Ao ser avisada que pilotaria um carro de mais de 500 cv em
Interlagos, meus dedos foram imediatamente parar na boca e o
esmalte novinho começou a ser roído. Como assim, 500 cv? Em
Interlagos? E por que eu?
Segundo meu marido — Roberto Agresti, colaborador do Best
Cars —, de quem recebi o convite-intimação, a oportunidade
não era para ser perdida. Afinal, um carro de R$ 700 mil (!!!)
não é todo dia que se pode dirigir, e ainda mais numa pista
lendária como Interlagos. Engoli a saliva com esmalte e topei.
A ideia da Audi era homenagear o Dia Internacional da Mulher
convidando jornalistas e vips — só mulheres — para andar em seus
carros, e de quebra montou um verdadeiro "circo" nos boxes de
Interlagos, com bufê chique, esteticistas e presentes finos para
as eleitas. Eu entre elas. A estrela da festa seria o tal carro
de 500 cv e R$ 700 mil, o Audi R8 V10, mas não faltaram outras
atrações como o S3, o A6, o
Q5, o
Q7 e o
TT-S. Andei em todos eles.
Com alguns na pista, caso do TT-S e do A6, no qual o alvo era
ver como funcionava um controlador de velocidade espertinho que
freava o carro sozinho quando a distância do carro da frente (um
A4) diminuía. Já no Q5 o teste era um slalom na área dos boxes,
para sentirmos a diferença do ajuste eletrônico das suspensões,
enquanto no grande Q7 a tarefa era uma baliza com ajuda do
sistema eletrônico.
É claro que, antes de soltar as madames nestes finos artigos de
transporte, a Audi se encarregou de realizar uma apresentação
sobre a tecnologia aplicada a cada carro, assim como quanto aos
segredos do circuito de Interlagos, o que não aplacou em nada
minha ansiedade. E dá-lhe esmalte roído...
No entanto, logo na primeira volta na pista, no grande sedã A6,
vi que não havia motivo para medo, pois "anjos da guarda" — no
caso desse carro uma "anjinha", uma jovem instrutora — nos
acompanhariam avisando o que fazer e especialmente o que não
fazer. Ainda bem! E os minutos foram passando. Entra num carro,
entra noutro, e nada de chegar minha vez de andar no R8 V10, a
estrela maior da festa. Quando estava quase desistindo, me
chamaram.
"Regina!"
Mãos (trêmulas) no volante. Um painel de nave espacial. Atrás de
mim, em vez de um banco de passageiros, um motor com quatro
vezes mais potência do que o do carro que dirijo todo dia. Ave!
Lembrei-me de meu pai, o Tico, e de seus caminhões. O basculante
International 1958 e o Chevrolet 1956. Lembrei-me da garagem na
casa da minha infância, do cheiro de óleo, da bancada da
oficina, dos câmbios desmontados e dos apelidos que ele deu a
mim e a meus irmãos: eu era a biela, minha irmã Rosana a
"virabrequim" e meu irmão Cláudio o "pistão", claro. Pensei
comigo mesmo: "Não posso decepcionar!".
Na janela do R8 V10, meu marido deu uma ordem: "Acelera fundo!".
E para meu horror o instrutor de pilotagem sentado ao meu lado
respondeu um "pode deixar" em tom enfático. Ai, ai, ai...
Percorri a área dos boxes rumo à saída para a pista em
velocidade de procissão, com muita vontade de olhar para aquele
espetacular painel, para os detalhes de fibra de carbono, para o
revestimento do interior daquela nave espacial, mas sabia que
era mais saudável olhar para a frente. Quando termina aquela
área, uma curva para a esquerda em descida nos direciona para um
corredor de guard-rails que me pareceu bem mais estreito e
ameaçador do que minutos antes, quando passei ali com o A6 e com
o TT-S. Sim, claro, porque o R8 parece mais largo e certamente é
mais baixo que eles.
Assim que entrei de fato na pista, o instrutor ordenou: "Acelera
fundo". Havia decidido passar as marchas com a alavanca no
console em vez de usar as borboletas atrás do volante, por uma
simples questão de simplificar as coisas para mim, já bastante
intimidada com tudo para assumir mais um aprendizado naquela
situação. |
Não consegui fazer o que
meu marido pediu ("leve o conta-giros até a faixa vermelha!"),
pois o trecho de reta me pareceu muito curto e empurrei a
alavanca do câmbio para frente antes do ponteiro chegar a 8.000
rpm, quando o motor do meu carro de todos os dias já teria
virado fumaça.
Mas o que senti já foi suficiente: um empurrão daqueles de avião
a jato decolando; aliás, até mais forte. E na cabine o ruído
vindo do motor indica mesmo que algo explosivo está acontecendo
logo ali atrás, onde normalmente nos carros que guio estão
crianças gritando. Os 525 cv estão todos ali, furiosos, mas
contidos, controláveis. Bem mais do que as crianças, por sinal.
O volante é firme e o acelerador responde com vigor, mas não de
maneira nervosa, que transmita insegurança. O mais assustador é
realmente o empurrão quando o acelerador é levado até o fundo e,
acreditem, na minha volta em Interlagos isso aconteceu mais de
uma vez.
Sim, porque depois do susto inicial na reta da saída dos boxes —
que soube depois se chamar "reta oposta" — acelerei fundo mais
uma vez na retinha seguinte, e aí fui mesmo até a tal faixa
vermelha, ou quase. Depois da experiência de ter as costas
coladas ao banco, senti os olhos saírem da órbita e meu pesado
colar puxar o pescoço para frente por causa dos freios, que,
mesmo com pista úmida, reduziram a velocidade de um jeito
excessivo para a curva seguinte. Naquele lugar que o instrutor
me disse ser o "miolo" da pista, notei o quanto esse Audi é
ambíguo. Um tigre quando se coloca o pé no fundo, mas um gatinho
se levado como levo meu carro na volta do supermercado, quando
não sei onde foi parar a caixa de ovos, que imagino sempre
esmagada pela pesada garrafa de suco de uva.
Meu sonho de dona de casa foi bruscamente encerrado pela voz do
instrutor, me ordenando para parar e sentir "o torque" e a
"capacidade de tração" do sistema Quattro que, como me disseram
na apresentação, distribui a força do motor pelas quatro rodas
de maneira inteligente. E então o rapaz me mandou colocar
primeira com o bico do carro apontando para uma caixa d’água em
forma de disco voador, o que me fez pensar "vamos parar lá em
cima?". Sabia que aquela era a entrada da reta de chegada de
Interlagos e que minha experiência com o R8 V10 estava para
terminar.
Então criei coragem e acelerei fundo mais uma vez: em nome do
meu pai, o Tico, do meu marido e de todos vocês leitores do
Best Cars, que — muito mais do que eu — mereceriam estar
pilotando esse maravilhoso carro. E novamente senti as costas
grudadas no banco, os cavalos gritando atrás das minhas costas e
a espetacular sensação de pilotar um carro realmente especial.
E, por que não dizer, paradoxal, pois ao mesmo tempo em que
consegue reunir o máximo em termos de tecnologia, potência,
estilo e acabamento, permite a uma mera mortal pilotá-lo
decentemente (acho) em Interlagos e entender o que leva muitos
"meninos", e até algumas "meninas", a desejarem fortemente este
estupendo R8 V10, um belíssimo poço de alta tecnologia.
Regina
Garjulli |