Nascido em cenário turbulento, o “compacto” requintado
ensinou novos conceitos à General Motors e a toda a Detroit
Texto: Fabrício Samahá e Fabiano Pereira – Fotos: divulgação
Se a década de 1970 foi um período obscuro para a indústria norte-americana de modo geral, o ano de 1975 foi negativo em particular. Não apenas eram sentidos em sua plenitude os efeitos da primeira crise do petróleo, deflagrada dois anos antes: havia também normas de segurança, de emissões poluentes e de controle de consumo, que os fabricantes precisavam seguir e que resultavam em carros menos potentes ou interessantes para grande parte do público. Modelos importados ganhavam espaço no mercado; Detroit estava em declínio.
Por tudo isso, 1975 foi um ano sem lançamentos marcantes de automóveis nos Estados Unidos, salvo por um: o Cadillac Seville.
Poucas vezes um Cadillac pôde ser tão justamente chamado de um exemplo de bom gosto. Habitual produtora de carros nos quais tudo é superlativo em tamanho, a divisão de luxo da General Motors decidiu inovar com essa sua primeira incursão no segmento dos “compactos”, como os norte-americanos ainda chamavam os carros médios tão menores que seus tradicionais modelos full-size (tamanho máximo).
Mais curto em 68 cm e meia tonelada mais leve que o DeVille, o Seville representou
grande redução de tamanho, mas não de preço: era um dos mais caros Cadillacs
Ciente de que o Seville buscaria as vendas perdidas para marcas estrangeiras, sobretudo a Mercedes-Benz com seu Classe S, a Cadillac se empenhou para criar um carro de beleza e elegância únicas. Em vez de copiar o estilo do Velho Mundo, seus projetistas usaram proporções europeias num desenho bem norte-americano, com discrição e leveza impressionantes para um “Caddy”. Reto e anguloso, tinha a coluna traseira num ângulo de quase 90° em relação à cintura do carro, quatro faróis retangulares, teto revestido em vinil e para-choques cromados, mas não tão grandes quanto vinha sendo habitual. Seria inspiração para vários outros modelos.
Menor que os outros modelos da linha em tantos aspectos, o Seville ao menos era movido por um V8, que trazia a primeira injeção eletrônica que deu certo em um carro norte-americano
O nome Seville, de uma cidade e uma província espanholas, havia sido usado antes numa versão hardtop do Eldorado, produzida entre 1956 e 1960, e foi escolhido entre opções como LaScala, St. Moritz e LaSalle — o mesmo de uma divisão da GM, extinta em 1941, que havia atuado como “marca de companhia” para a Cadillac.
A corporação tinha pressa: diante do fato de que muitas concessionárias de sua marca de luxo estavam assumindo franquias da Mercedes e da BMW, a empresa definiu como 14 meses o tempo para o desenvolvimento do carro ante uma média de 24 a 36 meses na época. Não faltaram alternativas para tornar mais ágil esse processo. Pensou-se em criar uma versão do Opel Diplomat alemão (que usava o motor Chevrolet V8 de bloco pequeno) ou mesmo de modelos da Holden australiana, mas as alterações necessárias à estrutura custariam mais que adaptar uma plataforma local. Outro estudo abandonado foi o de usar a plataforma de tração dianteira do Eldorado e do Oldsmobile Toronado: não havia escala de produção suficiente do transeixo usado em sua transmissão.
Ar-condicionado, comutação de faróis e liberação do freio de estacionamento
eram automáticos; a alavanca de câmbio vinha na coluna de direção
Por fim foi escolhida a arquitetura X da GM norte-americana, também conhecida como NOVA — as iniciais dos modelos Chevrolet Nova, Oldsmobile Omega, Pontiac Ventura e Buick Apollo, que a empregavam —, com um subchassi aplicado ao monobloco (não confundir com os “carros X” de tração dianteira, como o Chevrolet Citation, que só surgiriam em 1979). De tão modificada, ganhou a nomenclatura K. Como foi aproveitada a estamparia da parte dianteira do teto dos demais modelos, mas associada a uma nova parte traseira, o Seville vinha de série com revestimento de vinil a fim de esconder a emenda de chapas.
