Contrariando a regra, esses carros ganharam mais potência
nas versões brasileiras do que jamais tiveram no mercado mundial
Assinale as alternativas corretas sobre os carros fabricados no Brasil:
( ) são caros, chegando a custar o dobro dos similares em outros países;
( ) têm menos equipamentos de segurança que os semelhantes vendidos em mercados desenvolvidos;
( ) oferecem menos opções de carroceria, motor e câmbio que os equivalentes no exterior;
( ) trazem apenas os motores menos potentes oferecidos para o modelo no mundo.
Embora as três primeiras assertivas não possam ser contestadas — ao menos como regras, que naturalmente admitem exceções —, a última merece uma análise particular. Para alívio dos que gostam de acelerar, vários automóveis produzidos no Brasil, nos quase 60 anos de nossa indústria automobilística, ofereceram e oferecem motores mais potentes que os similares do exterior.
Por que isso acontece? A resposta depende do contexto histórico. Nos primeiros casos em que isso se deu — como veremos a seguir —, a explicação é que a produção no Brasil estendeu-se por vários anos, ou decênios, a mais que no exterior. Dentro da inevitável (mesmo que lenta) evolução do produto, o fabricante local precisou recorrer a motores mais modernos e potentes, até mesmo para atender a legislações de ruídos, como ocorreu com a Volkswagen Kombi.
Com os motores da série Emi-Sul o Simca Chambord passava a expressivos 140 cv brutos, 66% de aumento sobre o original francês
Em carros mais recentes, porém, o principal fator é outro: projetos estrangeiros são trazidos para ocupar no Brasil um segmento superior àquele no qual competem no exterior. Como somos um mercado de automóveis muito caros para o poder aquisitivo de grande parte dos consumidores, compramos modelos pequenos como se fossem médios e médios como se fossem de luxo. Nesse contexto, acrescentar equipamentos de conforto e motores de potência e cilindrada superiores são expedientes comuns — e de baixo custo — para os fabricantes.
Esse fato curioso pode ser demonstrado com os vários exemplos a seguir (o ano entre parênteses é o do lançamento da geração).
• Simca Chambord (1959): na França o sedã existiu de 1957 a 1961, apenas com um motor V8 de 2,35 litros e potência bruta de 84 cv. Essa unidade foi mantida no Chambord nacional, mas as críticas ao desempenho trouxeram mais 10 cv na versão Présidence e, em 1961, já eram 105 cv. Com os motores da linha Tufão o Simca passava a 112 cv com 2,5 litros e, na série Emi-Sul, a expressivos 140 cv brutos — 66% de aumento sobre o original francês!
• Chevrolet Opala (1968): nosso primeiro automóvel da General Motors era a versão local do Opel Rekord C, lançada na Europa dois anos antes. Lá o motor mais potente foi o de 1,9 litro e 106 cv, embora tenha existido um seis-cilindros de 2,25 litros com 95 cv. Aqui, nosso seis-em-linha de 4,1 litros alcançaria 121 cv em suas últimas versões (não se dispõe de dados líquidos para os modelos dos anos 70, anunciados com valores brutos mais altos). Contudo, se considerado o Commodore da Opel, a coisa perde a graça para nós: esse Rekord mais luxuoso e esportivo teve motores seis-cilindros de 2,5 e 2,8 litros, um deles com injeção e 150 cv líquidos.
• Volkswagen Kombi (1976): como consequência natural de ter durado 34 anos a mais aqui que na Alemanha ou nos Estados Unidos na mesma geração T2, a velha senhora passou por evoluções técnicas que a de lá não conheceu. De 2006 até o fim, em 2013, ela foi equipada com um motor de 1,4 litro e arrefecimento líquido com 82 cv — mais 11 cv que na versão de 2,0 litros “a ar”, lançada nos EUA em 1976, e 10 cv a mais que na mexicana 1,8 “a água” feita de 1991 a 1994, as mais potentes em sua história fora do Brasil. Mas depois de tanto tempo não era mais que obrigação, certo?
• Fiat Tempra (1991): na linha da marca italiana, o sedã derivado do Tipo não poderia interferir no mercado das divisões Lancia, com o Dedra, e Alfa Romeo, com o 155. No Brasil era diferente: o Tempra almejava concorrer com os importados e, mais tarde, com nacionais como Chevrolet Omega CD (165 cv) e Vectra GSi (150 cv). Isso justificou o emprego de motores inexistentes no europeu: o 2,0-litros de 16 válvulas e 127 cv (em 1993), similar ao de 137 cv do Tipo 16V, e o turboalimentado de 165 cv (em 1995), na carroceria de duas portas também exclusiva de nosso mercado. Na Europa o Tempra nunca superou os 113 cv do motor 2,0 aspirado de oito válvulas.
