outros
mercados. A Fielder só existia no modelo europeu e japonês, mas foi
relativamente simples implantar-lhe a frente longa do Corolla
nacional. Afinal, a seção central da carroceria era a mesma.
Com a mudança de geração, o Corolla japonês manteve-se limitado em
largura (o país leva essa dimensão em conta nos cálculos
tributários), enquanto o norte-americano se tornou mais largo para
aumentar o conforto. Com isso, não mais foi possível aplicar a
frente do modelo nacional à carroceria da perua nipônica, a única
prevista na gama mundial do carro. Claro que a Toyota poderia ter
desenvolvido um novo desenho para nós, mas atender a demandas
específicas não faz parte da estratégia global do fabricante. |
Ficou no passado?
E por que estou defendendo o retorno ou a continuidade das
peruas? Não é esse um tipo de automóvel que ficou no passado,
superado por formatos mais funcionais ou desejados? Opino — e
acredito que muitos também o façam — que não.
Como os europeus comprovam a cada dia, ao comprar peruas em grande
volume, essa categoria ainda tem muita validade. A começar por um
tema tão em voga, a consciência ambiental. Se não se precisa de
tração nas quatro rodas e grande vão livre do solo, por que optar
por um utilitário esporte? Como já discuti aqui mais de uma vez,
esses veículos são mais pesados e menos aerodinâmicos, portanto
menos eficientes — e menos amigos do ambiente e do bolso, por causa
do consumo de combustível —, que um sedã ou uma perua que tenha
derivado da mesma família.
Se algumas marcas optaram por minivans (a GM fez duas e vai
substituí-las em breve por uma terceira, com o provável nome de
Spin), há que se questionar as vantagens e desvantagens desse
formato. Minivans oferecem mais espaço vertical, o que pode levar a
melhor aproveitamento de suas dimensões para os passageiros e a
bagagem. Mas sua altura adicional prejudica a aerodinâmica, torna
mais difícil conciliar conforto de marcha e estabilidade e impacta
no peso, sobretudo pelos grandes vidros.
Além disso, a posição do motorista mais à frente costuma impor
desafios de projeto que acabam deixando o modelo com deficiências de
ergonomia, como a alavanca de câmbio muito baixa de Meriva e Zafira,
os pedais em posição antinatural da Citroën C3 Picasso e o volante
descentralizado com o banco da Fiat Idea. E as mesmas Idea e Meriva,
assim como a JAC J6 e a hoje extinta Xsara Picasso da Citroën,
mostram bem o que o avanço da cabine acarreta à visibilidade do
motorista: com colunas dianteiras duplicadas, criam-se enormes e
perigosos pontos cegos.
Nada disso afeta as peruas, que são apenas versões dos sedãs com o
teto alongado e nova traseira — em alguns casos, também com maior
distância entre eixos, como a Palio Weekend e a 307 SW. Seu
comportamento em curvas é beneficiado pela menor altura do
centro de gravidade, o que interessa
não apenas ao entusiasta da direção esportiva: ter elevada
capacidade de manobras evasivas e respostas precisas deve ser
preocupação de todo motorista, sobretudo o que leva a bordo seu bem
mais precioso, a família.
E para os fabricantes, tão interessados que são em economia de
escala e aproveitamento de componentes, nada pode ser melhor que
oferecer dois modelos — de imagens distintas, para públicos
diferentes — com um grande número de peças em comum, já que da
frente até as portas dianteiras as peruas costumam ser iguais aos
sedãs e, dali para trás, compartilham quase toda sua plataforma e os
itens mecânicos.
Alguns alegam que as peruas perderam apelo, que não despertam mais o
desejo de compra. Bobagem. Ninguém de fora das corporações policiais
tinha interesse em um Chevrolet Veraneio nos anos 70 e 80, mas hoje
os utilitários esporte são desejados, vistos como símbolos de um
estilo de vida sofisticado. Minivans não cativavam os brasileiros
até 15 anos atrás, mas ganharam um sólido espaço. Com uma boa
estratégia de marketing, até um picape compacto de cabine dupla — um
veículo sem o espaço de um carro e com caçamba pequena — tornou-se
sucesso, por mais improvável que isso parecesse.
De resto, não é só a BMW que tem apresentado belos desenhos em
peruas, mas também marcas de volume como a Ford com sua Focus, a
Chevrolet com sua Cruze, a Renault com sua nova geração da Mégane, a
Peugeot com sua 308. Com preço adequado e o devido trabalho de
imagem, quem ousar trazer suas novidades ao Brasil encontrará um
público que hoje anseia por mais e melhores opções.
Vale a pena apostar. |
Deixou muitos
órfãos a Toyota Fielder que, mesmo sem sobressair em capacidade de
bagagem, reunia atributos desejáveis |