Opel Calibra, uma beleza esculpida pelo vento

 

Primoroso em aerodinâmica, o esportivo que a GM vendeu
aqui mostra como bons desenhos resistem ao passar do tempo

Texto: Edilson Luiz Vicente – Fotos: divulgação

 

A grande maioria das pessoas vê um carro apenas como mero meio de transporte; assim, procuram dentro de seu orçamento o que lhe seja mais conveniente. Já para aquela minoria apaixonada por automóveis, um comportado sedã de quatro portas é válido e alguns modelos até surpreendem pela qualidade de seu desenho, mas o tipo de carroceria que proporciona mais estilo e emoção é o cupê.

Um Ford Mustang de quatro portas não teria entrado para a história, assim como, por mais que o Aston Martin Rapide e o Porsche Panamera sejam interessantes, são os cupês que fazem a fama de suas marcas. Hoje existem também modelos chamados de “carros de estilo” ou “carros de imagem”, como o Mini da BMW, o Fiat 500 e o novo Volkswagen Fusca. Apesar de serem modelos hatchback, vale mencionar o que eles têm em comum com os cupês e que faz parte de seu charme: são modelos de duas portas.

Não se trata aqui sobre praticidade, espaço ou conforto no banco traseiro ou se o porta-malas é amplo: fala-se de estilo, esportividade, prazer em ver e possuir. De admirar o carro parado na garagem, dar uma pausa durante a lavagem só para ficar olhando, admirar quando passa por nós um modelo similar. Para um apaixonado por automóveis nada é tão racional: muitas das escolhas são feitas por emoção, razão pela qual um modelo cupê em geral deve ser, quase como por obrigação, mais bem cuidado no assunto estilo. Um amante de carros vai preferir o BMW M3 cupê, não a versão de quatro portas.

 

A Opel conseguiu um estilo à frente de seu tempo, com atitude, esportividade e classe; passados 23 anos do lançamento, o Calibra ainda chama a atenção e agrada a muita gente

 

Enquanto na Europa e nos Estados Unidos há uma ampla variedade de cupês para todos os gostos e bolsos, é justamente nessa versão mais charmosa que somos pobres de opções. No passado, até meados dos anos 90, os carros de duas portas predominavam e por isso tivemos versões cupê de modelos como Chevrolet Opala e Dodge Dart, mas a maioria dos carros no mercado não passava de sedãs de duas portas ou hatchbacks de três, sem maior inspiração em estilo.

Por razões de mercado ou culturais, no Brasil de hoje esses modelos em geral são fadados a pequenos números de vendas — em boa parte porque cobram preços muito altos em relação às versões de origem de quatro portas, como no Kia Cerato Koup. Foi também o caso do Opel Calibra (vendido aqui sob a marca Chevrolet), que custava bem mais que o modelo de origem, o Vectra de primeira geração, um carro já caro em sua época para os padrões brasileiros.

Dentro desse quadro de paixões e poucas opções, o Calibra, lançado na Europa em 1989, foi oferecido no Brasil de 1993 até o fim de sua produção, em 1997, embora recursos disponíveis na Europa (como motor V6 e tração integral) não tenham chegado até aqui. Era um carro que a seu tempo chamava muito a atenção pelo estilo singular, limpo e esportivo, com um baixíssimo coeficiente aerodinâmico (Cx) 0,26, que levou quase uma década para outro carro de produção igualar.

Certamente o túnel de vento teve grande influência em seu estilo, como suas formas expressam com clareza, mas dentro de um ótimo equilíbrio de proporções. A Opel conseguiu ainda atingir um resultado que não é nada fácil: um estilo à frente de seu tempo, com atitude, esportividade e classe, muito bem balanceado. O resultado de um trabalho de qualidade é esse: mesmo passados 23 anos do lançamento e 15 anos desde o fim de sua produção, o Calibra ainda chama a atenção e agrada a muita gente, apesar das características de estilo ultrapassadas pelos atuais padrões.

