Em 25 anos, o utilitário que construiu a ponte entre o Defender e
o Range Rover aproximou-se do segundo em refinamento e tecnologia
Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
A inglesa Land Rover — braço da Rover especializado em modelos fora de estrada desde 1948, quando lançou o jipe hoje chamado de Defender — pode ser considerada uma das pioneiras no conceito de utilitário de luxo, veículos capazes de cruzar desertos e desbravar trilhas sem abrir mão do charme e do conforto. O Range Rover, lançado em 1970, foi um dos precursores — se não o primeiro — de uma categoria que hoje conta com muitos adeptos mundo afora, movimentando fabricantes os mais diversos da BMW à Lexus, da Porsche à Mercedes-Benz.
Contudo, à medida que a concorrência passava a oferecer alternativas, a empresa percebia haver espaço para um modelo intermediário entre o Land Rover original e o Range Rover. Em 1985 começava o projeto Jay, destinado a oferecer recursos técnicos do modelo luxuoso em um pacote mais simples e por um preço mais baixo. Quatro anos mais tarde, em outubro de 1989, era apresentado o Discovery (descobrimento em inglês).
Esboços de 1985 para o projeto Jay, com diversas soluções aproveitadas
no Discovery, e modelos de definição de estilo com lados diferentes
Simples e robustas: assim eram as formas do novo Land Rover, oferecido de início apenas com três portas, seguido um ano depois pela versão de cinco. A carroceria de linhas retas era bastante alta (1,97 metro) para o comprimento de 4,54 m e a largura de 1,79 m; a distância entre eixos media 2,54 m. As grandes janelas eram complementadas por estreitos vidros nas laterais superiores. Grade, para-choques e molduras dos para-lamas vinham em plástico sem pintura.
O Discovery tinha tração integral permanente:
na maioria dos concorrentes, o sistema só
podia ser aplicado em pisos de baixa aderência
Ao contrário do Range Rover e de outros utilitários esporte como o Toyota Land Cruiser, que usavam duas tampas traseiras (uma aberta para cima, outra para baixo), o Discovery usava uma única porta articulada no lado direito que trazia o estepe consigo, a mesma solução do Mitsubishi Pajero da época. Ela dava acesso não só ao compartimento de carga, mas também a pequenos bancos opcionais montados nas laterais, um de frente para o outro, que ampliavam a capacidade de cinco para sete pessoas.
Desenhado pela consultoria externa Conran Design Group, o interior do utilitário adotava soluções como plásticos e revestimentos de bancos em azul, porta-mapas acima do para-brisa, alças de apoio para os passageiros de trás nos encostos de cabeça dianteiros e a opção de dois tetos solares. Numerosos componentes — comandos, instrumentos, maçanetas e outros — vinham de automóveis da Rover para economia de escala.
O modelo inicial do Discovery: três portas, grande altura, tração integral
permanente e opção entre motores turbodiesel de 2,5 litros e V8 de 3,5 litros
De início a Land Rover oferecia dois motores ao novo modelo: o quatro-cilindros turbodiesel 200 TDi de 2,5 litros, com potência de 113 cv e torque de 27 m.kgf, e o tradicional V8 de alumínio — um antigo projeto comprado da Buick norte-americana — de 3,5 litros com carburador, 155 cv e 26,3 m.kgf. Por algum tempo ficou disponível uma unidade a gasolina de 2,0 litros e 16 válvulas, com injeção, 134 cv e 19,4 m.kgf, que aproveitava a menor tributação a motores abaixo de 2.000 cm³ em países como Itália e a própria Inglaterra.
Todo Discovery vinha com tração integral permanente, sistema diverso do usado pela maioria dos concorrentes, que só podia ser aplicado em pisos de baixa aderência. Havia caixa de transferência (reduzida) e bloqueio do diferencial central para quando se desejasse repartir por igual o torque entre os eixos. A arquitetura tradicional, com carroceria sobre chassi, usava suspensões com eixos rígidos e molas helicoidais; os freios eram a disco nas quatro rodas.
