Apesar das conhecidas qualidades, o SUV tem como ser aperfeiçoado em aspectos técnicos: entenda quais
Texto: Felipe Hoffmann – Fotos: autor e Fabrício Samahá
Em sua segunda semana no teste Um Mês ao Volante, o Hyundai Creta Sport com motor de 2,0 litros se manteve em uso urbano e com gasolina. No total foram 396 quilômetros com média geral de 10,4 km/l. A melhor marca foi num trecho de quase 12 km após a meia-noite com 80% do uso na Marginal do rio Pinheiros, ou seja, velocidade constante de 90 km/h, resultando em 15,6 km/l com média de 51 km/h. Por outro lado, trechos mais corriqueiros e com trânsito mostraram consumo elevado, como numa rota comum nossa de 11,5 km, onde fez apenas 8,2 km/l com média 20 km/h em trânsito anda-para. A pior marca foi de 5,7 km/l em voltas pelo bairro a meros 16 km/h de média.
O Creta tem agradado pelo bom ambiente interno, o desempenho dos melhores na classe e a eficiência do ar-condicionado no verão paulistano. Como fomos obrigados a abastecer antes da troca de combustível, aproveitamos para ir até perto do limite, quando a luz da reserva já se exibia no painel fazia um bom tempo e a autonomia do computador de bordo marcava apenas 7 km. Contudo, ao completar o tanque entraram 45,6 litros, quase 10 a menos que o volume divulgado. Assim, quando formos mudar para álcool para a próxima semana, rodaremos um tanto com a autonomia zerada a fim de diminuir a mistura entre combustíveis.
Para contornar características que penalizam o consumo — como aerodinâmica de SUV, peso elevado e um dos motores mais potentes da categoria —, a Hyundai adota medidas como o sistema automático de parada/partida do motor, que tem suas peculiaridades. Quando se alivia o pé do freio, o motor parte já com a primeira marcha engatada (alguns carros passam ao ponto-morto e então voltam à primeira). Essa manobra garante uma partida rápida, com o motor de arranque elevando a rotação para apenas 300-400 rpm. O motor então sobe até 1.200-1.300 rpm e volta para marcha-lenta. O estranho é que, mesmo no plano e até em leve descida, o assistente de saída em rampa fica segurando o carro até que a rotação se estabilize. Se o assistente não atuasse o carro sairia andando já durante a partida, o que talvez não fosse difícil de refinar — outras marcas fazem assim.
Acelerador, transmissão e a parada/partida automática do motor do Creta poderiam ser mais refinados, para eliminar alguns comportamentos indesejados
A calibração do assistente também poderia ser mais refinada: durante a partida o carro anda um pouco, freia de novo ao cair a rotação e só depois sai andando, o que torna a partida desconfortável e estranha. Além disso, caso o motorista venha diminuindo aos poucos a velocidade a ponto de quase parar, o sistema entende que o carro parou e desliga o motor quando não deveria. O resultado é um tranco, pois se está freando para manter a baixa velocidade enquanto o motor empurra o carro e, subitamente, o motor apaga. Talvez a solução fosse um retardo para desligar o motor, como 3 ou 4 segundos, mas o fabricante deve ter buscado economizar o máximo de combustível, sobretudo nos ciclos oficiais de medição de consumo.
Outro possível fator para o consumo urbano elevado: acima de 10-15 km/h o motor não fica em marcha-lenta, mas por volta de 1.200 rpm. Com isso, dirigindo a 30-40 km/h, caso se diminua pelo freio até perto de 15 km/h e se solte esse pedal, o carro acelera de novo até por volta de 30 km/h. Ou seja, para manter 15-20 km/h precisa-se frear enquanto o motor briga contra — além de estranho, gasta-se mais. O fenômeno acontece mesmo em descidas. Em uma delas, a 40 km/h, o computador no consumo instantâneo marcava 12 a 15 km/l enquanto freávamos.
