Com motor V8 dianteiro e linhas ousadas, o 928 não parecia um
Porsche, mas representou com classe seu topo de linha por 18 anos
Texto: Francis Castaings e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
O projeto de um Porsche para a era moderna nasceu em 1971. A ideia era substituir o 911 por um automóvel mais atual e arrojado, o segundo modelo da marca a romper com as tradições — o primeiro seria o 924, seu irmão caçula, que se encaixaria em outra faixa de mercado. Ernst Fuhrmann, engenheiro e presidente do conselho da empresa, queria que o novo carro esporte fosse o Porsche do futuro: maior, mais refinado, o modelo em série mais caro da companhia.
O 911 começava a perder clientes por causa da concorrência e da idade do projeto, que já pesava — e a fabrica alemã não queria o risco de entrar em decadência. Ainda, as leis ambientais (ruídos e emissões poluentes) e de segurança norte-americanas, que entrariam em vigor no início da década de 1970, poderiam colocar em risco a continuidade do 911, com seu motor traseiro arrefecido a ar.
O primeiro modelo do futuro carro, em escala 1:5, foi submetido a testes de aerodinâmica em 1972. Um ano depois, o primeiro motor V8 alimentado por carburadores funcionou no banco de ensaio. Na fase de testes, um modelo de quatro lugares foi feito em escala real, mas nunca chegou a ser produzido. A carroceria quase definitiva ficava pronta em 1974. Protótipos foram testados em toda a Europa e na África, nas mais adversas condições climáticas, sobre os mais diferentes revestimentos de piso. Rodaram em desertos, estradas de terra e asfalto, autoestradas e autódromos.
Após um desenvolvimento conturbado, que incluiu estudos de motor V6 e de uma
frente mais próxima à do 911, o 928 fazia a estreia no Salão de Genebra de 1977
Com a crise do petróleo deflagrada em 1973, a Porsche viu-se em dúvidas sobre levar adiante o projeto de um carro maior e com motor de oito cilindros. Uma versão do projeto com motor V6 chegou a ser cogitada e todo o desenvolvimento acabou sendo desacelerado, mas em março de 1977 o resultado era apresentado no Salão de Genebra, na Suíça, sob a designação 928. O moderno grã-turismo roubou a cena não só no estande da marca, sendo uma das maiores atrações do evento.
Houve quem o chamasse de “ovo sobre rodas”: o 928 fazia mesmo grande oposição aos carros retilíneos e cheios de adornos da época
O 928 era um belo carro, com um desenho ousado e de muito bom gosto: para-choques integrados à carroceria em plástico flexível (suportavam pequenos impactos sem danos), luzes de direção dianteiras e lanternas traseiras contornando as quatro extremidades do carro. As linhas curvas conseguiam boa aerodinâmica — o Cx era de 0,41 e mais tarde, na versão S, cairia para 0,39. Os faróis quando desligados ficavam em repouso, em alinhamento com a curva do capô, não atrapalhando o fluxo de ar. A solução era inspirada no Lamborghini Miura de 1966.
Na linha abaixo havia quatro faróis retangulares de longo alcance, e nas extremidades, as luzes de direção. No centro estava uma pequena grade com o tradicional escudo da marca de Stuttgart. Se não estivesse lá, os admiradores da marca talvez não o reconhecessem como um legítimo Porsche, tal o rompimento com as linhas habituais da empresa. Embora na Europa a aceitação fosse melhor, nos Estados Unidos houve quem o chamasse de “ovo sobre rodas” e até o comparasse a um AMC Pacer mais esportivo. O 928 fazia mesmo grande oposição aos carros retilíneos e cheios de adornos que os norte-americanos compravam à época.
As linhas arredondadas chamavam atenção e dividiam opiniões, sobretudo nos
EUA; o perfil baixo e alongado faz do 928 um desenho atraente ainda hoje
A carroceria era em aço estampado, mas o capô, as portas — incluindo a traseira — e os para-lamas dianteiros vinham em alumínio. Isso já garantia longevidade contra corrosão, importante no mercado norte-americano, com a rica e quente Califórnia, e no próprio continente europeu com suas condições adversas de clima. Por dentro era notável a riqueza de equipamentos: ar-condicionado com extensão para refrigerar o porta-luvas, ajuste elétrico dos bancos, computador de bordo — e um ótimo estudo ergonômico. Nada comparado ao “desconforto” de seu irmão mais famoso.
