Ferruccio ainda antes da
fundação da Lamborghini Automobili, em cima, e na apresentação do 350
GTV em 1963 -- o carro ainda não tinha motor
Depois que o conceito GTV não
agradou, a Lamborghini pediu à Bertone um novo desenho para o 350 GT (no
centro) e sua evolução, o 400 GT |
Poucos nomes estão ligados tão intimamente ao universo dos grandes
superesportivos quanto o de Ferruccio Lamborghini. Embora desligado do
fabricante que leva seu sobrenome já na década de 1970, esse italiano
instalado em Sant'Agata Bolognese representou com seus automóveis um
forte oponente aos que Enzo Ferrari produzia em Maranello, a 35
quilômetros dali.
Ferruccio Elio Arturo Lamborghini nasceu em 28 de abril de 1916 em
Renazzo di Cento, na província de Ferrara, na região da Emília-Romanha,
norte da Itália. Filho de Antonio e Evelina Lamborghini, cresceu em meio
ao cultivo de uvas, mas se interessava mais pelo maquinário da fazenda
que pelas frutas ali produzidas. Estudou mecânica no instituto técnico
de Fratelli Taddia, perto de Bolonha, e em 1940 entrou na Força Aérea
Italiana, na qual se tornou supervisor de manutenção. Servia na Ilha de
Rodes quando os ingleses assumiram o local, já no fim da Segunda Guerra
Mundial, em 1945. Foi preso e voltou à Itália só no ano seguinte.
Casou-se, mas a esposa morreu ao dar a luz ao filho Antonio, o "Tonino".
No pós-guerra, Lamborghini abriu uma oficina em Pieve di Cento e passou
a dedicar horas vagas à preparação de automóveis. A partir de um dos
vários Fiats Topolino que
possuiu, fez um modelo aberto de dois lugares com motor aumentado de 500
para 750 cm³ e válvulas no cabeçote chamado de Testa d'Oro para competir
na Mille Miglia (Mil Milhas) de 1948. Depois de 700 milhas (1.120
quilômetros) de prova, bateu o carro no muro de um restaurante nas
cercanias de Turim. Decidiu ficar por ali mesmo degustando um bom vinho.
"Aquilo foi o bastante de corridas para mim", ele contaria mais tarde —
um ponto de vista não compartilhado por outro italiano com que se
debateria depois.
A Itália daquela época vivia a escassez de maquinário e produtos para
agricultura, pois a indústria havia passado anos dedicada ao conflito.
Para seu pai, Ferruccio construiu um trator a partir de velhos
componentes como um motor de seis cilindros da inglesa Morris. O veículo
despertou o interesse de amigos de Antonio, levando o filho a montar
outras unidades com peças militares e motores Morris. A demanda foi tal
que ele enxergou um bom negócio. Em 1948 abria a Lamborghini Trattori
S.p.A., na própria oficina de Pieve di Cento, e passava a fabricar
tratores em larga escala — na década seguinte chegaria ao ritmo de mil
exemplares por ano. Seus modelos em preto e branco tornaram-se presença
comum nos campos italianos e dominaram fatia importante do mercado. Com
conhecimentos obtidos em visita aos Estados Unidos, diversificava as
atividades em 1959 com a Lamborghini Bruciatori, que fazia aquecedores a
óleo. Ao passar a produzir também aparelhos de ar-condicionado, mudou o
nome da empresa para Lamborghini Calor. Tentou fabricar até
helicópteros, mas não obteve licenciamento do governo e ficou no
primeiro exemplar.
Bem-sucedido, Ferruccio havia deixado para trás os tempos de pequenos
Fiats. Nos anos 50 e início dos 60 teve carros esporte e de luxo como
Alfa Romeo 1900 Sprint e Super Sprint,
Lancia Aurelia,
Mercedes-Benz 300 SL "Asas de
Gaivota", Jaguar E-Type e
dois Maseratis 3500 GT. Naturalmente,
também possuiu alguns Ferraris. Começou em 1958 por um
250 GT cupê com carroceria
Pininfarina, teve um 250 SWB Berlinetta com desenho Scaglietti e um 250
GT de 2+2 lugares. Gostava deles:
"Depois de pegar meu primeiro Ferrari, meus outros seis carros só
ficavam na garagem", contaria. Considerava-os os melhores em um teste de
acelerar até 200 km/h e colocar o câmbio em ponto morto, observando por
quanto tempo rolavam por inércia. Mas não estava de todo satisfeito com
a marca do cavalo empinado: achava-os mal-acabados, barulhentos e
desconfortáveis, meros modelos de corrida adaptados para uso em rua. Os
Ferraris da época tinham problemas elétricos e de superaquecimento e,
acima de tudo, ele lamentava que as embreagens de vida útil curta
exigissem frequentes viagens a Maranello para substituição, o que tomava
tempo e deixava o empresário irritado — ainda mais por não poder
acompanhar o serviço.
Há lendas e histórias sobre o que ele fez a esse respeito. Uma delas
conta que, após muito tempo aguardando na gelada sala de espera onde
Enzo deixava os que fossem até ele fazer reclamações, Ferruccio desistiu
do encontro e saiu nervoso, avisando ao porteiro que desse um recado a
seu patrão: "Quem esteve aqui foi Lamborghini! Um dia ele vai se
lembrar". Contudo, o próprio empresário contou uma versão diferente em
entrevista à revista Thoroughbred & Classic Cars em 1991: ele foi
até o comendador reclamar e, como muitos, levou um demorado chá de
cadeira. Ao ser afinal recebido, explicou o motivo da visita e
esbravejou: "Ferrari, seus carros são lixo!". Não é preciso dizer que
isso deixou o orgulhoso Enzo furioso. "Lamborghini, você pode saber
dirigir tratores, mas nunca saberá dirigir Ferraris adequadamente",
respondeu o inflexível homem de Maranello. Teria nascido ali, como uma
revanche, a decisão de Ferruccio de fabricar seus próprios carros
esporte — embora seja natural que, como um astuto homem de negócios, ele
tenha percebido que as margens de lucro seriam bem mais gordas nesse
mercado que na produção de tratores.
Continua
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