Marcas: as curiosas origens dos nomes dos fabricantes

 

Muitas são chamadas como os fundadores, mas a história
registra também formas inusitadas de denominar uma empresa

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

Você sabia que os nomes Fiat, Saab e Simca são na verdade siglas? Que o trio de marcas francesas Citroën, Peugeot e Renault tem seus nomes originários dos fundadores? E que Audi foi a solução encontrada pelo criador da empresa ao ser impedido de usar o próprio sobrenome?

Se os fabricantes de automóveis surgissem hoje, talvez todos usassem denominações elaboradas por departamentos de marketing, como Lexus (que sugere luxo) da Toyota, Infiniti (que vem de infinity, infinito em inglês) da Nissan e Acura (inspirada em accurate ou correto, preciso em inglês) da Honda, marcas desenvolvidas na década de 1980 para disputar o mercado de luxo nos Estados Unidos. No entanto, grande parte das principais empresas que produzem carros surgiu no século XIX ou nas primeiras décadas do século XX, quando havia pouca criatividade com esse fim.

É por isso que muitas delas trazem o sobrenome de seus fundadores, homens como Adam Opel, Alejandro de Tomaso, André Citroën, Armand Peugeot, Bruce McLaren, David Dunbar Buick, Emile Delahaye (da extinta fábrica francesa), Enzo Ferrari, Errett Lobban Cord (da antiga norte-americana), Ettore Bugatti, Ferdinand Porsche, Ferruccio Lamborghini, Henry Ford, Henry Frederick Stanley Morgan (da marca inglesa de carros esporte), Herbert Austin (outra britânica), Jehangir Tata (da empresa indiana), João Augusto Conrado do Amaral Gurgel, John Willys, Louis Chevrolet (associado a William C. Durant), Louis Delage (da antiga francesa), James Alexander Holden (da marca australiana, apesar de não fazer automóveis na época), Michio Suzuki, Ransom E. Olds (criador da Oldsmobile), Soichiro Honda, Vincenzo Lancia, Walter Chrysler, Walter Owen Bentley e Wilhelm Maybach (da marca de luxo alemã).

 

 
Nobres ou populares, muitas marcas foram denominadas com o sobrenome de
seus fundadores, o que inclui várias entre as que estão instaladas no Brasil 

 

Em alguns casos o crédito pertence a uma família, como ocorre com a Dodge (último nome de Horace Elgin e John Francis), a Maserati (os irmãos Alfieri, Bindo, Carlo, Ettore e Ernesto), a Renault (Louis, Marcel e Fernand) e as antigas marcas norte-americanas Duesenberg (irmãos August e Frederick), Packard (irmãos James Ward e William Doud, associados a George Lewis Weiss) e Studebaker (Clem, Henry, Jacob , John e Peter).

Em outros, o nome provém da combinação de sobrenomes dos fundadores, como nos casos da Rolls-Royce (Henry Royce e Charles Rolls), da extinta marca italiana Isotta Fraschini (associação de Cesare Isotta aos irmãos Vincenzo, Antonio e Oreste Fraschini) e da Daimler-Benz, associação iniciada em 1926 entre a Benz & Cie, de Karl Benz, e a Daimler Motoren Gesellschaft, de Gottlieb Daimler e Wilhelm Maybach — hoje a empresa é apenas Daimler AG, depois de ter sido DaimlerChrysler entre 1998 e 2007.

 

A Jaguar começou como Swallow Sidecar, ou SS, mas a sigla teve de ser abandonada pela semelhança com a organização paramilitar de Hitler

 

O nome Mercedes, por sua vez, foi uma homenagem. Seu primeiro uso, em 1900, foi em um carro desenvolvido por Maybach sob encomenda de Emil Jellinek, empresário austríaco que fazia parte da diretoria da Daimler. O automóvel recebeu o nome da primeira filha de Jellinek, Mercédès — presente em espanhol —, e dois anos mais tarde a marca Mercedes era registrada pela Daimler e ganhava uso em novos modelos. O sufixo Benz, contudo, viria apenas em 1926 com a união entre os fabricantes.