O tradicional volante de três raios do 911 também estava lá, para certificar que se tratava de mais um Porsche, e seu ajuste levava junto o quadro de instrumentos. Detalhe interessante era a existência de dois reservatórios para a limpeza do para-brisa: um guardava o detergente, outro a água, com mistura automática. O que dividia opiniões era a alavanca do freio de estacionamento à esquerda do motorista. Como opção era oferecido teto solar. Era um supercarro que poderia ser usado no dia a dia por homens de negócios bem sucedidos, jovens esportistas ou mulheres dinâmicas. BMW Série 6, Jaguar XK-S e Mercedes-Benz SL estavam entre os concorrentes.
Não era o primeiro modelo com motor dianteiro refrigerado a água da empresa que tem mais tradição em carros esporte na Alemanha: o pioneiro foi o 924, um quatro-cilindros cuja arquitetura serviu de base para o 928. O novo carro, porém, estava equipado com um moderno V8 de 4,5 litros — meio litro menos que no projeto inicial, para reduzir o consumo — com bloco e cabeçote de alumínio e virabrequim, pistões e bielas forjados. Com comando de válvulas nos cabeçotes e alimentação por injeção Bosch K-Jetronic, fornecia potência de 240 cv e torque de 37,9 m.kgf.
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Os especiais
Na Europa e nos Estados Unidos logo surgiram preparadores para tornar o 928 mais rápido e intimidador. Os irmãos construtores alemães Buchmann, famosos pelos produtos BB, fizeram uma interessante versão targa três-volumes (à esquerda). Parte do teto era removível e o vidro traseiro vinha menor, em vez da grande terceira porta do modelo de série. Em 1981 apresentaram no Salão de Frankfurt, na Alemanha, uma bela versão conversível.
Também aberto era o 928 revelado em 1986 pela Gemballa, ainda hoje uma renomada preparadora de Porsches. Na carroceria transformada pela Voll (à direita) a capota de lona era guardada sob a tampa do porta-malas, que para esse fim era aberta no sentido oposto ao da colocação da bagagem. Trazia ainda para-lamas alargados, rodas especiais e o motor de 5,0 litros modificado para 450 cv pela aplicação de dois turbos.
A Koenig fez fama nos anos 80 ao preparar Porsches, Ferraris e outros supercarros. Seu 928 S, revelado em 1981, tinha para-lamas alargados, as clássicas rodas raiadas BBS com pneus traseiros extralargos (345/35 R 15), defletor dianteiro e um aerofólio traseiro que destoava das linhas curvas. O motor podia ser modificado para 380 cv.
Trabalhos ousados eram também os da Strosek, bem conhecida na preparação dos esportivos de Stuttgart. Para-lamas bastante alargados, para-choques refeitos, diminutos faróis fixos no lugar dos escamoteáveis, aerofólios e até portas que se abriam como asas — no caso do pacote Ultra Wing — estavam no catálogo.
Outra opção era a da DP Motorsport, que em 1984 apresentou um 928 com quase dois metros de largura e pneus traseiros 285/40 R 16. As mudanças na carroceria, feitas em plástico, traziam redução de peso anunciada de 300 kg e um aspecto bastante intimidador, com direito a tomadas de ar nos para-lamas traseiros. Alguns carros tinham os faróis escamoteáveis substituídos por saídas de ar, cabendo a iluminação aos faróis do para-choque. Motores de até 370 cv estavam disponíveis.
Alguns modelos especiais produzidos na Califórnia, nos EUA, eram realmente de gosto discutível. Até uma versão picape apareceu, com contornos da caçamba em madeira e forração interna das laterais e do piso em alumínio. Uma heresia.
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Motor V8 dianteiro refrigerado a líquido e caixa automática rompiam
tradições na Porsche; dentro do 928, conforto e boas soluções de ergonomia
O cliente podia optar por um câmbio manual de cinco marchas ou uma caixa automática de três, fornecida pela Mercedes-Benz. A velocidade máxima era de 230 km/h e acelerar de 0 a 100 km/h exigia apenas 7,5 segundos. A transmissão por transeixo posicionado na traseira ajudava na distribuição de peso, que ficava próxima dos ideais 50% por eixo, e tornava o conjunto mecânico ainda mais sofisticado — e oneroso na manutenção. Esse tipo de transmissão, que já havia sido usado pela Lancia, foi estudado ainda antes da Segunda Guerra Mundial pelo Dr. Ferdinand Porsche para um Mercedes de corrida. Os freios eram a disco nas quatro rodas e, com o mesmo objetivo de repartir massas, a bateria ficava na traseira.
