Bom de andar e de conteúdo, C4 Cactus valeu a espera

Desempenho com motor turbo, conforto ao rodar e opções de segurança são destaques do novo SUV da Citroën

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

 

Quem chega por último deve compensar a demora com bons argumentos. Foi assim com a Citroën em relação aos utilitários esporte (SUVs) compactos: enquanto toda a concorrência aproveitava a aceitação desse formato no mercado brasileiro, a marca francesa só podia dispor da C3 Aircross, uma versão “aventureira” da minivan C3 Picasso. Foi preciso aguardar a reformulação de meia-vida do C4 Cactus europeu para que, finalmente, a empresa do duplo Chevron tivesse um forte representante na categoria.

C4 Cactus? Aquele hatch de estilo estranho, sem grade dianteira e com molduras cheias de ar nas laterais para proteção em pequenas batidas? Sim, mas aquele era o Cactus de 2014, antes que a Engenharia de ambos os lados do Atlântico arregaçasse as mangas e o tornasse um digno competidor de Chevrolet Tracker, Ford Ecosport, Honda HR-V, Hyundai Creta, Jeep Renegade, Nissan Kicks e Renault Captur, entre outros.

 

A nova frente lembra a da C4 Picasso; de traseira o Cactus tem seu ângulo mais controverso; note as largas colunas e o teto em cor contrastante

 

Além da reformulação visual comum ao europeu, que o deixou mais convencional e lhe deu o novo padrão de desenho frontal da marca, o Cactus brasileiro passou por extensa adequação às condições nacionais. Entre elas, a altura de rodagem foi ampliada em importantes 34 mm, a suspensão foi toda revista, o painel redesenhado e os motores e transmissões foram substituídos pelos que o grupo PSA tem à disposição por aqui — o aspirado e o turbo THP, ambos de 1,6 litro, com caixa manual de cinco marchas para o primeiro ou a automática de seis marchas para ambos.

 

 

O novo Citroën está disponível em seis versões, que cobrem a faixa de R$ 69 mil a R$ 99 mil: Live e Feel aspiradas com caixa manual, Feel e Feel Pack aspiradas com transmissão automática, e Shine e Shine Pack automáticas com motor turbo. A fábrica espera que a Feel automática responda por 25% das vendas, com 20% para cada uma das Shines. Está a caminho uma opção para pessoas com deficiência, dotada de caixa automática dentro do limite de preço de R$ 70 mil para isenção tributária.

O desenho do Cactus impressiona bem de frente e causa controvérsia pela traseira, com as lanternas pouco criativas, mas no geral transmite robustez e tem a identidade da marca. Se o arranjo da frente sugere sofisticação, com as luzes diurnas de leds no topo (como na C4 Picasso), os faróis principais na verdade são bem simples, de refletor único. Nas laterais, os Airbumps que caracterizavam o modelo europeu anterior foram reduzidos: hoje são meros apliques plásticos, sem ar no interior e mais baixos, a ponto de não garantir proteção contra portas alheias em estacionamentos.

 

Painel foi redesenhado para o Brasil e ganhou o quadro do C4 Lounge; interior está adequado à classe em espaço e acabamento, mas porta-malas é pequeno

 

A tendência pelo bitom, com o teto em cor contrastante à da carroceria, está presente e deixa em branco, preto ou azul também os retrovisores e as molduras dos faróis de neblina. As colunas traseiras bem largas contribuem para o aspecto sólido, com evidente prejuízo à visibilidade. Foram previstas as mesmas rodas de alumínio de 17 polegadas para toda a linha (salvo a Live, que vem com rodas 16 de aço), diferenciadas na Shine pelo tratamento com face externa usinada. As barras de teto, exclusivas do modelo nacional, também diferem entre as versões.

 

O Sistema de Frenagem Automática monitora o trânsito e identifica veículos e pedestres, ativando os freios quando for detectado risco de colisão

 

No interior as alterações para o Brasil foram mais abrangentes. O Cactus europeu tem a tela central de áudio acima dos difusores de ar, solução que a PSA usa em alguns Peugeots nacionais com prejuízo à refrigeração da cabine: aqui a posição foi invertida, assim como se adotou o quadro de instrumentos digital do C4 Lounge. O ambiente tem detalhes interessantes, como o aplique suave ao toque sobre o painel da versão Shine e o volante ligeiramente ovalado. O acabamento usa materiais simples, mas de boa aparência. A central de áudio com tela de 7 pol integra-se a celular por Android Auto e Apple Car Play; os comandos de ar-condicionado estão na mesma tela.