Origens diferentes são as de duas divisões de luxo das maiores corporações norte-americanas, a GM e a Ford. A Cadillac foi fundada em 1902 por Henry Leland, que denominou a empresa em homenagem ao explorador francês Antoine Laumet de La Mothe, sieur de Cadillac, o fundador da cidade de Detroit. Já a Lincoln surgiu em 1917 — cinco anos antes de ser comprada pela Ford — pelo mesmo Leland, tendo como inspiração o décimo sexto presidente dos EUA, Abraham Lincoln, pelo qual o empresário nutria admiração. Na Chrysler, a divisão De Soto reverenciava outro explorador, o espanhol Hernando de Soto.

 

 
Quatro marcas de luxo consagradas, mas de origens diferentes: Rolls-Royce é associação,
Cadillac e Lincoln renderam homenagens e Mercedes-Benz foi resultado de ambos

 

O nome Toyota também vem de seus fundadores, mas só em parte. Sakichi Toyoda (assim mesmo, com “d”) era um construtor de teares que passou a fazer automóveis e decidiu lançar um concurso público para obter um novo logotipo para esse ramo. A criação vencedora acabou sendo modificada por sugestão de Risaburō Toyoda: com a grafia Toyota, a escrita em japonês usava oito traços — um número de sorte — e a sonoridade ficava mais agradável. Assim, a empresa foi registrada como Toyota Motor Company em 1937.

Da mesma forma, na holandesa Spyker os fundadores Jacobus e Hendrik-Jan Spijker decidiram trocar o ij pelo y para facilitar a leitura por estrangeiros, com vistas à exportação dos carros lançados no começo do século passado. A checa Škoda tem esse nome porque Emil Škoda comprou em 1859 a fábrica de máquinas em que trabalhava, a qual adquiriria mais tarde a Laurin & Klement para fazer carros. Nos EUA, a Pierce-Arrow começou em 1865 como Heinz, Pierce and Munschauer e tornou-se George N. Pierce Company. O Arrow (flecha) foi usado em alguns modelos e acabou incorporado ao nome da empresa em 1908.

 

 

Dos rolamentos à mitologia

Mas nem só de sobrenomes vêm as denominações dos fabricantes. Volkswagen, como muitos sabem, é “carro do povo” em alemão. A empresa foi fundada em 1937 pelo governo nazista como Gesellschaft zur Vorbereitung des Deutschen Volkswagens mbH, ou sociedade para a preparação do carro do povo alemão. Volvo significa “eu rodo” em latim, mas no sentido original não se referia a automóveis: a marca surgiu em 1911 como subsidiária da também sueca SKF, ainda hoje um conhecido fabricante de rolamentos, e só em 1927 passou a fabricar carros.

Jaguar dispensa explicação — o elegante felino não raro vem representado pela mascote sobre o capô —, mas a empresa tem mais história para contar. Começou em 1922 como Swallow Sidecar Company, fabricando carros laterais para motocicletas, e passou a SS Cars. O nome Jaguar veio apenas em 1935 no modelo SS Jaguar, mas a sigla SS teve de ser abandonada com a Segunda Guerra Mundial pela incômoda semelhança com outra SS: a Schutzstaffel ou tropa de proteção, a organização paramilitar de Adolf Hitler.

 

 
Do felino aos rolamentos, do carro do povo a uma alteração gráfica do nome para
coincidir com um número de sorte: as variadas formas de denominar um fabricante

 

Alguns nomes vêm da mitologia, como Lada, a deusa eslava da harmonia e da juventude, que virou marca de carros russos. A nipônica Mazda, explica que seu nome deriva de Ahura Mazda, o deus da sabedoria e da harmonia na cultura indo-iraniana, mas também do nome do fundador Jujiro Matsuda (a tradução de Mazda Motor Corporation para o japonês é Matsuda Kabushiki-gaisha). Pégaso, nome do cavalo alado símbolo da imortalidade na mitologia grega, foi usado na antiga fábrica espanhola de carros esporte e caminhões Pegaso.

Mercury (divisão da Ford, não mais existente) parece vir do planeta Mercúrio, mas se refere ao deus homônimo da mitologia romana, um mensageiro e deus do comércio. Outras marcas norte-americanas fora do mercado são a divisão Pontiac da GM, que homenageava o chefe indígena Pontiac que viveu no século XVIII, e a Plymouth da Chrysler, uma alusão a Plymouth Rock, no atual estado de Massachusetts, por onde William Bradford chegou aos EUA no século anterior.