• Fiat Marea (1998): a história se repetia. Como o Tempra, o sedã baseado em Brava e Bravo pretendia competir com carros de segmento superior, como o então novo Vectra — então líder entre os sedãs médios —, o que justificou planos mais ambiciosos em termos de motorização. O cinco-cilindros em linha de 2,0 litros, seu motor mais potente na Europa (onde a linha começava com o 1,25-litro de 82 cv), aqui foi colocado como padrão. Mas não parou por ali: no mesmo ano ganhávamos o Marea Turbo de 182 cv, versão única em termos mundiais, com motor “amansado” do que obtinha 220 cv no Fiat Coupé, e em 2001 o aspirado passava a 2,45 litros e 160 cv, opção também não oferecida lá, que vinha do Lancia Kappa. Para os europeus o único Marea 2,4 ou com turbo foi um diesel de até 131 cv.
• Renault Fluence (2011): a versão GT com motor turbo de 2,0 litros e 180 cv foi vendida no Brasil e na Argentina, mas em outros mercados a linha Fluence termina no motor aspirado de 2,0 litros… como aqui depois que perdemos o GT.
Tivemos o Marea Turbo de 182 cv, versão única em termos mundiais, e o aspirado de 2,45 litros e 160 cv, com motor que vinha do Lancia Kappa
• Ford Ecosport (2012): embora seja um projeto global, o “Eco” não usa os mesmos motores em todos os mercados. Os europeus dispõem do Ecoboost três-cilindros turbo de 1,0 litro, com até 125 cv, e vários mercados o recebem com um 1,5 turbodiesel. Mas o mais potente Ecosport do mundo é o nosso de 2,0 litros, com 147 cv ao usar álcool — 7 cv a mais que a versão russa de mesma cilindrada. Vale notar que na geração anterior, já dotada do motor 2,0 com 143 cv, o Ford brasileiro era derivado do Fusion europeu cuja oferta terminava no 1,6.
• Honda Civic (2012): comparado ao vendido no maior mercado do mundo — os Estados Unidos —, o modelo nacional é mais potente nas versões de grande volume, com até 155 cv no motor de 2,0 litros, enquanto lá o Civic usa um 1,8 de 143 cv (o esportivo Si de 2,4 litros e 201 cv está disponível em ambos os países). O motor maior não é exclusividade nossa, porém: equipa versões vendidas na Ásia e outros mercados desde a geração anterior.
• Toyota Etios (2012): compre um Etios hatch na Índia, seu mercado original, e você terá apenas um motor 1,2 de 80 cv a gasolina, além do 1,4 a diesel de 68 cv. O 1,5 que temos no Brasil a partir da versão XS equipa, lá, só o hatch Cross e o sedã.
• Nissan Sentra (2013): o carro não é nacional, mas merece a inclusão. A mudança de geração do sedã fabricado no México para os EUA trouxe a redução do motor de 2,0 para 1,8 litro, mas no Brasil isso não aconteceu — permanecemos com a unidade maior, 10 cv mais potente que a deles, para não ficar tão para trás dos adversários. Pode ser que um esportivo Sentra Nismo (já revelado como conceito) faça a alegria do pessoal lá do Norte, mas por enquanto o mais potente é o vendido aqui.
• Toyota Corolla (2014): a exemplo do Civic, não passa de 1,8 litro na versão norte-americana, que tem 132 cv. A nossa começa em 144 cv com a mesma cilindrada e chega a 154 cv com 2,0 litros (sempre com álcool), opção que a Toyota oferece também em alguns mercados asiáticos. No Japão, porém, o atual Corolla é um carro menos imponente no estilo e usa pequenos motores 1,3 e 1,5.
• Peugeot 2008 (2015): em um segmento onde 140 cv são comuns, os franceses não teriam boas chances por aqui se ficassem limitados aos 122 cv do motor 1,6 aspirado nacional (na Europa a opção superior a gasolina é o 1,2 turbo de 130 cv). Para o Brasil o 2008 recebeu a opção do potente THP 1,6 turbo flexível, capaz de 173 cv com álcool, o que faz do nosso por larga margem o campeão mundial de potência no modelo.
Editorial anterior |