Silverado marcou a primeira e a última vez para a GMB

A picape pesada que se igualou às norte-americanas em desenho encerrou o segmento na Chevrolet

Texto: Fabrício Samahá – Fotos: divulgação

A General Motors do Brasil, historicamente, produziu picapes grandes com desenho próprio. Desde a pioneira 3100 “Brasil” lançada em 1958, que mesclava elementos de estilo de duas séries dos Estados Unidos, até as séries 10 e 20 de 1985, que lembravam mais a primeira S-10 norte-americana do que a linha C-K da época, passando pela série C-10/C-14 inaugurada em 1964, todas tiveram linhas projetadas aqui, mesmo que identificadas com modelos da matriz de Detroit.

Isso mudou em 1997, quando a série 10/20 deu lugar à Silverado. O segmento de picapes grandes andava em declínio no Brasil, onde os modelos médios haviam estreado no começo da década, mediante importadas como Mitsubishi L200 e Toyota Hilux, e tomado ímpeto com a produção nacional da S10 pela própria Chevrolet em 1995.

Mais compactas e práticas no uso urbano, mas capazes de transportar uma tonelada nas versões a diesel, essas picapes ganhavam mercado das maiores. Assim, como meio de atualizar sua representante com custos mais baixos, a GM optou por fabricar em Córdoba, na Argentina, a picape com o mesmo desenho que as norte-americanas usavam desde 1987.

Cabine estendida (com portas contrárias) ou dupla, motores V8, para-lamas salientes: opções da linha C/K nos EUA que não vieram

Nos Estados Unidos a quarta geração das linhas C e K (C para versões de tração traseira, K para tração nas quatro rodas) oferecia cabines simples, estendida e dupla, três opções de capacidade de carga (identificadas como 1500, 2500 e 3500) e grande variedade de motores: V6 de 4,3 litros, V8 de 5,0, 5,7 e 7,5 litros (todos a gasolina), V8 de 6,2 litros (a diesel) e de 6,5 litros (turbodiesel) com potências de 126 a 290 cv.

Opções como caçamba com para-lamas destacados, dupla rodagem no eixo traseiro e transmissão automática não poderiam faltar. Lá o nome Silverado indicava apenas um dos acabamentos. Dois utilitários esporte, o mais curto Tahoe e o maior Suburban, eram derivados das picapes.

A variedade da Silverado seria certamente mais limitada no Brasil, onde a única opção era de cabine simples com tração traseira e transmissão manual. Nem mesmo a cabine dupla com quatro portas e a tração 4×4, que existiram na série 20 anterior, foram lançadas para a nova picape — embora essa opção de cabine tenha sido fotografada em testes.

Apesar da demora a chegar, o desenho da Silverado agradou, com a barra da grade segmentando os faróis em dois níveis

Apesar dessa limitação e dos 10 anos de atraso em relação ao país de origem, é certo que seu estilo impressionou bem, com linhas equilibradas, a barra cromada da grade (preta na versão básica) dividindo os faróis em dois níveis e para-choques com o mesmo tratamento. Alterações feitas aqui eram a aplicação de estribos, grade protetora no vidro traseiro e lanternas traseiras com funções separadas e cor âmbar nas luzes de direção.

A semelhança visual da Silverado à C/K norte-americana não impedia que fossem projetos diferentes por baixo: a GM brasileira aproveitou ao máximo o chassi da D-20

O interior seguia o adotado nos EUA em 1995, com linhas mais arredondadas no painel e volante de quatro raios mais moderno. Havia bons detalhes como duas tomadas de 12 volts além do acendedor de cigarros, úteis para recarga de celular ou computador, e dois porta-copos escamoteáveis na mesma peça. O banco podia ser inteiriço ou dividido em 1/3 e 2/3, este para regulagens separadas entre o motorista e os dois passageiros. As portas continham barras de proteção para colisões laterais.

A versão básica trazia equipamentos como direção com assistência hidráulica, luzes de leitura e painel com conta-giros, manômetro de óleo e voltímetro. As rodas de aço tinham pneus de 16 polegadas. Podia receber como opcionais controle elétrico de vidros, travas e retrovisores e rádio/toca-fitas, mas não ar-condicionado — uma picape de trabalho. O acabamento DLX (sigla para De Luxe, como na S10) vinha de série com o conjunto elétrico, volante ajustável em altura, apoio de braço central e rodas de alumínio de 15 pol, mantendo a opção de ar-condicionado e sistema de áudio, e não oferecia o motor aspirado a diesel.

