

O B2 Normande de 1924 (em cima)
e o Torpedo de três lugares de 1922

O modelo B2 Pemiere de 1922, com
lagartas para tracionar em terrenos severos, participou de uma expedição
de 28 mil km pela África Central


André Citroën ao lado de
personalidades: Albert Lebrun (foto superior), que foi presidente da
França de 1932 a 1940, e o sultão do Marrocos

Modelo C4 G Roadster de 1932,
feito três anos antes da morte de André |
Na época em Paris já circulavam mais automóveis do que em qualquer outra
cidade da Europa e até mesmo dos EUA, onde os
Fords T preenchiam as
ruas. Nas margens do Rio Sena, do mesmo lado do grande monumento
parisiense — a Torre Eiffel —, nos grandes prédios de Javel eram
produzidos 30 carros por dia no fim de 1919. O modelo B2, com vidros
laterais e um pouco mais equipado, também estava à disposição. Outra
marca registrada da Citroën eram suas propagandas: com desenhos ou
fotos, sempre traziam belas mulheres bem vestidas de acordo com a moda.
André também era destaque no marketing. Uma criação genial foi a réplica
de seu modelo A em escala 1:2, movida a pedais, para as crianças. Seriam
futuros compradores da marca.
No começo dos anos 20 a Citroën diversificava seus produtos. Já haviam
sido produzidos 12.200 carros pela empresa. Em julho de 1924 os
parisienses mais uma vez eram surpreendidos pela vivacidade de André:
ele iluminou a Torre Eiffel com as letras compostas por seu nome e
logotipos da marca, antecipando sua participação na Exposição de Artes
Decorativas de 1925. Essa iluminação orientou o audaz aviador americano
Charles Lindbergh na travessia do Atlântico Norte em maio de 1927.
Quanto à África, André queria fazer um reconhecimento de mercado e
recrutou homens de destaque das forças armadas que haviam se destacado
na guerra. Junto deles também haveria pessoal de fábrica capacitado,
como engenheiros, mecânicos e pilotos. Essa epopeia, chamada de
Expedição Citroën África Central, ficou conhecida como Cruzeiro Negro e
também tinha intenções cientificas, culturais e políticas. Na época a
França tinha várias colônias no imenso continente. Os modelos
B2 especialmente preparados tinham rodas direcionais comuns, mas atrás
usavam lagartas como os tratores de esteiras. O sistema criado pelo
engenheiro militar francês Adolphe Kégresse foi muito eficaz e os carros
não apresentaram problema relevante.
Tinham motor de 1,6 litro e 30 cv, caixa com três marchas não
sincronizadas (sendo duas reduzidas) e
velocidade que não passava dos 50 km/h, mas enfrentavam lama, terra e
montanhas íngremes. O objetivo era atravessar o deserto do Saara, mas
foram muito além. Partiram do Forte Colomb-Béchar, na Argélia, em 8 de
outubro de 1924 oito veículos bem equipados. Rodaram cerca de 28 mil
quilômetros em cinco meses, foram até Madagascar no Oceano Índico e
voltaram a Paris em 25 de junho de 1925. Nesse ano a empresa já tinha
perto de 5 mil representantes para venda de carros prontos ou peças na
Inglaterra, Bélgica, Itália e Alemanha. Fornecedores empregavam cerca de
20 mil operários espalhados nas unidades de Levallois, Suresnes, Clichy,
Saint Ouen, Grenelle e Gutenberg, que forneciam peças para a montagem
final em Javel.
Na época também já estavam espalhadas por toda a França as placas de
sinalização inventadas por Citroën para orientar motoristas. Eram
grandes, bem visíveis e tinham desenhos, nomes das cidades e indicação
de quilometragem. Eram os famosos Painéis Citroën. Na linha do
fabricante aparecia o B2, que era um Tipo A melhorado e mais potente.
Tinha diversos tipos de carroceria, até um picape que podia ter o teto
removido e era sucesso entre os empreendedores rurais. Em 1928 era a vez
do C6. Com carroceria fechada com duas ou quatro portas, conversível com
capota de lona ou Coach esportivo, era o concorrente francês do
Ford Modelo A. Primeiro da marca com motor
de seis cilindros em linha, na grade do radiador trazia a inscrição Six
bem destacada. Com a linha diversificada, também já saíam das linhas de
montagem ônibus e caminhões.
Nem tudo eram flores na vida de André Citroën. Era um homem bem casado
com Georgina Bingen, com quem teve quatro filhos. Foi muito dedicado a
eles e generoso, mas tinha um fraco por mesas de baralho e jogos. Era
frequentador assíduo do chique Casino de Deauville, no norte da França,
onde perdia e ganhava muito dinheiro em altas apostas. Chegava a
presentear com carros funcionários e até adversários. Também gostava da
vida noturna parisiense, efervescente nessa época da “Belle Époque”.
Em 1929 mais de 100 mil veículos já haviam saído das linhas de produção
da Citroën. Dois anos depois, após o bem-sucedido Cruzeiro Negro, era a
vez de avançar para a Ásia rumo a Pequim no Cruzeiro Amarelo ou Missão
Ásia Central. A viagem começou em abril e terminou em fevereiro de 1932,
passando por Beirute, Hanói, Saigon, Bangkok, Calcutá, Nova Déli e
Bagdá. Foram mais de 30 mil quilômetros e os carros provaram mais uma
vez sua robustez. André aproveitou essas epopeias e fabricou, em pequena
escala, brinquedos — dioramas com cenários das aventuras na África e na
Ásia.
Desde a época da criação da empresa, André investiu muito e gastava mais
do que recebia. Os investimentos em modernização eram altos e, para
piorar, a crise de 1929 — que abalou mais os EUA, mas também o mundo
inteiro — não poupou sua empresa. As dívidas eram grandes e ele tentou
sem sucesso um acordo com os bancos e sindicatos, mas em 1934 era
declarada a falência judiciária. Após muita relutância, em 1935 o
empresário passava suas ações à família Michelin, fabricante de pneus
com destaque em toda a Europa. Era a única forma de salvar mais de 250
mil empregos.
Com 56 anos, doente, André foi internado em fevereiro e veio a falecer
em 3 de julho de 1935, vítima de um câncer no estômago. Antes de sua
morte ele foi condecorado com a Ordem Nacional da Legião de Honra como
Cavalheiro, Comandante e Grande Oficial por seus feitos pela França.
Esse brilhante homem aproveitou pouco do sucesso de uma das maiores
obras da empresa, o Traction Avant,
e não chegou a conhecer outros como o
2CV e o
DS, mas até hoje seu nome é
reverenciado em território francês. Desde 1992, no local da fábrica de
Javel, existe um belo parque com enormes áreas de lazer e grandes
estufas com plantas de todo o planeta, para homenagear o pioneirismo da
empresa em grandes viagens.
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