O motor V8 adotava injeção eletrônica já em 1990 para passar a 163 cv. Outras mudanças vinham em 1992, quando o Discovery recebia as opções de caixa de câmbio automática, interior em cor bege e o pacote SE com rodas de alumínio, faróis de neblina e barras de teto. Aparecia também o Discovery Commercial, um furgão com dois lugares e três portas, que aproveitava benefícios fiscais da legislação britânica a esse tipo de veículo.
As suspensões de eixos rígidos permitiam ângulos extremos no fora de estrada;
no interior, componentes de carros Rover e bancos adicionais na traseira
Na revista inglesa Car, o Discovery V8 enfrentou o Mitsubishi Shogun (Pajero) V6, o Range Rover Vogue SE e o Toyota Land Cruiser VX: “A potência e o torque adicionais do V8 com injeção fazem muita diferença para o desempenho do Discovery; o consumo também melhorou. Ele tem músculos em baixa rotação para rodar sem esforço” — de fato, suas acelerações só perderam para as do Range Rover, dotado de motor de 3,95 litros ante 3,5.
“O Discovery tem suspensão mais firme que o Range Rover e inclina menos nas curvas, além de ter melhor sensação de direção. O Range tem mais classe, é o mais rápido, o mais agradável de dirigir, mas simplesmente não vale 11 mil libras a mais que o Discovery. Para este, cinco portas e injeção fizeram toda a diferença e seu interior merece um prêmio pelo projeto. O V8i vence por pequena margem, mas está confortavelmente à frente no que se refere ao valor pelo dinheiro”, concluiu o comparativo.
A mesma publicação comparou em 1993 o Discovery de 2,0 litros a gasolina ao Nissan Terrano II e ao Vauxhall Frontera, ambos com motores de 2,4 litros. “Ele distingue-se pela tração 4×4 permanente e a excepcional articulação das rodas, obtida com eixos rígidos. Na Land Rover, capacidade fora de estrada é um modo de vida. O Discovery tem o maior vão livre do solo e o rodar mais confortável. Sua cabine, mais larga e alta que a dos rivais, é a mais espaçosa”, observou a revista.
A carroceria de cinco portas vinha em 1990, junto ao motor V8 com injeção; os
faróis cresciam em 1994; à direita, a versão furgão para uso comercial
Contudo, o peso elevado fez do Discovery o mais lento em aceleração e retomada e o menos eficiente em consumo; a inclinação da carroceria nas curvas era a mais acentuada. A conclusão foi que ele “transmite uma sensação de bem-estar: é um veículo especial, de grandes caráter e presença, o que aplaudimos. O problema é que o motor, decepcionante em potência e refinamento, não atende a esse pesado Land Rover”. O Frontera foi considerado o melhor.
Alterações mais extensas eram aplicadas em 1994. O motor turbodiesel passava a ser o 300 TDi, com 120 cv, enquanto o V8 crescia para 3,95 litros e rendia 182 cv e 32,1 m.kgf. Faróis maiores e lanternas adicionais no para-choque traseiro eram as mudanças externas. No mesmo ano a Land Rover começava a vendê-lo nos Estados Unidos, o que exigiu a aplicação de bolsas infláveis frontais e, dois anos mais tarde, de gerenciamento eletrônico de injeção e ignição compatível com análises OBD-II.
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Pela Honda
Rover e Honda mantiveram uma parceria entre a década de 1980 e 1994 (ano da compra da empresa britânica pelo grupo BMW), o que deu origem a vários casos de “engenharia de emblema” (badge engineering em inglês), com produtos da marca inglesa sendo vendidos pela japonesa e vice-versa.
A estratégia abrangeu o Discovery, que na primeira série foi vendido no Japão como Honda Crossroad entre 1993 e 1998. Era oferecido apenas com o motor V8 a gasolina de 3,95 litros e 182 cv e câmbio automático de quatro marchas, com opção entre três e cinco portas.
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