Nessa situação o motor deveria estar em freio-motor pelo corte da injeção de combustível (cut-off), que preserva os freios e melhora o consumo. O Creta, porém, praticamente anda sozinho a 50 km/h em sexta marcha por causa desse comportamento. E são raras as situações em que a central corta a injeção ao tirar o pé do acelerador, mesmo em velocidades como 80-90 km/h — ele lembra um carro de transmissão manual em ponto-morto. Talvez seja uma estratégia comum na marca para melhorar o consumo no ciclo-padrão europeu, no qual há vários trechos de velocidade constante em que basta o condutor liberar o acelerador para o carro rolar de forma mais econômica possível. No mundo real, porém, acaba sendo um tiro no pé tanto em consumo como em dirigibilidade.
Outra estranheza do Creta é o pedal do acelerador com curso relativamente longo e baixa resistência, a ponto de o pé do motorista variar a posição do pedal ao passar por ruas desniveladas, criando acelerações desnecessárias. A combinação de baixa resistência e uma progressão (percentual de pedal vs. percentual de torque) bem agressiva traz a sensação de carro “esperto”, pois ao se aplicar pouca força no pedal ele afunda mais do que deveria (nosso pé modula melhor força do que movimento) e o carro acelera mais.
Para manter 15-20 km/h precisa-se frear enquanto o motor briga contra, mesmo em descidas: além de estranho, gasta-se mais combustível
No começo do curso do pedal, com o carro parado, a resposta é relativamente suave, o que facilita em manobras de estacionamento, mas a partir de certa posição ou de 10-15 km/h a progressão se torna agressiva. Como relatou o editor Fabrício Samahá em comparativo de SUVs, foi impossível manter cerca de 2.000 rpm com a transmissão em P, pois os giros subiam muito com mínima variação de pedal. Tanto pelo ruído do motor (bem isolado e difícil de notar) como na leitura do instrumento de medições Race Capture Pro, qualquer movimento a mais do pedal leva o motor para perto de seu torque máximo naquela condição.
O acelerador de baixa resistência e progressão bem agressiva traz a sensação de carro “esperto”, pois ao se aplicar pouca força o pedal afunda e o carro acelera mais
O resultado é a impressão de carro ágil na primeira volta, mas o curso longo cria a sensação de faltar potência quando se precisa. Por exemplo, ao começar uma subida, se abre mais o pedal e logo se atinge o máximo de torque daquela rotação. Ao pressionar ainda mais, nada acontece. A perda de velocidade então obriga o motorista a acelerar tanto que provoca uma redução de marcha, e o carro acaba ganhando mais velocidade do que se espera por causa do aumento de rotações. Nisso o motorista alivia o pé e a central manda passar à marcha mais longa de novo, como nos carros antigos, cuja transmissão automática não reconhecia subidas.
Para entender melhor, criamos gráficos que são usados por calibradores de transmissão e ajudam a verificar se o carro atende aos critérios de cada fabricante. O primeiro gráfico ilustra o carro no dinamômetro de rolo, em velocidade constante (o dinamômetro aumenta seu freio, para não deixar a velocidade subir conforme se acelera o carro, e também empurra as rodas enquanto não se está acelerando para a velocidade não cair). Então se pressiona o acelerador de forma constante e progressiva, no caso, 1% de pedal por segundo. No exemplo, a velocidade é de 70 km/h e começa-se em sexta marcha.
Gráfico 1: exemplo didático do acerto do Creta, o qual mantém a mesma marcha durante grande trecho de variação do uso do acelerador
Conforme se abre mais o pedal, o torque aumenta até chegar ao máximo daquela rotação. Isso gera uma certa força de tração nas rodas, que fica constante depois que o motor chega ao máximo. Permite-se pressionar o pedal durante mais alguns % para auxiliar a dirigibilidade. O problema no Creta é que esse trecho é muito longo, o que passa a sensação de acelerar mais sem que nada aconteça. Uma vez que se reduz a marcha, a rotação do motor sobe (a velocidade das rodas não muda), o que aumenta a força de tração em maior grau do que se espera.
Isso acontece porque se mantém o motor no máximo (borboleta 100% aberta) desde que se chegou ao primeiro patamar na sexta marcha. Quanto maior a diferença de relação entre as marchas, maior será esse ganho de força e aceleração. No gráfico, o motor chegou ao máximo e produziu 1.300 N em sexta marcha, o que não foi suficiente para manter a velocidade na subida. Assim, a caixa passou para quinta e passou-se a fornecer 2.500 N às rodas, o que pode ser muito e começar a acelerar o carro.
