Depois de promessas de vários fabricantes, Agrale passa a fazer caminhões em São Mateus
“Deus escreve certo pelas linhas tortas”, pregam textos católicos, neles constando a figura do Espírito Santo, a terceira pessoa da Santíssima Trindade. Homenageado por pequeno estado espremido entre Bahia, Minas e Rio de Janeiro, muito se esforçou no último quarto de século para entrar na seleta relação de estados puxadores de atividade metal mecânica. Oferecia facilidades de logística, a boa estrutura portuária, o projeto de incentivos Fundap, para reter ou trazer para o Estado as variadas marcas de veículos por ele importadas.
Tentou atrair muitas operações, ouviu muitas promessas, incluindo a russa Lada na virada do século e, mais recentemente, navegou ante acenos de representantes da Fabral, para montar coreanos Ssangyong e chineses Chana e Haima em Linhares; da nacional CN Auto, prometendo produzir chineses Haifei na mesma cidade; e mais recentemente Zotye em Colatina. Festivas e vãs alegorias.
Mantendo a fé, seguindo os parâmetros do catolicismo, reconhecendo haver hora de plantar e hora para colher, a longa, tentada, esperada vontade de viabilizar-se como fabricante de veículos tomou forma física. Nada de produtos estrangeiros, nada de automóveis, mas pequena e pioneira marca nacional de caminhões leves, a gaúcha Agrale. Neste mês a empresa, já operando no município de São Mateus com montagem de chassis para pequenos ônibus da marca Volare e para o ônibus urbano W109, ampliou operações iniciando fazer caminhões modelos A10000 e A8700, para vendas às regiões Sudeste e Nordeste.
A definição pela operação espírito-santense, segundo Hugo Zattera, CEO da Agrale, está na redução dos custos de frete. Antes tal operação se resumia a Caxias do Sul, RS, no extremo do país. A nova localização permitirá ganhos operacionais, de custos, de logística. Sul e Centro-Oeste são atendidos pela produção na matriz gaúcha. Produto novo, lançado em novembro de 2015, foca nas necessidades atuais e tendências futuras do mercado e segmento. Sempre caracterizados pelas cabines de plástico reforçado com fibra de vidro, os novos Agrales empregam-nas em chapa de aço estampada.
A Amélia norte-americana

No imaginário da cultura popular brasileira, a menção Amélia significará a mulher sem a menor vaidade, a mulher de verdade, cantada no samba de Mario Lago. Porém no universo antigomobilista, tal menção — ou como dita Amília — indica o Amelia Island Concours d’Élegance, realizado nas dependências do faustoso Ritz-Carlton Hotel e entre os buracos 10 e 18 do Golf Club, nordeste da Flórida, quase Georgia.
É tido como o mais equilibrado dentre os grandes eventos da especialidade sediados nos Estados Unidos, mediando a cultivada falsa finura californiana, e acima dos eventos descompromissados, como os de Hershey e Carlisle. Meio termo agradável, elegante, sem se perder na exigência de uso de blazer e gravata masculina e produções femininas. Moças bonitas havia. Além das participantes e acompanhantes, time de modelos bem produzidas, voluntárias para enfeitar o evento, de faturamento em parte destinado à filantropia. Em descontração e presença supera o sempre considerado topo desta ascensão, o concurso de Pebble Beach, na Califórnia. Neste ano reuniu 315 veículos, dobro dos admitidos na festa da praia de cascalho.
É miscela de conceitos. Mão firme de Bill Warner, o organizador, para criar temas e convencer proprietários de marcas a expor. Preciosista, nesta 21ª. edição quis superar o recorde de presenças dos raros esportivos espanhóis Pegaso, antes assinalado na parisiense Rétromobile, com 13 unidades. Amelia enfileirou 14, incluindo o Best of Show, politicamente controvertido La Dominicana.
Carroceria especial, teto arrematado por plástico, mais conhecido como La Cúpula por conta do tal pedúnculo. Quando encomendado pelo então ditador dominicano Rafael Trujillo para competir na Carrera Pan Americana, custou US$ 29 mil, o equivalente a uns 12 Cadillacs, então referência de preço e conforto. Para arrematar o preciosismo, convidou ao júri o jornalista espanhol Mario Laguna, residente em Luxemburgo, maior especialista na marca.