O motorista acomoda-se bem, com banco bem desenhado e regulagens de altura e distância do volante. No banco traseiro há bom espaço para pernas e cabeças — na média da categoria, assim como a largura útil. Onde o Cactus fica abaixo do padrão é na capacidade de bagagem: com apenas 320 litros, está acima do Renegade e abaixo de todos os demais, com diferença maior que 100 litros para vários deles. Além disso, o vão de acesso começa acima da placa, muito mais alto que o assoalho, o que exige levantar mais a bagagem e torna incômodo levar algo grande como uma bicicleta. O estepe de 15 pol fica abaixo do piso.

 

Alerta de saída de faixa (à esquerda) e frenagem automática para evitar colisão (à direita) são recursos incomuns no segmento, mas vêm só na versão de topo

 

Bom pacote de assistências

Um dos argumentos do novo Citroën é a oferta de sistemas de assistência ao motorista, restritos à versão de topo Shine Pack. O Sistema de Frenagem Automática e Alerta de Colisão usa uma câmera no para-brisa para monitorar o trânsito adiante e identificar veículos (mesmo motos e bicicletas, parados ou em movimento) e pedestres, usando para isso sua forma e até elementos como a placa de licença. De 5 a 85 km/h, o sensor ativa a frenagem automaticamente quando for detectado um risco de colisão, desde que o Cactus esteja abaixo de 80 km/h (ao detectar veículo parado) ou 60 km/h (pedestre). Não há a função de controlador de distância, que demandaria o custo adicional de um radar.

 

 

O Alerta de Saída de Faixa usa a mesma câmera para reconhecer faixas horizontais do asfalto, sólidas ou tracejadas, e alerta o motorista se houver uma mudança de direção sem uso de luzes de direção acima de 60 km/h (não intervém na direção). Outro recurso é o Alerta de Atenção ao Condutor, que analisa ações como correções de trajetória, para interpretar um sinal de sonolência ou desatenção. Há ainda uma sugestão de pausa quando se dirige por mais de duas horas com média acima de 70 km/h. Todo esse pacote é bastante raro no segmento: frenagem automática equipa apenas o Kicks SL; alerta de risco de colisão, o mesmo Nissan e o Chevrolet Tracker; e alerta de saída de faixa, só o Tracker. O monitor de atenção não tem similar na classe.

Próxima parte

 

Versões, preços e equipamentos

• Live 1,6 manual (R$ 69 mil): bolsas infláveis frontais, central de áudio com tela de 7 pol e integração a celular, computador de bordo, controle elétrico de vidros /travas/retrovisores, fixação Isofix para cadeiras infantis, luzes diurnas de leds, rodas de 16 pol (aço), volante ajustável em altura e distância.

• Feel 1,6 manual (R$ 73.490): como o Live, mais alarme perimétrico, banco traseiro bipartido 60:40, câmera traseira de manobras, controlador e limitador de velocidade, controle elétrico de vidros com função um-toque para todos, faróis de neblina, rodas de alumínio de 17 pol.

• Feel 1,6 automático (R$ 80 mil): como o Feel manual, mais assistente de saída em rampa, controle eletrônico de estabilidade e tração, faróis de neblina com função para curvas, monitor de pressão dos pneus, transmissão automática de seis marchas.

• Feel Pack 1,6 automático (R$ 85 mil): como o Feel automático, mais alarme volumétrico, ar-condicionado automático, bolsas infláveis laterais dianteiras, chave presencial para acesso e partida, faróis e limpador de para-brisa automáticos, volante de couro.

• Shine THP 1,6 automático (R$ 95 mil): como o Feel Pack automático, mais bancos revestidos em couro, controle de tração ajustável Grip Control, freios traseiros a disco, motor turbo.

• Shine THP Pack 1,6 automático (R$ 99 mil): como o Shine THP automático, mais alertas de saída de faixa e desatenção do motorista, bolsas infláveis  de cortina, monitor frontal com frenagem automática, retrovisor interno fotocrômico.