Caso haja o reconhecimento pela central da transmissão de que o carro está em subida, ela permitirá manter a quinta marcha ao aliviar o pé e reduzirá o torque do motor, fechando um pouco a borboleta. Mas isso cria variações na velocidade, o que leva o motorista a ajustar o pedal para compensá-las. Se o reconhecimento de subida não for tão refinado — caso do Creta —, a transmissão volta para sexta e está criado um problema de dirigibilidade.
Gráfico 2: exemplo didático do acerto mais perto do ideal, mas raro na indústria
Por incrível que pareça, grande parte dos fabricantes prefere o ajuste de reduzir a marcha primeiro, com o motor no máximo, para depois tirar torque do motor caso o motorista perceba que a redução gerou muita aceleração. Em nossa experiência na indústria, foi muito raro constatar um refinamento tão bom a ponto de tudo ocorrer de forma progressiva, como no gráfico 2, por ser muito mais difícil e demorado para calibrar.
Quanto mais marchas se têm, menos chances desse “degrau” ocorrer. Seguindo esse raciocínio, o uso de transmissão automática de variação contínua (CVT) acaba sendo ideal: mantém-se o motor no máximo a partir de 1.300 rpm, por exemplo, e vai-se aumentando a rotação com uma relação direta e progressiva com o pedal, o que fará a força ser também progressiva. O resultado é a impressão de melhor desempenho ao motorista leigo junto com o melhor consumo possível.
Semana anterior
Segunda semana
Distância percorrida | 396 km |
Distância em cidade | 396 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 10,4 km/l |
Consumo médio em cidade | 10,4 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 15,6 km/l |
Pior média | 8,2 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Desde o início
Distância percorrida | 851 km |
Distância em cidade | 851 km |
Distância em rodovia | – |
Consumo médio geral | 10,1 km/l |
Consumo médio em cidade | 10,1 km/l |
Consumo médio em rodovia | – |
Melhor média | 15,6 km/l |
Pior média | 6,5 km/l |
Dados do computador de bordo com gasolina |
Preços
Sem opcionais | R$ 98.990 |
Como avaliado | R$ 98.990 |
Completo | R$ 100.190 |
Preços sugeridos em 4/2/19 em São Paulo, SP |
Ficha técnica
Motor | |
Posição | transversal |
Cilindros | 4 em linha |
Comando de válvulas | duplo no cabeçote |
Válvulas por cilindro | 4, variação de tempo |
Diâmetro e curso | 81 x 97 mm |
Cilindrada | 1.999 cm³ |
Taxa de compressão | 12,0:1 |
Alimentação | injeção multiponto sequencial |
Potência máxima (gas./álc.) | 156/166 cv a 6.200 rpm |
Torque máximo (gas./álc.) | 19,1/20,5 m.kgf a 4.700 rpm |
Transmissão | |
Tipo de caixa e marchas | automática, 6 |
Tração | dianteira |
Freios | |
Dianteiros | a disco ventilado |
Traseiros | a tambor |
Antitravamento (ABS) | sim |
Direção | |
Sistema | pinhão e cremalheira |
Assistência | elétrica |
Suspensão | |
Dianteira | independente, McPherson, mola helicoidal |
Traseira | eixo de torção, mola helicoidal |
Rodas | |
Dimensões | 6,5 x 17 pol |
Pneus | 215/60 R 17 H |
Dimensões | |
Comprimento | 4,27 m |
Largura | 1,78 m |
Altura | 1,635 m |
Entre-eixos | 2,59 m |
Capacidades e peso | |
Tanque comb. | 55 l |
Compartimento de bagagem | 431 l |
Peso em ordem de marcha | 1.399 kg |
Desempenho e consumo | |
Velocidade máxima | 188 km/h |
Aceleração de 0 a 100 km/h | 9,7 s |
Consumo em cidade (gas./álc.) | 10,0/6,9 km/l |
Consumo em rodovia (gas./álc.) | 11,4/8,2 km/l |
Dados do fabricante; ND = não disponível; consumo conforme padrões do Inmetro |