Outra referência em estilo foi o Fiat 8V — otto vu, como diz-se na Itália —, primeiro da marca a portar suspensão independente nas quatro rodas e motor criativo: V8, 2,0 litros, comando central, válvulas na cabeça, fazia 127 cv a 6.500 rpm. Carroceria Ghia, superava os 200 km/h. Poucos sobreviveram. Ganhou como Best of The Show – Sport.
Warner deu ênfase a produtos importantes como Cord, Auburn e Duesenberg, além de miríade de esportivos, chamando atenção da dezena de brasileiros presentes, como Sunbeam Tiger — esportivo inglês com motor V8 Ford aplicado pelo lendário Carroll Shelby —, e Cunningham, estadunidense. Primeiros desconhecidos no Brasil. Do último, meia dúzia de três ou quatro. Ferraris, muitos, mas apenas um GTO, mito maior. Mas recreação — carroceria sobre outro chassi com mecânica — e Porsches, Maseratis, Alfas e BMWs em quantidade industrial. Dessa, raro esportivo, o 700, com motor de motocicleta.
Pacote paralelo, carros de corrida, liderados pelos conduzidos pelo homenageado Hans-Joachin Stuck, piloto de várias categorias, vencedor de Le Mans. Amelia a cada ano reverencia um vencedor das corridas. Coração apertava quando os carros de corrida andavam em baixa velocidade ou manobravam tentando conciliar os motores com marcha-lenta irregular, câmbio longo e baixa velocidade. O cheiro de embreagem queimada perpassava as aleias de Palmettos, palmácea local. De cheiros, o da gasolina forte com mínimo de álcool evocava lembranças de tempos mais felizes no convívio com o bicho automóvel.
O evento, democrático, não se cinge apenas aos convidados, absorvendo veículos de colecionadores na Flórida e da Georgia. Visitantes estrangeiros, muitos. E se enfeita perifericamente, como com a exposição dos troféus das grandes categorias de automobilismo, alguns com 1,80 m de altura — e tomaram o hall do Ritz. Na parte hotel, lojas de artigos do evento, automobilia, gravuras, literatura, miniaturas, roupas, e um corredor para lançamentos de livros.
Ponto elevado, exposição de veículos novos de estirpe e testes em Jaguar, Porsche, Mercedes, BMW, Infiniti. Ford GT e McLaren presentes — imóveis. Alfa, com 4C para teste, e estático o ainda não lançado Giulia. Estande humilhou. Havia um 8C — oito cilindros e compressor, década de 1930 — e um Giulia Pininfarina de corridas dos anos 60.
Brasileiros presentes, poucos e do ramo, colecionadores de Brasília e Belo Horizonte, migrando de Pebble Beach para Amelia. E Mariozinho Leão, alagoano, membro brasileiro do conselho de clássicos da Federação Internacional do Automóvel. Foram beneficiados pelo sol forte, adiando a chuva, desabada após o evento. A todos avultava a qualidade das restaurações, o preparo e recuperação das carrocerias, alinhamento das partes, pinturas excepcionais, detalhes cuidados no interior, painel, cromagem e compartimento do motor.

Festa grande e, como PB, o maior evento da cidade. A prefeitura local informou incremento de US$ 15 milhões em circulação de moeda no comércio. A organização destina parte do faturamento a hospital especializado em câncer, e toda a estrutura de pessoal é constituída por voluntários.
Amília é um termo genérico. Não se resume à exposição no gramado, mas a série de eventos, como leilões de casas importantes disseminados em outros espaços e leiloeiros com circuitos menores no território dos EUA, como o Motostalgia. Dentre eles há nítida separação de classes de veículos, qualidade na restauração — e preços. Num, importante, o Gooding, comediante Jerry Seinfeld vendeu 16 unidades de sua coleção de Porsches. Pico de valor, 550 Spyder Wendler a U$$ 5.335.000, e dentre eles o pouco conhecido 597 Jagdwagen, jipe para concurso vencido pela Auto Union com o Munga, no Brasil produzido pela Vemag como Candango. Alcançou US$ 330 mil — já é um alento aos donos de Candango…
Outro, da RM, exibiu preciosidades como Alfa GTA — um GTV com partes em liga leve e com o grupo motopropulsor, liderado pelo motor quatro-cilindros com oito velas, rebaixado e recuado. Os então existentes no Brasil foram exportados por brasileiros que se acham muito sabidos — uns lesa-pátria.
Enfim, turístico, didático, cultural, divertido. Gosta de antigos? Participa de clube? És dirigente? Vá a Amelia aprender para evoluir nosso antigomobilismo. É a melhor relação custo x tempo x benefício.