 

 

Aliás, vale mencionar as características de estilo do Calibra que são quase o inverso do usual nos dias atuais: hoje são usadas grades dianteiras grandes, vincos e nervuras para todo lado; faróis, lanternas e janelas com contornos trabalhados; frente e traseira curtas para uma grande distância entre eixos.

O mundo do estilo automotivo não deixa de ser interessante por esse aspecto: analisamos aqui um carro concebido há mais de 20 anos que ainda pode agradar, enquanto por vezes um modelo novíssimo, que engloba todas as características de estilo e modismos atuais, pode não ter uma aparência que a percepção de muitos capte como positiva. É por motivos como esse que escolhemos para a Análise de Estilo o Calibra, nosso segundo modelo do passado, depois do Alfa Romeo 156.

Foi um modelo que marcou época dentro da marca e que tem até clube — o Clube Calibra — em atividade no Brasil. É certo que esses e muitos outros admiradores sentem falta de modelos Opel à disposição no País, já que a marca alemã continua a demonstrar grande capacidade de desenho, seja em cupês, seja em modelos mais tradicionais. Não custa sonhar que possa surgir, algum dia, um novo cupê relativamente acessível que possa preencher o vazio que há para os amantes desses automóveis no Brasil.

 

 

  Apesar da simplicidade do contorno, os faróis eram o ponto alto do desenho da dianteira por seu perfil muito baixo, permitido pelos refletores elipsoidais — uma novidade que dava um ar de tecnologia incomum.

  Aberturas pequenas eram comuns na época. Mesmo sendo tão estreita, a abertura superior da grade tinha bastante a ver com o tipo que a Opel usava em outros modelos, como o Vectra de primeira geração.

  Desde que as carroças perderam os cavalos, os capôs dos carros possuem algum tipo de adorno. A Opel fazia diferente nessa época com capôs lisos. Por um breve período, até que foi interessante.

  Nada de faróis de neblina ou entradas de ar adicionais, mesmo em se tratando de um esportivo. Colaborava com a aerodinâmica mas, apesar da boa aparência, tirava um pouco da pegada esportiva.

  A saia lateral que acompanhava o desenho do defletor dianteiro, embaixo do para-choque, e que parecia mais uma asa usada em carros de competição causava um enorme contraste — de maneira positiva — com a falta de esportividade do para-choque dianteiro.

Próxima parte

 

 

  Como era normal naquela época, o para-choque possui um trabalho de estilo bem simplificado. Havia apenas esse rebaixo, formando uma saia para expressar esportividade. Era de certa forma obrigatório manter a região que receberia o eventual impacto, logo acima, saliente até mesmo para expressar robustez.

  Essa “rabeta” na tampa do porta-malas é outro item de esportividade com sua parcela de funcionalidade aerodinâmica. Fez escola, aparecendo já em 1990 no BMW Série 3. Itens como esse às vezes caem em desuso e logo aparecem novamente.

  A abertura da tampa do porta-malas não ir até embaixo é um exemplo de praticidade suplantada pela estética ou, talvez, pelo intuito de acrescentar rigidez à estrutura. Será que algum proprietário de Calibra se incomodou com isso?

  O para-choque dianteiro e a saia lateral têm os complementos em preto logo abaixo deles. Acharam que no para-choque traseiro era desnecessário, mas parece que está faltando, que caiu pelo caminho.

  Até nas laterais dos para-choques era comum haver um elemento pouco saliente, que somado ao friso lateral fazia o trabalho de proteção da carroceria. Hoje em dia é tudo mais rente e integrado ao desenho.

 

 

  Conceitos que mudam com o tempo: esse vão bem horizontal era muito mais eficiente para proteger a carroceria em eventuais pequenos impactos. Era o que o tipo de processo de produção da época permitia fazer, mas tinha boa estética a seu tempo. Hoje a aparência e o acabamento são muito melhores, mas com prejuízos em relação à parte prática.

