Apesar do senso comum de que os carros devem mudar para
melhor, em alguns casos o novo mostra desvantagens para o antigo
O tempo passa e os automóveis mudam — são reestilizados, trocam de geração, cedem espaço a sucessores. O que se espera é que o novo produto seja sempre superior ao substituído, mas não é o que acontece em alguns casos.
Depois de quase 30 anos de produção, o Fiat Uno de primeira geração — então chamado apenas de Mille — enfim deu lugar na entrada da linha ao carro lançado em 1996 com o fim de substituí-lo, o Palio. Ao mesmo tempo em que são muitos os avanços de um para outro, os que fizerem a troca devem sentir saudades de algumas vantagens do Mille, como o peso menor em 90 kg (que favorece desempenho e consumo), a incomparável visibilidade e a colocação do estepe no compartimento do motor.
Na Ford, enquanto é preparado o lançamento do novo Ka, o comprador do antigo Fiesta fabricado em Camaçari, BA, pode se interessar pela nova geração do hatch feita em São Bernardo do Campo, SP. É certo que houve avanço expressivo em termos de estilo e que os motores Sigma são superiores em desempenho ao Zetec Rocam, mas o carro perdeu espaço no banco traseiro.
O comprador habitual de Chevrolet Zafira de repente viu-a ser substituída pela Spin, com retrocessos por todo lado, do estilo às soluções internas
O que dizer do comprador habitual de Chevrolet Zafira, produzida por uma década inteira, que de repente viu a minivan ser substituída pela Spin de sete lugares? Havia retrocessos por todo lado, do estilo harmonioso trocado pelo desengonçado ao motor de 2,0 litros e 140 cv, que dera lugar a um 1,8 de apenas 108 cv. Nem mesmo boas soluções internas da antiga minivan, como o rebatimento dos bancos da terceira fila em um assoalho plano, foram aproveitadas na nova. Um verdadeiro exemplo de como decepcionar o cliente.
O Ford Focus passou à terceira geração no ano passado. Em meio a tantas evoluções, houve retrocessos como a capacidade de bagagem do sedã, que caiu em mais de 100 litros — diferença que não passa despercebida e o coloca entre os piores da classe nesse aspecto. Parte da perda se deve à troca das articulações pantográficas da tampa, montadas por fora, por mais baratos braços convencionais que ocupam espaço no compartimento. Os freios traseiros da versão de entrada agora são a tambor, enquanto o antigo vinha com discos em todos os sedãs e no hatch a partir da versão GLX 1,6, e o teto solar tornou-se restrito a uma versão R$ 20 mil mais cara.
Outra sucessão entre os sedãs médios foi a do Citroën C4 Pallas pelo C4 Lounge. O ganho estético de uma traseira mais curta e proporcional ao conjunto veio ao custo da redução do porta-malas, de 513 para 450 litros. O Lounge também ficou sem o ventilador adicional para o banco traseiro, que no Pallas impulsionava o ar aquecido ou refrigerado da frente, e o peso aumentou em 80 kg no caso de uso do mesmo motor.
Por dentro, o novo era velho
Os retrocessos em substituições não são novidade. Há casos bem conhecidos como o do Chevrolet Agile, que chegou em 2009 para o segmento ocupado havia sete anos pelo Corsa de segunda geração. Além de adotar um estilo desarmônico, o novo era velho no que não se enxergava à primeira vista: usava a arquitetura do Corsa anterior e do Celta, o que impôs desvantagens técnicas (caso da suspensão dianteira sem subchassi) e no ambiente interno, como a posição de dirigir e o para-brisa estranhamente próximo.
Ou o do Chevrolet Vectra de terceira geração, de 2005, inferior à segunda em desenho e conforto de rodagem — mais uma vez houve involução na suspensão, em que a traseira perdia o sistema multibraço em favor do simples eixo de torção. Ou, ainda, o do Celta em 2000: lançado como substituto do Corsa Wind na base da linha Chevrolet, era bastante inferior a ele em acabamento e não representava vantagem além de certa atualização visual.
No caso da Ford, prejuízo ao interior foi percebido na reformulação do Ka apresentada para 2008. Se por fora as linhas coerentes entre si — mesmo que não agradassem a todos — deram lugar a uma confusão de formas curvas e angulosas, no interior o compacto perdeu a harmonia de linhas, além de seguir adiante no processo de despojamento iniciado alguns anos antes, quando a fábrica decidiu reposicionar o modelo charmoso como carro de entrada. Nem mesmo o conforto da suspensão foi preservado, já que a retirada do estabilizador dianteiro exigiu o uso de molas mais duras.
O Gol também caminhou para trás na reestilização de 2006: o interior ficava bem mais despojado que o do anterior, no mercado desde 1999
Na Fiat, o Linea — considerado médio, apesar de derivado do hatch compacto Punto — nasceu em 2008 como sucessor do Marea como sedã de topo da marca, mas não conseguiu igualar alguns atributos do modelo antigo. Era menos potente nas versões aspirada (com motor 1,85-litro de 132 cv em vez de 2,45-litros de 160 cv) e turbo (1,4 de 152 cv no lugar de 2,0 de 182 cv), tinha câmbio automatizado monoembreagem (no Marea era automático), não oferecia teto solar e, ao menos em sensação, estava menos espaçoso.
Mesmo um líder de vendas como o Volkswagen Gol pode caminhar no sentido oposto ao do progresso, como se viu no lançamento do chamado G4, a reestilização da linha 2006. O interior ficava bem mais despojado que o da versão anterior, no mercado desde 1999, tanto em aspecto quanto em oferta de conveniências. Essa simplificação, também vista em outras marcas, costuma ocorrer quando são lançados novos modelos em segmento pouco acima — Fox e Polo, no caso da VW —, o que leva o fabricante a deslocar para baixo o carro já conhecido.
A roda tem de girar e, assim, o mercado continuará a ver modelos sendo reformulados e substituídos — é o que o consumidor deseja, pois novidade sempre estimula a compra. Mas os fabricantes precisam estar atentos no projeto e na execução para não deixar que o carro novo seja inferior, mesmo que em alguns aspectos, ao que sai de cena.
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