Com 5,18 metros de comprimento, 1,82 m de largura, 2,90 m de distância entre eixos e peso de 1.925 kg, o carro era 68 centímetros mais curto, 20 cm mais estreito e cerca de meia tonelada mais leve que um DeVille, embora continuasse mais longo que um Jaguar XJ12L e quase tanto quanto um Mercedes S. Essa redução de tamanho — downsizing, termo hoje em voga outra vez, mas relacionado à cilindrada dos motores — foi um passo de ousadia da GM: até então, Detroit entendia que a ideia de oferecer carros de luxo menores aos norte-americanos estava fadada ao insucesso. O consumidor nunca pagaria por um automóvel compacto o mesmo que por um modelo grande; se desenvolver o veículo menor custasse mais, fechar a conta seria ainda menos provável. Contudo, agora havia fatores importantes para estimular a redução.
Menor que os outros modelos da linha em tantos aspectos, o Seville ao menos era movido por um V8. O motor de 5,75 litros com comando de válvulas no bloco, potência de 180 cv e torque de 37,9 m.kgf vinha da divisão Oldsmobile, mas trazia a primeira injeção eletrônica de combustível que deu certo em um carro norte-americano, fornecida pela Bendix (nos anos 50, a tentativa da mesma empresa junto à Chrysler não foi bem-sucedida) e lançada pouco antes pela Cadillac no Eldorado de 8,2 litros. Catalisador era item de série, mas a injeção resultava em um motor tão “limpo” que poderia atender às normas de emissões da Califórnia, então as mais severas, sem o dispositivo.
O objetivo da Cadillac com esse médio de alto luxo era enfrentar a Mercedes-Benz
e a BMW, marcas para as quais vinha perdendo clientes e até concessionárias
A tração ainda era traseira, com caixa de câmbio automática de três marchas de série, suspensão dianteira independente com braços sobrepostos e traseira com eixo rígido e feixe de molas semielípticas; freios a disco vinham apenas na frente.
Sua lista de equipamentos incluía comandos elétricos em praticamente tudo, ar-condicionado com ajuste automático de temperatura, volante ajustável em altura e distância, comutação automática entre os fachos alto e baixo dos faróis, para-sóis com espelho e iluminação em dois níveis, liberação automática do freio de estacionamento e até iluminação para encontrar a fenda da chave na porta. Opcionais, só dois: rádio e teto solar — inesperado para um Cadillac, pois a marca havia habituado o público a extensas listas de opções. O painel tinha velocímetro em escala horizontal e a alavanca de câmbio vinha na coluna de direção.
Choveram elogios ao Seville na imprensa mundo afora, mesmo com um preço não proporcional ao tamanho: pequeno por fora (para um Cadillac), mas requintado por dentro, ele só custava menos que a limusine Fleetwood 75, de produção reduzida, e superava em 20% o valor de um Eldorado conversível! Um paradoxo não visto na marca desde o lançamento em 1938 do modelo 60 Special, então o menor e o mais caro Cadillac.
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Nas telas
Sevilles de todas as gerações podem ser vistos no cinema. São da primeira fase de sua história os carros de 1976 do filme policial Jackie Brown (1997), do terror A Morte Pede Carona (The Hitcher, 1986), da comédia Car Wash, Onde Acontece de Tudo (Car Wash, 1976) e do drama Wildfire (1988), assim como os modelos 1977 da ação Exterminador Implacável (Wanted: Dead or Alive, 1987) e do filme de mesmo tipo Trabalho Sujo (Men at Work, 1990).
A geração lançada para 1980, com sua traseira peculiar, aparece nos filmes de ação Supergirl (1984) e Uma Tremenda Confusão (A Fine Mess, 1986), no policial Os Imorais (The Grifters, 1990) e, em uma exótica versão limusine, na comédia Johnny Bom de Transa (Johnny Be Good, 1988).
Mais raro nas telas, o modelo de 1986 ainda assim tem presença relevante na comédia O Amor Pede Passagem (Management, 2008). A geração seguinte, de 1992, é vista na ação Equilibrium (2002) e, em versão STS, nos filmes de terror Resident Evil 2 – Apocalipse (Resident Evil: Apocalypse, 2004) e À Beira da Loucura (In the Mouth of Madness, 1995).
A atraente última geração do Seville realmente se internacionalizou, como mostra a aparição na ação francesa Les Insoumis (2008). Também está presente nos filmes norte-americanos de ação Survival of the Illest (2004) e O Implacável (Get Carter, 2000).