Garantia: três anos sem limite de quilometragem.

Próxima parte

 

Na versão THP, desempenho é destaque: motor turbo de até 173 cv, caixa automática de seis marchas e menor peso que na maioria dos concorrentes

 

Como no Peugeot 2008 THP, as versões turbo do Cactus trazem o controle eletrônico de tração ajustável Grip Control, que oferece os modos Padrão, Neve, Lama, Areia e ESP Off (controle de estabilidade desligado). Controle de tração pode ser amigo ou inimigo no fora de estrada, de acordo com a aderência disponível: em algumas condições, como areia e lama, muitas vezes é preciso deixar as rodas dianteiras patinarem um pouco para manter o carro em movimento. Tal sistema cuida disso conforme a posição selecionada no comando do painel.

É boa a dotação de conveniências, como ar-condicionado automático de duas zonas, câmera traseira de manobras, chave presencial para acesso ao interior e partida do motor, faróis e limpador de para-brisa automáticos, fechamento de vidros a distância, monitor de pressão dos pneus e retrovisor interno fotocrômico (veja na página anterior o quadro de equipamentos de cada versão). Alguns itens que ficaram de fora são faixa degradê no para-brisa, iluminação nos para-sóis e na parte traseira da cabine e sensores de estacionamento (disponíveis como acessórios).

 

Acerto da suspensão pela Engenharia local deixou o Cactus bem confortável e com estabilidade correta; o nacional roda 34 mm mais alto que o europeu

 

No mercado europeu o novo C4 Cactus oferece motores a gasolina de 82 e 110 cv, ambos da série Puretech, e turbodiesel de 100 cv. No Brasil as unidades são outras, as flexíveis de 1,6 litro bem conhecidas dos produtos PSA. A THP turbo é combinada a uma transmissão automática pela primeira vez em modelos dessa plataforma, uma opção que sempre fez falta no 2008. Essa caixa oferece os modos de condução normal, esporte e econômico e permite seleção manual de marchas pela alavanca, com reduções para frente.

 

 

Embora mantenha os conceitos de suspensão do europeu, nosso Cactus foi alvo de reestudo nessa parte. Lá a Citroën usa amortecedores especiais com duplo batente, opção descartada aqui em nome da economia na reposição — a fama de peças e manutenção caras é algo que a marca quer deixar no passado. Assim, trabalhou-se em uma boa calibração com ênfase no conforto e na robustez. Nas versões turbo, um avanço em relação ao 2008 THP são as juntas tripoides chamadas de anti-shudder, com duas articulações internas. O objetivo é eliminar vibrações causadas pelo ângulo de trabalho da semiárvore de transmissão, como ao acelerar forte em pisos irregulares. Os pneus Pirelli Cinturato P7, usados em duas medidas, tiveram o composto desenvolvido para o modelo.

 

Ao volante do C4 Cactus

A avaliação pela imprensa reuniu boa variedade de condições na região de Mogi das Cruzes, na Grande São Paulo, desde rodovias de bom asfalto até um pequeno trajeto acidentado, passando por estradas de terra — foi possível dirigir apenas o Shine Pack THP. E o C4 Cactus deixou boas impressões.

 

Caixa automática combina-se ao motor THP pela primeira vez nessa plataforma; pneus 205/55 R 17 equipam todas as versões, salvo a mais simples Live

 

Motor e transmissão confirmam o esperado: é um SUV rápido, empolgante para acelerar e com grande reserva de torque para subidas e ultrapassagens. Além de estar entre os mais potentes do segmento (só perde por poucos cv para o Ecosport Titanium), o Cactus é o melhor em torque em baixa rotação entre os motores flexíveis ao lado do Tracker (ambos perdem para o Renegade turbodiesel) e bastante leve, com 1.214 kg na versão Shine. Sua relação peso-potência com álcool fica em 7 kg/cv, ante 7,7 do citado Ford, 8,4 do Creta de 2,0 litros, 9,1 do Captur de mesma cilindrada, 9,2 do Tracker e do HR-V e 10 do levíssimo, mas pouco potente, Kicks.