  A limpeza total do desenho foi uma opção da Opel. Era uma época em que não se usava muito o recurso de molduras nas aberturas das caixas de rodas. Depois disso, voltou com força total e permanece até hoje.

  Outro item da época: os frisos salientes tinham a real função de proteger o para-choque e as laterais. As peças bem alinhadas e alojadas em rebaixos eram sinais de cuidado no acabamento.

  Hoje predomina a linha de cintura alta, que em alguns casos chega ao exagero. Nessa época valia mais uma boa visibilidade; mesmo assim, o equilíbrio entre a altura da carroceria e o perfil das janelas ficou ótimo.

  Na ocasião a Opel dividia os painéis laterais do teto, para poder ter peças menores para estampar, e a junção de ambas recebia essa pequena tira como acabamento. Outras empresas também usavam a técnica, mas foi no Calibra que se obteve o melhor resultado por conta da coluna C bastante inclinada. Aliás, essa inclinação é outro ponto forte do estilo.

 

 

 

 Nos anos 80 para os 90 era um conceito normal de estilo essa traseira mais estreita, assim como a dianteira, até por questões aerodinâmicas, que eram mais levadas a sério do que hoje. Isso fazia com que os carros ganhassem uma aparência mais leve e bem esculpida.

 As lanternas não expressavam a mesma ideia de tecnologia avançada que os faróis, pois não havia muitas soluções que já fossem viáveis, como os leds de hoje. Esse tema inclinado erainteressante. Chamava a atenção o tamanho das lanternas, um pouco acima do ideal, mas nada em exagero.

  Faz muita falta em um modelo como esse ter ponteiras de escapamento aparentes.

  Os vãos entre painéis de carroceria da Opel eram considerados muito bons para seu tempo. Comparados aos dos carros de hoje, porém, parece que está tudo desconjuntado. Houve uma grande evolução nesse quesito.

  Essa curvatura na região inferior do carro servia para dar leveza ao visual e estava presente em praticamente todos os carros. Hoje há conceitos de estilo com a intenção de deixar o visual mais forte, robusto, aparentar ser maior ou mais largo do que realmente é. Dessa forma, há modelos que chegam a parecer desengonçados de tão pesada a aparência.

 

 

 Simplicidade total e beleza no contorno das janelas e a simulação de não haver coluna B, coisa que só vemos normalmente em carros-conceito. Muito bacana.

  A superfície “pegadora de luz” fazendo muito bem sua função por ter sido bem esculpida: começa no para-choque dianteiro e faz uma interessante inversão para um vinco no para-choque traseiro.

  Em uma época de carros bem arredondados e formas orgânicas, o Calibra com seus poucos vincos fugia um pouco aos padrões e antecipava uma tendência de estilo que estava por vir. Até por isso consideramos que estava à frente de seu tempo.

  Outro conceito da época: as rodas não eram tão grandes quanto as usadas hoje (15 pol), mas pareciam harmoniosas em termos de proporções a um carro médio esportivo. Também era normal haver versões que mais pareciam calotas. As rodas que vinham nos modelos ofertados aqui eram bem melhores do que essa em termos visuais.

  Um ponto que chamava a atenção: apesar da frente baixa e em cunha, tinha uma aparência forte e imponente. Podemos notar que não é necessário fazer frentes tão altas como as de hoje para obter esse tipo de impressão. Por outro lado, não haver normas de proteção a pedestres como as atuais facilitava em muito a vida do pessoal do Estilo.

Análise de Estilo anterior

 

O autor

Edilson Luiz Vicente é designer com 22 anos de experiência na indústria automobilística, atuados em empresas de grande porte como Volkswagen, Ford e General Motors no Brasil, Isuzu no Japão e General Motors nos Estados Unidos. É um dos poucos de seu segmento com experiência também em projetos e engenharia. Também é professor no Istituto Europeo di Design em São Paulo. Mais informações.

 

Sair da versão mobile