Apesar do alto preço, o Seville conquistou seu espaço e provou à própria GM que
carros menores eram viáveis, mesmo em uma categoria dominada pela ostentação
Mas a ideia deu certo. Concessionárias emprestavam Sevilles para clientes que deixassem seus modelos grandes para revisão e constatavam que, depois que as esposas o dirigissem, uma venda do novo modelo era praticamente garantida. Com 44 mil unidades vendidas no primeiro ano-modelo, a GM recuperou seu investimento com rapidez e ganhou segurança para aplicar a redução de tamanho a outros automóveis. O êxito foi tal que a arquirrival Lincoln correu para desenvolver um adversário — o Versailles, que chegaria só em 1977.
“Quem disse que Detroit não pode aplicar o silêncio e a suavidade de um carro grande a um intermediário? A Cadillac o fez, e ela o chama de Seville”, anunciava a revista Popular Mechanics. “Ele é maravilhosamente silencioso em velocidade. É muito suave, mas a suspensão é firme o suficiente para quase não haver inclinação em curvas rápidas. O comportamento é um dos pontos fortes do carro: ágil, preciso, previsível”. A revista também aprovou o interior, descrito como “confortável e luxuoso, com o tratamento Cadillac em todo ele”.
Outro teste, o da Road & Track, considerou-o “não um Mercedes, mas um Cadillac muito bom”, explicando diferenças conceituais, como a velocidade habitual de uso em estradas, envolvidas entre o projeto de um carro alemão e o de um norte-americano. Mesmo assim, “o Seville excede naquelas áreas nas quais a Cadillac há tempos estabelece os padrões: silêncio quase total, alto grau de conforto, numerosos acessórios elétricos, acabamento suntuoso e um rodar extremamente suave. Menos conhecidas virtudes da marca são o controle de qualidade, entre os melhores do mundo, que resulta em frequência de reparos muito baixa, e o excelente serviço de concessionárias”. O desempenho foi considerado adequado, com aceleração de 0 a 96 km/h em 13,3 segundos.
Na segunda geração, que passava à tração dianteira, o Seville assumia um estilo
controverso com a traseira em declínio, inspirada em carros ingleses do pré-guerra
Freios traseiros a disco eram adotados em 1977; no ano seguinte a versão Elegante vinha em duas cores sobrepostas, com rodas raiadas, teto sem revestimento de vinil (a emenda de chapas já não existia) e bancos revestidos em couro cinza-claro. Outra opção lançada nesse ano-modelo era o painel de instrumentos digital Tripmaster, que englobava os principais mostradores e um computador de bordo com dados como consumo médio e autonomia, mas durou pouco tempo no catálogo.
O Seville 1980 surpreendia com um porta-malas inspirado nos Daimlers e Rolls com carroceria Hooper: lembrava carros dos anos 30 e 40 sem o terceiro volume bem definido, como é usual desde os 50
Para 1979 a novidade era o Gucci Seville, uma versão personalizada feita em parceria com a grife de roupas e artigos de couro — cujo logotipo do duplo “G” aparecia nas colunas traseiras e nos encostos de cabeça, enquanto um jogo de malas da marca guarnecia o porta-malas. Tantos recursos levaram a Cadillac a sua meta: as boas vendas estragaram a alegria dos europeus — mas só por algum tempo. Logo seus méritos passariam por uma prova de fogo com algumas estratégias equivocadas do fabricante.
O diesel e o V8-6-4
O primeiro erro foi o motor V8 a diesel de 5,75 litros de origem Oldsmobile, com modestos 105 cv e 28 m.kgf, que vinha de série no Seville 1980, sendo opcional o V8 a gasolina de 6,05 litros com 145 ou 160 cv — medida estimulada pelo êxito da Mercedes, que então tinha no diesel 60% de suas vendas nos EUA. O detalhe que a GM não considerou é que os motores da alemã tinham meio século de tradição em refinamento e resistência… Embora conseguisse um rendimento por litro cerca de 45% mais alto que o da versão a gasolina, o V8 a diesel, complicado e pouco confiável, ajudou a sedimentar entre os norte-americanos uma rejeição a esse tipo de motor que permanece ainda hoje.