Próxima parte

 

 

 
Pegaso e Mazda inspiraram-se na mitologia; Subaru, em uma constelação; Pontiac,
em um
 chefe indígena; e a Audi surgiu da tradução do nome do fundador

 

O nome japonês para a constelação de Plêiades foi a inspiração para a Subaru, que pertence ao grupo Fuji Heavy Industries (FHI). SsangYong, marca sul-coreana, significa dragão duplo naquele idioma. Já Audi é uma tradução do nome do fundador August Horch. Depois de deixar sua empresa A. Horch & Cie. por desentendimentos com os sócios, o alemão abriu outra companhia — a Horch Automobil-Werke GmbH —, mas foi processado pelos antigos parceiros e condenado a deixar de usar o próprio nome. Horch então traduziu o termo, que significa “ouça”, para o latim e criou a marca que todos hoje conhecemos.

Há também os casos de fusões, de nomes compostos por duas ou mais palavras, bastante frequentes no Japão. É assim com Mitsubishi, formado por mitsu (três) e hishi, que passa para bishi ao se emendar a mitsu e se refere a uma planta aquática em forma de losango. Assim, a marca pode ser traduzida como três losangos ou três diamantes, vistos em seu logotipo. Outra fusão é Kia, que soma ki (sair, resultar) e a (em referência à Ásia), no sentido de uma empresa ganhar o mundo a partir daquele continente.

NIssan é uma contração das primeiras letras de Nippon Sangyo (indústrias japonesas), nome da empresa quando iniciada em 1928, e teve seu primeiro uso na bolsa de valores de Tóquio nos anos 30, sendo adotado na fabricação de automóveis em 1934. Outra marca do país, a Daihatsu (hoje sob controle da Toyota), vem da combinação do primeiro caractere japonês para a província de Õsaka e o início da expressão hatsudōki seizō, que significa construção de motores. Assim somadas, as palavras fazem com que õ seja lido como dai — Daihatsu.

 

 
Kia e Mitsubishi são combinações de nomes e letras; Nissan foi contração feita para a
bolsa de valores; Jeep tem origem discutida entre sigla e personagem de desenho

 

A também japonesa Datsun, marca que a Nissan deixou de usar em 1986 e agora relança em mercados emergentes, vem das iniciais dos sobrenomes de Kenjiro Den, Rokuro Aoyama e Meitaro Takeuchi, ou DAT, que denominaram o primeiro carro da empresa The Kwaishinsha Motor Car Works em 1914. Foi com o lançamento de um modelo compacto em 1931 que surgiu o nome Datson, ou “filho de DAT”. Quando a marca passou ao controle da Nissan, dois anos mais tarde, sugeriu-se mudar Datson para Datsun, pois son também significa perda em japonês.

 

A alemã DKW usou três significados para sua sigla em fases diferentes: carro movido a vapor, sonho de menino e a pequena maravilha

 

A marca Jeep, que começou como modelo da Willys-Overland, tem uma origem bastante controversa. Há quem acredite que veio da pronuncia em inglês da sigla GP, para General Purpose ou proposta de uso geral, em alusão ao caráter versátil do utilitário desenvolvido para a Segunda Guerra Mundial. Mas há quem negue essa possibilidade — afinal, era um veículo militar e não para quaisquer fins civis — e atribua ao esperto personagem Jeep, do desenho do marinheiro Popeye, a inspiração para que os soldados o apelidassem. O fato é que, embora jeep ou jipe seja há tempos uma designação genérica para esse tipo de veículo, a marca pertence desde 1950 à Willys e mais tarde passou a sua compradora, a Chrysler.

 

Siglas que não parecem

Há ainda nomes derivados de localidades. Dacia, a marca popular do grupo Renault, é também a antiga região que formou em parte a atual Romênia e em parte outros sete países. Isuzu vem do rio japonês de mesmo nome e JAC é Jianghuai Automobile Co., sendo Jianghuai uma região no centro da China. O batismo da inglesa Vauxhall, que vende produtos equivalentes aos da Opel alemã, origina-se da região homônima de Londres na qual foi fundada a Alex Wilson and Company, depois Vauxhall Iron Works.