 

O rodar do Cactus  convenceu, com elevado grau de conforto e absorção de irregularidades das melhores, e a atitude em curvas transmite confiança

 

A caixa automática foi bem calibrada e o conjunto parece lidar melhor com todo o torque que o 2008. Alguma aspereza pode ser notada no motor em alta rotação, mas o nível de ruído é sempre baixo, seja mecânico ou de outras fontes — pelo menos na faixa de velocidade usada no percurso, até 100 km/h ou pouco acima.

Havia expectativa pelo comportamento da suspensão. Primeiro, pelo grande aumento de altura de rodagem em relação ao original europeu; segundo, pelo desempenho da versão turbo, que requer estabilidade acima da média. Mas o Cactus, mais uma vez, convenceu. Ele mantém o jeito macio, meio flutuante, dos recentes Citroëns e com isso consegue elevado grau de conforto. Tanto no asfalto quanto na terra, a absorção de impactos e irregularidades provou-se uma das melhores da categoria, talvez superada apenas pelo Ecosport. A maciez dos amortecedores não prejudica sua atitude em curvas, que transmite confiança para o tipo de carro. O vão livre do solo de 225 mm (o maior da classe) e os bons ângulos de entrada e saída evitaram contatos no trecho com valetas e lombadas pronunciadas.

 

Vão livre do solo (225 mm) credencia o Cactus a certas aventuras fora de estrada; o controle de tração oferece cinco programas para diversos terrenos

 

O que não agradou? Pouca coisa. O quadro de instrumentos digital monocromático (o mesmo do C4 Lounge) cumpre sua função, mas poderia ter estética mais moderna e elaborada. Ajustar o ar-condicionado requer comutar a tela central para tal função, o que distrai e toma tempo — prepare-se para respirar fumaça antes de conseguir ativar a recirculação de ar, que deveria ter seu próprio botão. O porta-malas é modesto, como citado, e a Citroën poderia oferecer mais itens de segurança nas versões mais simples, como bolsas infláveis adicionais e controle de estabilidade. Como tem sido comum no mercado, assistente de saída em rampa vem nas versões automáticas, mas não na manual, que mais ganharia com o recurso.

 

 

São poucos senões para um produto cheio de qualidades. E que, apesar de chegar ao Brasil já no meio de seu ciclo de produção europeu, demonstra atualidade diante dos concorrentes há mais tempo no mercado. Para a Citroën, foi uma espera recompensada.

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Ficha técnica

C4 Cactus Feel aut. C4 Cactus Shine THP aut.
Motor
Posição transversal transversal
Cilindros 4 em linha 4 em linha
Comando de válvulas duplo no cabeçote duplo no cabeçote
Válvulas por cilindro 4, variação de tempo 4, variação de tempo
Diâmetro e curso 78,5 x 82 mm 77 x 85,8 mm
Cilindrada 1.587 cm³ 1.598 cm³
Taxa de compressão 12,5:1 10,2:1
Alimentação injeção multiponto sequencial injeção direta, turbocompressor, resfriador de ar
Potência máxima (gas./álc.) 115/118 cv a 5.750 rpm 166/173 cv a 6.000 rpm
Torque máximo (gas./álc.) 15,5/16,4 m.kgf a 4.000 rpm 24,5 m.kgf a 1.400 rpm
Transmissão
Tipo de caxa e marchas automática, 6 automática, 6
Tração dianteira dianteira
Freios
Dianteiros a disco ventilado a disco ventilado
Traseiros a tambor a disco
Antitravamento (ABS) sim sim
Direção
Sistema pinhão e cremalheira pinhão e cremalheira
Assistência elétrica elétrica
Suspensão
Dianteira independente, McPherson, mola helicoidal
Traseira eixo de torção, mola helicoidal
Rodas
Dimensões 17 pol 17 pol
Pneus 205/55 R 17 205/55 R 17
Dimensões
Comprimento 4,17 m 4,17 m
Largura 1,714 m 1,714 m
Altura 1,534 m 1,563 m
Entre-eixos 2,60 m 2,60 m
Capacidades e peso
Tanque de combustível 55 l 55 l
Compartimento de bagagem 320 l 320 l
Peso em ordem de marcha 1.204 kg 1.214 kg
Desempenho (gas./álc.)
Velocidade máxima 185/190 km/h 212 km/h
Acel. de 0 a 100 km/h 12,1/12,0 s 7,5/7,3 s
Dados do fabricante; consumo não disponível

 

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