Embora as formas tenham dividido opiniões, a Cadillac acertou ainda menos nas
soluções para reduzir o consumo: motor a diesel e desligamento de cilindros
Um ano depois vinha o “V8-6-4” de 6,05 litros, 140 cv e 36,5 m.kgf, que desligava dois ou quatro dos cilindros conforme a solicitação de uso. Embora a ideia tivesse futuro — hoje motores Mercedes, Honda e Volkswagen, entre outros, desligam metade de seus cilindros em condições de menor uso de potência —, a precária eletrônica disponível na época não ajudava e havia queixas quanto às vibrações do motor ao operar com seis cilindros. Foi tamanha a insatisfação com o sistema desenvolvido pela Eaton que muitos motoristas cortaram os fios do computador responsável pela função, para usar sempre oito cilindros.
Outra tentativa de reduzir o consumo deu-se em 1981 com um motor V6 de 4,1 litros e 125 cv, derivado do 3,8 da Buick, o primeiro seis-cilindros em um Cadillac desde antes da Segunda Guerra Mundial. Por fim, em 1982, o modelo adotava um novo V8 de 4,1 litros com cabeçotes de alumínio, os mesmos 125 cv e 27,6 m.kgf, chamado de HT 4100 — seriam 10 cv a mais no ano seguinte.
Para quem acha os carros de luxo ianques monótonos, o Seville 1980 surpreendia. Trazia um porta-malas inspirado nos britânicos Daimler e Rolls-Royce com carroceria Hooper de antes da guerra: lembrava carros dos anos 30 e 40 sem o terceiro volume bem definido, como é usual desde os 50. Era amado pela originalidade ou odiado por parecer um sedã grande amputado. Gosto à parte, o fato é que a solução foi logo seguida pelas outras “duas grandes” de Detroit, em 1981 no Chrysler Imperial cupê e um ano mais tarde no Lincoln Continental.
O interior continuava sofisticado e repleto de itens de tecnologia, como computador
de bordo e memórias de posição do banco; a plataforma e a frente vinham do Eldorado
Sob a controversa carroceria a Cadillac adotava uma nova plataforma K, baseada na E que servia a Eldorado, Toronado e Buick Riviera, com tração dianteira — tendência na época — e suspensão traseira independente por braço arrastado com nivelamento automático. Na verdade, tudo o que estava do painel para frente, incluindo a mecânica, era igual entre o Seville e o Eldorado. Hoje essa geração é para muitos um clássico, como a de 1975.
O interior continuava a trazer requintes de certa tecnologia, como bancos com ajuste elétrico e duas memórias de posição (não mais usados pela marca desde o Eldorado Brougham dos anos 50), ar-condicionado automático e painel digital. Os retrovisores externos contavam com desembaçador e havia opção pelo Full Cabriolet Roof, um teto que fazia o sedã parecer um conversível de quatro portas. O pacote Elegante vinha com bancos de couro, calotas raiadas e pintura em dois tons.
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No Oriente Médio
A mesma região do globo que, de certa forma, levou a Cadillac a desenvolver o Seville — foi o embargo do petróleo árabe que acarretou a demanda norte-americana por automóveis mais econômicos — foi também o único lugar fora dos Estados Unidos a ter uma linha de montagem do modelo.
Em 1977, o Xá do Irã manifestou à General Motors o interesse em ter o novo Cadillac montado em seu país para fornecer a cerca de 1.000 generais do exército local. A GM então iniciou um programa de exportação de conjuntos completamente desmontados (completely knocked down, CKD) para o Irã, onde os carros eram montados em uma operação comandada por um amigo do Xá. O Seville iraniano era mais potente que o norte-americano, pois o motor não precisava atender a normas de emissões poluentes e — claro — estava livre de qualquer preocupação com economia de combustível.
A operação, porém, não durou muito: em pouco tempo o Xá era deposto, e a operação de montagem, cancelada.