O painel tinha apenas dois anos na norte-americana e vinha completo; o banco de três lugares podia ser inteiriço ou dividido

A semelhança visual de nossa Silverado à C/K norte-americana não impedia que fossem projetos diferentes por baixo, ou seja, na parte mecânica. Para conter os custos a GM brasileira optou por aproveitar ao máximo o chassi da série 20, o que implicou uma mudança perceptível de fora: o bocal do tanque de combustível na parte traseira direita, em vez de na seção esquerda entre eixos como nos EUA.

Os motores também eram diferentes, em parte para aproveitar a unidade a gasolina produzida aqui, em parte para oferecer opções a diesel com custo e consumo menores que os V8 de lá. Em vez do V6 de 4,3 litros — usado por S10 e Blazer mediante importação —, a Silverado a gasolina usava o longevo seis-cilindros em linha e 4,1 litros, nascido em 1971 no Opala e revitalizado em 1994 para equipar o Omega e, depois, a C-20. Com o antigo comando de válvulas no bloco associado à moderna injeção multiponto sequencial, ele desenvolvia potência de 138 cv e torque de 30,7 m.kgf.

Eram 30 cv a menos que no Omega, mas com 1,6 m.kgf a mais e o pico 1.000 rpm mais cedo, promovidos por novo comando de válvulas. Afinal, na picape a força em baixos regimes era mais importante que a velocidade máxima — ainda assim respeitável, com 160 km/h pelos dados de fábrica, que indicavam aceleração de 0 a 100 km/h em 13 segundos. Com ventilador elétrico para o radiador, ele estava mais silencioso que na C-20.

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Embora aproveitasse o chassi da D-20, a Silverado oferecia um potente motor turbodiesel de seis cilindros, 4,2 litros e 168 cv

Os motores a diesel distinguiam-se claramente em origem e rendimento. O de aspiração natural era o antigo Maxion S4 de quatro cilindros e 4,0 litros com comando no bloco e injeção por bomba rotativa. Capaz de modestos 90 cv e 28 m.kgf, não podia mesmo oferecer bom desempenho a uma picape de 2,2 toneladas: máxima de 128 km/h e 0-100 em 27 segundos de acordo com a GM. Em contrapartida, a outra versão trazia um novo padrão de potência à categoria.

Chamado de MWM Sprint 6.07T, o seis-cilindros em linha de 4,2 litros reunia elementos como comando no cabeçote, três válvulas por cilindro (duas para admissão), cabeçote de fluxo cruzado e turbocompressor. Os 168 cv e 43,3 m.kgf marcavam o motor mais potente oferecido até então em picapes grandes no País (sem considerar os valores brutos dos V8 de outras eras), com 18 cv a mais que na versão de topo da D-20. O pico de potência a 3.800 rpm, ou 1.000 acima do motor aspirado, indicava a nova tendência de altas rotações para um Diesel. A fábrica anunciava 0-100 em 14,5 segundos e máxima de 166 km/h.

A direção com controle eletrônico da última D-20 foi mantida; similar ao do Omega, o motor 4,1 a gasolina produzia 138 cv

Outro requinte técnico da Silverado DLX era a assistência de direção com controle eletrônico, chamada de Servotronic, que a GM havia usado no Diplomata em 1991 e 1992 e na série 20 entre 1993 e 1996, mas não no Omega. O sistema reduzia o auxílio hidráulico na medida que a velocidade aumentasse para deixar o volante mais firme. No restante da mecânica estavam soluções comprovadas como a suspensão dianteira independente, com braços sobrepostos desiguais e molas helicoidais, e o eixo traseiro rígido com molas semielípticas de dois estágios.

A caixa de direção ainda usava setor e rosca sem-fim e os freios traziam sistema antitravamento (ABS) apenas nas rodas traseiras, mais propensas a bloquear com a caçamba vazia, um arranjo comum em picapes na época. ABS nas quatro rodas era opcional. Bom recurso era o comando hidráulico de embreagem, para a deixar mais leve e manter assim por longo tempo. A capacidade de carga variava de 1.170 a 1.200 kg conforme a versão.

A revista Auto Esporte teve muito a destacar na Silverado: “Luxuosa e com bom acabamento interno, oferece o conforto de um automóvel. O motor MWM se comporta com elasticidade de ciclo Otto e baixíssimos níveis de ruído e vibração. As respostas rápidas e suaves são dificilmente encontradas em outros motores Diesel. A suspensão mostra-se bastante adequada às nossas estradas, com conforto em todas as condições de uso. Para quem deseja desempenho elevado e o baixo consumo do diesel, é uma opção quase única no mercado”. A versão a gasolina e a básica a diesel venciam-na em relação custo-benefício, com ressalvas ao consumo na primeira e ao desempenho na segunda.