Roda a Roda
Outro – Audi iniciou produzir o Q3 no Brasil. Pequenos passos de nacionalização, incluindo nova linha exclusiva para o modelo, dentro da fábrica da VW em São José dos Pinhais, PR. Motor 1,4, injeção direta, turbo, fazendo 150 cv. Audi mais vendido em 2015.
Menor – Porsche traz Macan com motor de 2,0 litros, turbo e 252 cv. É motor básico Volkswagen, com temperos próprios de cada marca. Câmbio PDK. Não passa vergonha: vai de 0 a 100 km/h em 7,2 s.
Complicação – Problema das emissões dos motores diesel VW acima do parâmetro legal; providências internas e externas tomadas pela empresa para resolver; aparência de ter o caminho da resolução, minguaram semana passada. O chefe da operação do órgão de meio ambiente da Califórnia, o estado mais jogo-duro na matéria, declarou achar difícil a VW dar solução eficiente e em prazo legal às 82 mil unidades fora do padrão, ali circulando.
Mais – A VW não perdoou a erupção do assunto depois de tantos gastos para resolver, e demitiu o presidente da operação EUA — é o terceiro a perder o posto. Em sua gestão, centrada em fazer lobby em várias instâncias do governo, propôs pagar bônus de compensação aos compradores dos VW/Porsche/Audi a diesel, e sua saída provocou protestos da associação de revendedores.
Solução – Atrasada no projeto para montar caminhões e vans chineses localmente, Foton Aumark do Brasil tomou R$ 65 milhões emprestados ao BNDES, e foi ao óbvio: comprará tais serviços à gaúcha Agrale, em Caxias do Sul, RS. É do ramo e aplicará expertise e espaço antes destinados à feitura dos caminhões International, recém e novamente escafedida do país.
Paralelo – Projeto Foton em Guaíba, RS, continua hoje apenas terraplanado e cercado. A partir de junho Agrale montará caminhões para 3,5 e 10 t. Em comunicado à imprensa, a Foton omitiu o nome do parceiro. Curioso. No Brasil a Agrale tem imagem e credibilidade, ante a desconhecida chinesa chegante.
Especial – Nas festividades para marcar seu patrocínio aos Jogos Olímpicos Rio 2016, Nissan faz milhar da versão March Rio 2016. Motor 1,6, aplicações externas, plaqueta numerada, cuidados em infodiversão, a R$ 54 mil.
Negócio – MWM de motores Diesel fechou acordo comercial com a Doosan coreana: fornecerá unidades de 4,8 litros para equipar geradores. Coisa boa, 2.500 anuais em contrato inicial de 5 anos.
Ampliação – Ante a obviedade que o passar do tempo reduz a presença de clientes nas revendas dos fabricantes, Mitsubishi criou o sítio Reparador Mit (www.reparadormit.com.br) para oficinas independentes. Dá acesso à literatura técnica e catálogos de peças originais, melhorando o padrão de manutenção e reduzindo índice de erros nos produtos.
Caminho – Volkswagen propõe casamento de longo prazo aos clientes com Plano da VW Financial Services: entrada entre 30 a 50% do valor, prestações menores 25% relativamente a financiamentos comuns e, ao final de 35 meses, cliente dá-lo de entrada no valor de 30% de outro VW igual, novo. Vale para Gol, Voyage e Saveiro. Mais: www.volkswagensemprenovo.com.br.
Velocidade – Outra edição do Velocult, evento histórico-cultural pilotado pelo artista Paulo Solariz: Interlagos, a faculdade do automobilismo, aberto ao público desde 13 de março a 2 de abril, em seu tradicional porto, o Espaço Cultural do Conjunto Nacional — Av. Paulista, 2073, São Paulo, SP.
Atualidade – FCA deu destino à mítica fábrica de Arese, perto de Milão, de onde saíram gerações de Alfa Romeo: será o Arese Shopping Center, com 200 lojas e 25 restaurantes. O agora pequeno Museu Alfa Romeo estará no local.
Araxá – Mais famoso e elegante dos encontros de automóveis antigos no país, o Brazil Classic Show, XXII edição em maio, 25 a 29, não terá patrocínio da Fiat, tradicional apoiadora. Cortes nos gastos institucionais. A mineradora CBMN continua. Inscrições abertas em www.brazilclassics.com.br.
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