Enquanto abandonada a traseira polêmica em favor de linhas tradicionais, o
terceiro Seville surgia para 1986 com menores dimensões e suspensão mais firme
Para a Popular Mechanics, o Seville 1980 estava “tecnicamente muito acima da maioria dos rivais da classe de luxo e, talvez, de cinco a sete anos à frente do automóvel médio fabricado nos EUA”. Outra revista, a Popular Science, comparou o modelo de 1982 ao Lincoln Continental e ao Chrysler New Yorker. O Cadillac desempenhou bem em espaço interno, nível de ruído e conforto de marcha, embora tenha ficado atrás do Lincoln em aceleração e perdido para o Chrysler em visibilidade e economia. O motor V8 de alumínio com injeção eletrônica monoponto “ganha velocidade suave e instantaneamente. O Seville, em geral, roda como um carro mais pesado que os concorrentes. E há muito mais espaço no banco traseiro que na primeira versão”.
O Cadillac seria a escolha do editor: “Seu alto preço, estilo diferenciado e excessiva ornamentação interna apelam para meu lado esnobe. Pela face prática, prefiro sua tração dianteira pelo espaço que fornece ao compartimento de passageiros e a sensação de solidez da direção em alta velocidade. A suspensão traseira independente pode não fazer uma diferença notável no uso do dia a dia, mas evidencia que a Cadillac é séria sobre dar o próximo passo para oferecer a seus clientes o melhor em tudo”.
Reduzido de fato
Quando muitos carros norte-americanos encolheram ao nível europeu ou japonês nos anos 80, o Seville finalmente fez jus à classificação de compacto para os padrões dos Estados Unidos. Mais curto em 42 cm e mais leve por 170 kg, o modelo 1986 repetia a coluna traseira bem vertical de 1975, tinha bom coeficiente aerodinâmico (Cx), 0,37, e dividia o projeto com o novo cupê Eldorado com motor transversal — Buick Riviera e Oldsmobile Toronado também compartilhavam a plataforma.
Freios ABS, telefone celular e controle eletrônico de altura da suspensão já vinham
no modelo 1986; em 1991 (foto) o motor V8 passava a ter 4,95 litros e 200 cv
Oferecia caixa automática de quatro marchas com alavanca no console, freios a disco nas quatro rodas, eletrônica farta. A suspensão traseira usava molas semielípticas transversais de plástico e fibra de vidro e um sistema eletrônico para nivelamento automático. A ampla gama de opcionais passava por freios antitravamento (ABS), telefone celular, retrovisor interno fotocrômico, sistema de áudio Bose e pintura em dois tons. Embora o requinte e o tamanho fossem coerentes com a proposta original do Seville, já havia outro modelo no papel do menor da linha: o malsucedido Cimarron, uma versão com acabamento Cadillac — e quase nada além — do Chevrolet Cavalier que ajudou a desacreditar ainda mais a marca.
O Seville 1986 não fez sucesso, e parte da explicação estava na semelhança de linhas com modelos bem menos caros da corporação: era difícil apontar qual fosse qual sem olhar os logotipos
Na avaliação da Popular Mechanics, o novo carro destacou-se em conforto de marcha, nível de ruído (“a Cadillac estabelece a referência”), direção (“boas respostas e sensações da estrada para um carro de luxo”), bancos (“conforto ao toque de um botão; o assento traseiro acomoda três adultos”) e capacidade de bagagem. Os pontos menos elogiados foram a aceleração do motor 4,1 e o consumo de combustível.
“A Cadillac fez um bom trabalho na suspensão para lhe dar a sensação de seus competidores no mercado. O controle de direção é preciso e rápido para um Cadillac. A fábrica conseguiu incorporar as refinadas características de comportamento de carros menores. A estabilidade da suspensão básica é superior à da suspensão Touring opcional do modelo 1985”, elogiou a revista, que concluiu: “São carros tradicionais o bastante para atrair o conservador cliente Cadillac, e talvez esportivos e orientados ao desempenho o suficiente para ter apelo com o novo consumidor voltado à imagem de hoje”.
A sigla STS identificava um Seville com apelo mais jovial, sem tantos cromados
e com mais potência no motor de 4,5 litros; a denominação sobreviveria ao modelo
Por melhor que fosse, o Seville 1986 não fez sucesso: as vendas despencaram de 39.755 para 19.098 unidades. Parte da explicação estava na semelhança de linhas com modelos bem menos caros da corporação. Uma matéria da revista Newsweek acerca do declínio da GM mostrava, traseira contra traseira, um Seville de US$ 27 mil e um Oldsmobile Calais de um terço do preço — era difícil apontar qual fosse qual sem olhar os logotipos.