O Tahoe dos norte-americanos tornava-se aqui o Grand Blazer, que oferecia os dois motores mais potentes e teve vida breve

No teste da DLX turbodiesel, a Quatro Rodas destacou o “ótimo desempenho e muito conforto ao rodar. A traseira não pulou muito, mesmo com a caçamba vazia. A carroceria inclinou pouco e transmitiu confiança. Direção perfeita, leve nas manobras e firme em altas velocidades. O câmbio com acionamento difícil é o ponto negativo. O consumo também deixou a desejar, pois a D-20, com motor mais antigo, conseguiu números melhores”.

Com a desvalorização do real em 1999, a Chevrolet decidiu elevar a capacidade de carga para enquadrar a picape como caminhão leve, o que reduzia os impostos

Com base na picape a GM começava a fabricar em 1998, também na Argentina, o SUV Grand Blazer — nome que o associava ao Blazer derivado da S10, então com grande sucesso no Brasil. Era a versão local do Tahoe norte-americano, com as mesmas alterações técnicas que diferenciavam as picapes daqui e da lá, destinada a substituir o Veraneio feito em duas gerações desde 1964. Apenas o acabamento DLX com os dois motores mais potentes estava disponível.

Com apenas cinco lugares (os bancos dianteiros eram separados pelo console central), o Grand Blazer esbanjava espaço para bagagem: 1.550 litros, ampliáveis a 2.355 ao rebater o banco. A tampa traseira era dupla, com o vidro erguendo-se em separado da parte inferior, que se abria como na caçamba da picape. Estranhos eram os vidros das portas traseiras, que desciam só 30% do total.

Duas séries limitadas foram feitas: a Conquest (foto) em 1999 e a Rodeio em 2001, já depois da transferência da linha para o Brasil

Os painéis traseiros da carroceria eram importados dos EUA, pois a pequena produção não justificaria a estampagem local. Isso exigiu alterações no tanque, pois o do Tahoe tinha o bocal no para-lama esquerdo, o oposto da Silverado. Ainda sem oferecer bolsas infláveis, que carros bem mais baratos já traziam, o SUV pesava quase 2,5 toneladas e mantinha a suspensão da picape. No teste da versão turbodiesel a Quatro Rodas relatou “bom fôlego e força incomum. Arranca com decisão e, na estrada, mantém 120 km/h a apenas 2.500 rpm”.

A Silverado Conquest aparecia em 1999 com detalhes estéticos como faixas laterais. A trajetória da picape e do Grand Blazer, porém, logo sofreu turbulências: a grande desvalorização do real em 1999 tornou cara sua importação da Argentina. A GM encontrou uma solução nas normas tributárias: ao elevar a capacidade de carga de 1.200 para 1.330 kg, com peso bruto total (PBT) acima de 3.500 kg, enquadrou a picape como caminhão leve.

A mudança indicada pelo sufixo HD (heavy duty ou serviço pesado) reduziu impostos e preço, mas trouxe desvantagens: além do prejuízo ao conforto de rodagem pela suspensão reforçada, a Silverado passava a exigir habilitação de categoria C e estava sujeita a limitações de uso, como menor velocidade máxima em rodovias e restrição de tráfego em centros urbanos, tal como um caminhão.

A fabricação local reduziu os custos da Silverado D20, seu novo nome; a GMC 3500 HD (em prata) mantinha a capacidade de 1.330 kg

A solução foi transferir a produção para São José dos Campos, SP. Renomeada Silverado D20 em homenagem à antecessora, a picape aparecia em maio de 2000 com capacidade de carga de 1.110 kg e um só motor: o MWM turbodiesel com potência reduzida para 150 cv e torque de 37 m.kgf. Agora o 0-100 levava 15,4 segundos e a máxima ficava em 164 km/h. Rodas de alumínio de 16 pol vinham como opcionais.

Para os interessados em levar mais peso, a divisão de caminhões GMC lançava a 3500 HD. Era uma Silverado mais simples por fora — caso dos dois faróis em vez do conjunto duplo — e por dentro e ajustada para 1.330 kg de carga. Um ano mais tarde o modelo da Chevrolet ganhava a série limitada Rodeio, alusiva à festa do peão de Barretos, SP, com faixas laterais douradas adornadas com um cavalo empinado, montado por um peão, e rodas de alumínio. O comprador recebia camisa, bolsa e boné exclusivos do evento.

O ano de 2001, porém, era o último para a Silverado e para a Grand Blazer: as vendas andavam em baixa, sobretudo depois do lançamento da Ford F-250 em 1999. Com sua despedida a Chevrolet abandonava de vez o segmento de picapes pesadas, ao qual pode voltar este ano com a importação da Silverado norte-americana de última geração.

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