 

 
Cidades, rios e antigas regiões são homenageados por marcas como as cinco mostradas

 

Outros casos são os da NSU (extinta marca alemã, famosa pelo uso do motor rotativo Wankel), forma abreviada da cidade de Neckarsulm, no sul do país; da Tatra (fábrica checa), que vem das montanhas que hoje ficam em território eslovaco; da Auburn (norte-americana), a cidade da empresa no estado de Indiana; da Volga (russa), pelo rio homônimo, o mais longo da Europa; e da Bristol, com o nome de uma cidade na Inglaterra.

O caso de outra britânica, a Aston Martin, é especial. Seu nome era Bamford & Martin ao ser fundada, em 1913, por Lionel Martin e Robert Bamford. O Aston vem de Aston Hill, a montanha junto à cidade de Aston Rowant na qual Martin disputou corridas, sendo adotado como designação de modelo pela primeira vez em 1921. Por sua vez, a antiga marca Hispano-Suiza refere-se à origem de duas nacionalidades, pois nasceu da associação do espanhol Emilio de la Cuadra ao engenheiro suíço Marc Birkigt. Outra divisão extinta da GM, a Saturn, só pode mesmo remeter ao planeta dos anéis.

 

 

Não poderiam faltar as siglas, algumas bastante conhecidas, como BMW (Bayerische Motoren Werke, fábrica de motores bávara, em alemão) e Fiat (Fabbrica Italiana Automobili Torino), e outras nem tanto, como Saab (Svenska Aeroplan AB, ou aktiebolaget, que significa aviões suecos limitada). A Seat, marca espanhola hoje nas mãos do grupo VW, nasceu em 1950 como SEAT, Sociedad Española de Automóviles de Turismo, e a inglesa MG vem de Morris Garages, a oficina do fundador William Morris.

Outra marca britânica, a dos esportivos TVR, surgiu como Trevcar Motors, fundada por Trevor Wilkinson, e adotou mais tarde as consoantes de seu primeiro nome como sigla. A holandesa DAF, criadora do câmbio de variação contínua (CVT), era Van Doorne’s Aanhangwagen Fabriek (fábrica de trailers de Van Doorne) antes de ser abreviada. Na GM, a divisão de utilitários, ônibus e caminhões GMC vem de General Motors Truck Company, nome que foi abreviado como GMC Truck e depois simplificado. A AutoVAZ russa, que produz os carros Lada, é sigla para Volzhsky Avtomobilny Zavod ou fábrica de automóveis do (rio) Volga.

 

 
BMW é sigla conhecida, mas Fiat e Saab soam bem como palavras; Alfa Romeo e
Aston Martin nasceram só com um dos nomes e a DKW usou três significados

 

Os franceses têm casos de siglas que, por sua boa sonoridade, parecem nomes de verdade. Facel, antiga marca de carros de luxo, significava Forges et Ateliers de Construction d’Eure-et-Loir (forjaria e instalações de construção do departamento de Eure-et-Loir). Simca, que chegou a produzir no Brasil, era a Société Industrielle de Mécanique et de Carrosserie Automobile ou sociedade industrial de mecânica e carroceria de automóveis. E Matra, fabricante de esportivos e utilitários, indicava suas diversas funções: Mecanique-Aviation-Traction.

A alemã DKW, que esteve no Brasil por meio da Vemag, tem a peculiaridade de ter usado três diferentes significados para sua sigla. Começou como Dampf-Kraft-Wagen, ou carro movido a vapor; passou a Des Knaben Wunsch, ou sonho de menino, ao desenhar um motor de brinquedo; e mais tarde a Das Kleine Wunder, a pequena maravilha, quando adotou uma versão desse motor em uma motocicleta.

Finalmente, uma carismática marca italiana consegue associar uma sigla a um sobrenome com sonoridade muito boa. Fundada em 1910 como ALFA — Anonima Lombarda Fabbrica Automobili —, ela passava após cinco anos à direção do empresário napolitano Nicola Romeo, que converteu a empresa para a produção militar durante a Primeira Guerra Mundial. Em 1920, já em tempos de paz e pronta para voltar ao mercado de automóveis, a empresa mudava de nome: surgia a Alfa Romeo.

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