O quadro pouco melhorou até surgir a versão esportiva STS (Seville Touring Sedan), em 1988, com o novo V8 de 4,5 litros dotado de coletor de admissão variável com dois estágios, 155 cv e 33,1 m.kgf. Já havia uma suspensão mais firme (a Touring) opcional, mas era a primeira vez em que o modelo vinha com visual mais jovial, sem tantos cromados. Em todo Seville, capô e grade redesenhados buscavam obter uma identificação mais fácil de que ali estava um Cadillac. Volante regulável em altura e distância e controlador de velocidade agora vinham de série.
No ano seguinte as novidades estavam no para-brisa ElectriClear, dotado de aquecimento interno para se desembaçar, e na opção de imobilizador do motor por meio de chave codificada. A linha 1990 trazia injeção multiponto para o V8, que assim passava a 180 cv e 33,9 m.kgf, e bolsa inflável de série para o motorista. O motor revigorado só durou um ano no Seville, que no modelo seguinte adotava a unidade de 4,95 litros com 200 cv e 37,9 m.kgf, ainda com comando no bloco, associada a uma caixa automática com controle eletrônico.
Harmonia de linhas era certamente um atributo do Seville de quarta geração, de
1992; a versão SLS, acima, trazia bolsa inflável e ABS e estava 30 cm mais longa
O Northstar e o OnStar
Na geração de 1992 o Seville, mais largo e cerca de 30 centímetros mais longo, voltava a impressionar pela elegância. A coluna traseira inclinada abria mão de sua forma característica para um perfil mais harmonioso e moderno. Mantinha o V8 de 200 cv e trazia de série freios ABS e bolsa inflável para o motorista. No interior, um pacote esportivo opcional reposicionava a alavanca de câmbio no console — o habitual era que viesse na coluna de direção — e substituía os instrumentos digitais por analógicos. O STS vinha ainda com acabamento externo mais sóbrio, direção e suspensão recalibradas e bancos revestidos em couro.
O elogiado Northstar V8 de 4,6 litros com bloco de alumínio, duplo comando nos cabeçotes e quatro válvulas por cilindro, que desenvolvia 295 cv e 40 m.kgf, elevava ainda mais seu moral em 1993. Chegavam também a bolsa inflável frontal para o passageiro e, para o STS, controle de tração e suspensão com gerenciamento eletrônico dotado de três níveis de amortecimento — Comfort, Normal e Sport. Um ano mais tarde o Seville Luxury Sedan (SLS) adotava o Northstar em configuração mais “mansa”, com 270 cv, e os controles de tração e suspensão eram estendidos a todo Seville.
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Para ler
Cadillac at 100: Legacy of Leadership – 1902-2006 – por Maurice D. Hendry, editora Automobile Heritage. Se faltam livros dedicados ao Seville, há boas obras sobre a história da Cadillac, marca mais que centenária. Este, com 560 páginas e 230 fotos em cores, diz cobrir “todos os modelos, todos os eventos e todos os períodos”. Publicado em 2008.
The Cadillac Story: The Postwar Years – por Thomas Bonsall, editora Stanford General Books. De 2003, o livro cobre o período pós-guerra de uma marca inovadora, mas que enfrentou séria crise nos anos 80. Considera que, de certa forma, essa é a história da própria indústria automobilística norte-americana. São 240 páginas.
Standard Catalog of Cadillac – 1903-2005 – por John Gunnell, editora Krause Publications. Muitos dados técnicos e descrições de modelos, versões e anos é o que trazem as 400 páginas desse livro, já na terceira edição e agora toda em cores. Gunnell tem também materiais similares sobre Pontiac, motores V8 e “carros musculosos”, entre outros.
Cadillac: 110 Years – editora Assouline. Gosta de novidades? O livro de 192 páginas acaba de ser lançado nos EUA com 110 anos de história da marca. São mais de 200 fotos em cores e artigos sobre personalidades ligadas à Cadillac, como Elvis Presley e Bruce Springsteen.
Cadillac: A Century of Excellence – por Robert Leicester Wagner, editora MetroBooks. A obra de 2002 aborda em 160 páginas o primeiro século de história da marca.
