Ameaçador dos faróis de leds
às grandes saídas de escapamento, o
R8 exala potência por todos os poros e convida a ser explorado a fundo
É hora de entrar na pista da
Fazenda Capuava, de dar vazão aos 525 cv e 54 m.kgf do motor V10, bem
distribuídos pela tração integral variável |
O falecido Alcides Diniz, do Grupo Pão de Açúcar, era um homem de gosto
refinado. Cavalos, mega-iates e carros de corrida. Para estes últimos,
construiu uma verdadeira pista numa fazenda de sua propriedade na região
de Vinhedo, SP. Alcides faleceu em junho de 2007, aos 63 anos, e o que
foi feito dos cavalos e barcos de "Cidão", como era chamado pelos
amigos, não se sabe. Sobre seus carros de corrida — os mais notórios um
Lister Jaguar, os Mercedes-Benz CLK em versões DTM e GTR, um Aston
Martin DBR9 e outras coisinhas —, sabe-se que foram vendidos rapidamente
pelos herdeiros. Para nossa sorte, porém, a pista da Fazenda Capuava
resiste incólume. E agora, em vez de receber Cidão e amigos para tardes
de lenha memoráveis, está disponível para locação de quem queira um belo
traçado encravado numa muito bem cuidada propriedade rural.
E foi esse o palco escolhido pela Audi para, num estupendo sábado de
outono, convidar clientes VIP e jornalistas a andarem em boa parte de
sua linha de produtos disponível no Brasil no Audi Driving Experience.
Lá estavam reluzentes A3, S3, A4, A6, TT-S, Q5, Q7 e R8 V10. Nosso foco?
Adivinhe?
O R8 V10, claro. E explicamos: uma conta estava em aberto, havia um
ajuste a ser feito. De fato, tratava-se quase de uma "vendetta". Nas
páginas do Best Cars você já leu sobre os Audis citados,
avaliados pela equipe em diferentes oportunidades. Apenas um deles —
logo o mais prestigiado, o cartão de visitas tecnológico da marca das
quatro argolas —, o poderoso R8 V10, havia nos deixado com uma dívida:
fora pilotado por uma colaboradora bissexta do site, Regina Garjulli,
por ocasião do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.
Cavalheiresca, a Audi resolveu brindar apenas colaboradoras do sexo
frágil para um teste no autódromo de
Interlagos de seu automóvel mais prestigiado e isso, convenhamos,
resultou em mais um sofrido capítulo da eterna guerra dos sexos. Este
que vos escreve, que com a citada colaboradora divide alegrias conjugais
há mais de 15 anos, se sentiu vilipendiado a cada café da manhã, a cada
diálogo ou referência a automóveis desde então.
O dito "homem da casa", o profissional do volante e do guidão, o
jornalista especializado em motores com mais de duas décadas de ofício
sofreu em silêncio. Durante enormes 68 dias teve de engolir o fato de
jamais, em sua longa carreira, ter pilotado nada com tantos cavalos
quanto a cara-metade, a contraparte, a "sócia" e consorte. E desde a
tarde do dia 8 de março a vida se tornou um inferno. Uma humilhação
silenciosa, feita de inequívocos sinais, olhares irônicos, risinhos de
canto de boca, de empáfia surda, insuportável... Mas o sofrimento de
mais de dois meses teve fim pois a Audi, em prol da continuidade de um
casamento, fez este autor ter acesso àquilo que até então só Regina
tinha tido: o volante do R8 V10. E na pista da Fazenda Capuava. Está
bem, Capuava não é Interlagos, eu sei. Mas é pista também, e muito
divertida — e duas voltas são melhores que uma.
E como foi? Extasiante e frustrante, ao mesmo tempo. Os 2.550 metros do
tortuoso traçado interiorano se mostraram estreitos para tanto poder,
tanta potência e torque concentrados. A melhor comparação que veio à
mente para explicar a experiência: cavalgar um rinoceronte amestrado
(isso é possível?) nos jardins de Versalhes usando esporas. Entenderam?
Não? Entenderão.
Rinoceronte, porque o Audi R8 é compacto, musculoso, imponente.
Amestrado, por ter dispositivos eletrônicos para controlar não apenas o
quanto de potência pode ser jogada ao solo como também para a dividir
entre as quatro grandes "patas". Jardins de Versalhes (em versão
tropical, é verdade), pois ao asfalto perfeito, à paisagem incomum se
juntou, na pista da Fazenda Capuava, um capricho quase maníaco, uma
elegância feita não só de graminha bem aparada, guard-rails bem
plantados e zebras impecavelmente situadas, mas — sobretudo — um traçado
para exercitar os braços, onde curvas se emendam uma nas outras em um
intenso sobe-e-desce, esquerda-e-direita de arrancar sorrisos de quem
gosta da esfregar pneus em asfalto.
E esfregamos mesmo. Tendo ao lado o piloto da Stock Car Norberto Gresse,
cumprindo função dupla de instrutor e vigilante, entramos no R8 V10 com
uma excitação de criança diante da árvore de natal tomada por presentes.
Confesso que não sabia para onde olhar, se para a alavanca do câmbio, o
volante, o painel, os muitos detalhes de fibra de carbono, os pedais.
Escolhi o óbvio: ajustar o assento, o volante e partir sem muitas
mesuras para o tão esperado momento de acelerar um dos carros mais
avançados da atualidade, um "brinquedinho" de R$ 700 mil. Meu
vigia/instrutor de luxo pergunta então se sei como usar o câmbio manual
automatizado, se vou deixar o serviço de troca de marcha por conta dos
gnomos que habitam as entranhas do R8 ou se me encarregarei da tarefa.
Respondo polidamente que trocaria eu mesmo e pelas alavancas tipo
borboleta do volante, mas penso comigo mesmo a barbaridade que seria
abdicar de ao menos isso, a troca de marcha.
Aceleração progressiva
Para mostrar ao prestativo Sr. Gresse que o momento seria intenso — bem
diferente dos que me precederam, uma moça que levou o "rinoceronte" pela
pista como levaria seu poodle pelo parque e um senhor tão careca quanto
eu, mas cujo brilho em sua passagem pelo R8 se resumiu ao suor na testa
—, decidi "socar o pé" sem muita frescura para sair do boxe. A distância
dali até a primeira curva, uma esquerda de 180 graus, míseros 150
metros, foi engolida num lampejo e os freios, como previa, tentaram
arrancar meus olhos da cara, o que me fez tomar a primeira decisão a
propósito do meu breve contato com o R8: frear pouco ou nada. Afinal, a
graça é acelerar, ou não? E fiz isso, acelerei fundo, o que me valeu o
comentário (em tom de bronca...) do passageiro instrutor, incomodado
pela forte escorregada de traseira: "Esse carro tem que ser acelerado
progressivamente e com as rodas alinhadas."
Continua |