Soichiro (centro) dentro do
vitorioso Curtiss da Art Shokai; à esquerda o proprietário Yuzo
Sakakibara e à direita o piloto Shinichi Sakakibara
A filial da oficina em Hamamatsu,
por volta de 1935, com Soichiro e seu irmão Benjiro; note à direita o
elevador de serviço inventado por ele
A bicicleta motorizada foi um
negócio promissor no pós-guerra; na foto a pequena fábrica de motores em
1948, antes da fundação da Honda
A bicicleta com motor Tipo A foi
primeiro produto com a marca; embaixo a Tipo D ou Dream, de 98 cm3,
acessível, fácil de pilotar e resistente |
Até a Segunda Guerra Mundial, a importância do Japão no cenário
automobilístico mundial era desprezível, embora o país já fabricasse
carros na virada do século XIX para o XX e marcas como Mitsubishi tenham
se estabelecido antes de 1920. Mas um homem teria grande papel na
transformação da indústria nipônica de carros no que conhecemos hoje:
Soichiro Honda.
Nascido em 17 de novembro de 1906 em Yamahigashi, Soichiro cresceu
ajudando seu pai, Gihei Honda, a consertar bicicletas na pequena cidade
de Komyo. Gihei transmitiu a seus filhos o valor do trabalho árduo e um
interesse pela mecânica. O pequeno Soichiro era muito curioso pelo
assunto, do maquinário da fazenda onde morava ao moinho de arroz
mecanizado de um local próximo, que ele visitava todos os dias com seu
avô para ver a engenhoca funcionar. Com 11 anos, pegou escondido uma
bicicleta da família e rodou com ela 20 quilômetros, até um local que
não conhecia, a fim de assistir à apresentação de um avião militar.
Quando viu o primeiro automóvel de sua vida, o garoto não se conteve:
saiu correndo atrás do veículo por quanto tempo pôde. Perguntava-se como
aquilo podia se mover por si mesmo, sem um cavalo que o tracionasse. Aos
16 anos foi para Tóquio, a 270 quilômetros dali, trabalhar como aprendiz
na oficina mecânica de carros e motos Art Shokai. Participou até da
construção de automóveis de corrida como o Curtiss, vencedor do 5º
Campeonato Japonês em 1924. Mais tarde, em 1928, abria uma filial da
empresa em Hamamatsu, sendo o único aprendiz da oficina a alcançar tal
independência. Ele citaria sempre o proprietário da Art Shokai, Yuzo
Sakakibara, como uma das pessoas que ele mais admirou em sua vida.
Insatisfeito com a ideia de que um homem precisasse se arrastar sob um
carro para efetuar reparos, Soichiro inventou o elevador para serviços
em automóveis. Participou também de competições, mas depois de um sério
acidente em 1936, que feriu mais seu irmão — o mecânico Benjiro — que a
ele próprio, sua esposa Sachi o convenceu a abandonar o esporte.
Contudo, a oficina não era suficiente para satisfazer Honda. No ano
seguinte, aos 31 de idade, ele passava a fabricar anéis de pistão para
motores trabalhando à noite enquanto de dia mantinha a Art Shokai. Logo
seria presidente da fábrica de anéis, a Tokai Seiki.
Após ouvir a negativa de um potencial cliente que duvidava da qualidade
do produto, Soichiro buscou formação técnica e passou a cursar a Escola
de Tecnologia de Hamamatsu. Não seguia o padrão de um bom aluno, porém:
negava atenção a qualquer assunto que não se relacionasse a anéis e
pistões e não fazia provas escritas. Ameaçado pela diretoria de não
receber diploma ao fim do curso, respondeu que o documento valeria menos
que um ingresso de cinema: "O bilhete garante um lugar para assistir ao
filme, mas um diploma não garante trabalho a ninguém", alegou. Honda
refutava o gakubatsu, hábito da indústria japonesa na época de valorizar
a formação educacional do funcionário acima de seu conhecimento para o
trabalho.
A guerra trouxe dificuldades à Tokai Seiki, que teve a unidade de
Yamashita destruída por um bombardeio. Como se não bastasse, a fábrica
de Iwata veio abaixo com o terremoto Nankai, em 1945. Após o fim do
conflito, em meio a um Japão destruído, Soichiro fundava o Instituto de
Pesquisa Técnica Honda para atuar em diferentes áreas de engenharia e
manufatura. Depois de instalar um pequeno motor em uma bicicleta — algo
que já existia, mas não era comum no Japão —, descobriu um promissor
segmento de mercado. Logo passava a fabricar motores que eram fornecidos
à empresa Kitagawa. Não demorou a ganhar reputação pela qualidade dos
propulsores.
Mas ele queria mais: motorizar a população japonesa. Em setembro de 1948
fundava a Honda Motor Company, com 34 funcionários ao todo. O primeiro
produto com a marca da empresa era a bicicleta motorizada Tipo A. Com o
lançamento de sua verdadeira moto, a Tipo D ou Dream (sonho), em 1949, a
Honda ganhava o pontapé que a levaria ao topo do mercado. Ao adotar um
mecanismo automático de embreagem, o genial Soichiro havia eliminado
essa manete de comando, fator de complicação para os iniciantes, o que
tornou sua condução bem mais simples. O pequeno motor a dois tempos de
98 cm³ não escondia as grandes pretensões da Honda. No
mesmo ano, Soichiro fechava um acordo com o amigo Takeo Fujisawa, que
traria investimento e cuidaria das análises de mercado, enquanto Honda
entrava com a bagagem técnica.
Continua
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