O acabamento do STS combinava-se em 1993 ao motor Northstar V8 de 4,6 litros
com 295 cv, além de controle de tração e suspensão com ajuste eletrônico
A linha 1996 vinha com novo desenho no painel, e o ano-modelo seguinte, com o controle eletrônico de estabilidade Stabilitrack e limpador de para-brisa automático. Foi também quando o STS ganhou uma evolução de sua suspensão, com variação contínua de amortecimento conforme as condições da estrada e o modo de dirigir, e surgiu o sistema OnStar.
Por meio de uma conexão de telefonia celular, o motorista de um Seville ou outro Cadillac podia contar com auxílio de uma central 24-horas para navegação, localização de pontos de interesse (como hotéis e postos de combustível), desbloqueio do carro caso o trancasse com a chave dentro e rastreamento em caso de roubo ou furto. Ainda, um sistema automático enviava mensagem de alerta à central no evento de disparo de uma bolsa inflável; caso o usuário não respondesse ao contato, uma equipe de socorro era encaminhada. O OnStar tornou-se disponível nos anos seguintes para outros produtos da GM.
A revista Motor Trend avaliava bem o SLS diante do Lexus LS 400 e do Mercedes-Benz E 420, todos com motores V8 de 4,0 litros ou mais, em 1995. “A Cadillac oferece um dos mais rápidos e tecnicamente avançados sedãs de luxo já feitos nos EUA. Com o maior torque em um carro de produção de tração dianteira, combinado à excelente caixa de quatro marchas, o motor permite aceleração que humilharia quase todos os ‘carros musculosos’ dos anos 60: de 0 a 96 km/h em 7,3 segundos e quarto de milha [0 a 402 metros] em 15,4 s. As primeiras manutenções no motor não vêm antes de 160.000 km e ele cruza as autoestradas com o silêncio de uma biblioteca. Isso é um grande trem de força, ou o quê?”, provocava.
Comparativos mostraram que o Seville dos anos 90 era competitivo em conforto
e desempenho a carros europeus renomados, com vantagem em preço
Ao fim da comparação, o veredito mostrou que a Cadillac estava em bom momento: “O SLS é um hot rod de rodar agradável e revestido com couro e madeira. Que um carro feito nos EUA possa se equivaler a dois líderes mundiais em luxo é uma conquista por si mesma. Considere os preços (o SLS custa cerca de 20% a menos que os outros), e o mote ‘A referência do mundo’ da marca volta a fazer sentido. O Cadillac SLS tem uma relação custo-benefício excelente na arena dos sedãs de luxo”.
Os objetivos da Cadillac estavam claros em medidas como as pesquisas prévias de público em três continentes, a apresentação no Salão de Frankfurt e os cinco idiomas do sistema de informações do painel
Dos EUA para o mundo
Com a saída de produção do enorme Fleetwood em 1996, o “compacto” Seville era enfim promovido a intermediário, abaixo apenas do DeVille. A última geração surgiu para 1998 com uma evolução discreta do estilo anterior, melhor aerodinâmica (Cx 0,30 contra 0,34 do antigo) e estrutura mais rígida e segura. A plataforma guardava muito em comum aos Buicks Riviera e Park Avenue e ao Oldsmobile Aurora e tinha maior distância entre eixos, mas com redução de 8 cm no comprimento total.
No interior, o banco do motorista trazia sensores em 10 pontos e um dispositivo que variava a pressão sobre o corpo, de tempos em tempos, para evitar o cansaço em longos trajetos. Os adeptos de música em alto e bom som podiam ter um sistema Bose com potência de 425 watts, subwoofer de 12 pol e toca-CDs multidisco no console. Seu Northstar de 32 válvulas chegava a 275 cv (SLS) e 300 cv (STS). A suspensão traseira adotava o conceito multibraço e, como a dianteira, usava braços de alumínio, mantendo o ajuste eletrônico de amortecimento. Bolsas infláveis laterais nos bancos dianteiros e os primeiros cintos com pretensionadores em um carro norte-americano ampliavam a segurança passiva.
Se o desenho do modelo 1998 lembrava bastante o do anterior, havia avanços técnicos,
como a suspensão traseira multibraço, e em conforto, caso da massagem no banco
Os objetivos da Cadillac de ganhar o mundo, com exportação do modelo prevista para 40 países, estavam claros em medidas como as pesquisas prévias de público com 4.000 potenciais clientes em três continentes, o local de sua apresentação — o Salão de Frankfurt, na Alemanha —, a produção em volume expressivo de versões com volante do lado direito, a prioridade ao mercado japonês nas primeiras entregas, os cinco idiomas do sistema de informações do painel e a versão com para-choques menos salientes para que, com cerca de 12 cm a menos de comprimento, coubesse dentro do padrão máximo de cinco metros das vagas de estacionamento europeias.
As novidades impressionaram a Motor Trend, que escreveu: “O Seville é facilmente o carro de tecnologia mais avançada já produzido pela GM — talvez pelos EUA — e pode, com segurança, ser chamado de melhor sedã esportivo de luxo da América. Ficamos surpresos com seus níveis de desempenho, controle, luxo e conveniência que, sim, são dignos de intenções de classe mundial. A concorrência é árdua, incluindo Mercedes Classe E, BMW Série 5, Lexus LS 400 e o novo GS, Infiniti Q45 e Acura RL. Com um preço abaixo dos competidores e sem muitos dos antigos compromissos, o Seville pode significar o melhor negócio na terra do luxo”.
A linha 2000 trazia sensores de estacionamento na traseira; dois anos mais tarde vinha o navegador por satélite com dados armazenados em DVD e comandos por voz e, em 2003, comando elétrico para ajustar o volante em altura e distância. No ano seguinte o STS deixava a linha, abrindo caminho para a chegada do sucessor.
A última geração desse Cadillac foi definida para competir com os europeus
lá mesmo, no Velho Mundo; o modelo 2003 foi o último para a versão STS
O nome Seville passava à história em abril de 2004, quando a Cadillac apresentava o novo STS. O grande sedã de tração traseira — com opção por integral — adotava a plataforma Sigma do CTS, mas com maiores dimensões, e seu padrão de estilo com faróis e lanternas verticais e formas angulosas. Estava disponível com motor V6 de 3,6 litros e 255 cv e com um V8 de 4,6 litros e 320 cv, sempre com câmbio automático de cinco marchas.
O primeiro compacto ao estilo Cadillac se manteve o mais prestigiado carro da linha, desde seu lançamento, e saiu de cena ainda em grande forma. O Seville mostrou que as menores caixas podem mesmo conter os melhores presentes.
Ficha técnica
Seville (1979) | Seville (1983) | Seville STS (2000) | |
MOTOR | |||
Posição e cilindros | longitudinal, 8 em V | transversal, 8 em V | |
Comando e válvulas por cilindro | no bloco, 2 | duplo no cabeçote, 4 | |
Diâmetro e curso | 103 x 85,8 mm | 88 x 84 mm | 93 x 84 mm |
Cilindrada | 5.736 cm³ | 4.097 cm³ | 4.565 cm³ |
Taxa de compressão | 8:1 | 8,5:1 | 10:1 |
Potência máxima | 170 cv a 4.200 rpm | 135 cv a 4.400 rpm | 305 cv a 6.000 rpm |
Torque máximo | 37,2 m.kgf a 2.000 rpm | 26,3 m.kgf a 2.400 rpm | 40,8 m.kgf a 4.400 rpm |
Alimentação | injeção | injeção multiponto | |
TRANSMISSÃO | |||
Tipo de câmbio e marchas | automático, 3 | automático, 4 | |
Tração | traseira | dianteira | |
FREIOS | |||
Dianteiros | a disco | a disco ventilado | |
Traseiros | a disco | ||
Antitravamento (ABS) | não | sim | |
SUSPENSÃO | |||
Dianteira | independente, braços sobrepostos | independente, McPherson | |
Traseira | eixo rígido | ind., braço arrastado | ind., multibraço |
RODAS | |||
Pneus | GR78-15 | 205/75 R 15 | 235/60 R 16 |
DIMENSÕES | |||
Comprimento | 5,18 m | 5,20 m | 4,995 m |
Entre-eixos | 2,90 m | 2,89 m | 2,85 m |
Peso | 1.925 kg | 1.730 kg | 1.815 kg |
DESEMPENHO | |||
Velocidade máxima | 185 km/h | 165 km/h | 241 km/h |
Aceleração de 0 a 96 km/h | ND | 6,7 s | |
Dados do fabricante; ND = não disponível |