Era ótimo em estradas e ao mesmo tempo luxuoso e confortável; podia fazer viagens nas Autobahnen alemãs acima de 200 km/h sem esforço
A suspensão posterior independente com braço semiarrastado recebia o nome de eixo Weissach, em alusão ao centro de pesquisa e desenvolvimento da Porsche. A novidade estava em uma articulação arrastada que ajustava a convergência das rodas de trás durante as curvas, evitando o sobresterço ao se cortar a aceleração. A ideia deu tão certo que foi aos poucos estendida a outros modelos da marca. Na dianteira usava-se o conceito de braços sobrepostos com molas helicoidais, em vez do McPherson com barras de torção do 911. A caixa de direção de pinhão e cremalheira era a primeira na marca. O 928 usava pneus 225/50 em rodas de 16 polegadas com o famoso desenho de disco telefônico.
Os engenheiros de Stuttgart/Zuffenhausen capricharam. O 928 foi considerado um dos melhores GTs do mundo em sua época. Era um carro de várias qualidades: ótimo em estradas, tanto em velocidade quanto acelerações, e ao mesmo tempo luxuoso e confortável. Podia fazer viagens nas Autobahnen de seu país natal mantendo média acima de 200 km/h sem esforço. Faturou o título de Carro do Ano europeu, jamais concedido antes a um esportivo.
O trem de força do 928 revela o transeixo na traseira, solução para distribuir o
peso entre os eixos; a suspensão posterior Weissach favorecia a estabilidade
O 928 agradou à revista inglesa Car em seu primeiro teste: “O motor é tremendamente flexível, com potência desde baixas rotações e um desempenho agradável, consistente e usável, em vez de apenas fenomenal — ao menos para os padrões de um supercarro. Onde o 928 demonstra uma de suas maiores forças é na habilidade em cruzar estradas sem esforço, em silêncio, dando prazer a motorista e passageiro. Você se sente bem com a óbvia competência do carro, seu completo domínio da situação”.
Nos EUA, a Car and Driver entusiasmou-se: “Ele tem grande chance de se tornar o padrão de excelência automotiva desta década. Comparado a alguns dos carros chamados exóticos, o 928 brilha ainda mais. Velocidade? Que tal 233 km/h, seja com câmbio manual ou automático? E é um desempenho utilizável, graças a um dos chassis mais competentes já projetados. O ótimo acerto faz todo o trabalho, com uma combinação de estabilidade em alta velocidade, reflexos de gato e um conforto de marcha que não fica atrás de nenhum outro. Tudo isso em um carro com estilo próprio e mais confiável que os Porsches do passado. Qualquer um que possa pagar seu preço não deveria passar mais um dia sem um”.
As primeiras evoluções
Na versão S, lançada em setembro de 1979, as diferenças externas eram os defletores dianteiro e traseiro e as novas rodas de alumínio. Havia também lavador de faróis: jatos de água de alta pressão eram disparados para limpá-los. Por dentro ele recebia volante de quatro raios, ar-condicionado com controle automático de temperatura e controlador de velocidade de série. O motor V8 era ampliado para 4,7 litros, com o que a potência aumentou para 300 cv e o torque para 39,2 m.kgf. A velocidade final agora era digna de um Porsche: 250 km/h com câmbio manual e 245 com o automático.
Defletores à frente e atrás identificam a versão S, que ganhava itens de conforto;
o motor V8 passava a 4,7 litros e 300 cv, suficientes para atingir 250 km/h
O motor de 4,5 litros permanecia disponível, agora com taxa de compressão mais alta, mas tal versão era simplificada com pneus 215/60 R 15 em vez de 225/50 R 16. A inglesa Autocar avaliou um 928 básico de caixa automática: “Ele tem a mais deliciosa resposta para ultrapassar. Chega alegre a mais de 190 km/h, estável e com facilidade. O 928 está em seu melhor em uma longa viagem, na qual atende com excelência às necessidades do motorista. Os bancos são firmes, mas dão apoio soberbo, e o acabamento é perfeito. O V8 da Porsche continua fonte de prazer”.
Do outro lado do Atlântico, a Popular Mechanics colocou 16 carros esportivos e de luxo nas mãos dos pilotos Stirling Moss e Phil Hill. Embora o 928 fosse o sétimo mais acessível do grupo, mostrou desempenho entre os melhores: foi sétimo colocado na aceleração do quarto de milha, quarto em velocidade no slalom (desvio entre cones), sexto em espaço de frenagem e quarto em tempo de volta no circuito, o que lhe rendeu o título de estrela do teste.
“É um carro perfeitamente usável todos os dias, com estilo de automóvel em vez de nave espacial, mas que supera em desempenho quase todo o restante. Phil Hill disse: ‘O 928 deve ser o carro de rua com mais alto desenvolvimento que existe. No primeiro minuto você sente sua sofisticação. É silencioso, tem modos impecáveis. Tudo nele é de topo’. Moss considerou-o ‘um carro incrível, absolutamente soberbo. Tem muito boa aderência com os pneus Pirelli P7, o chassi é bastante equilibrado’. O Porsche é amigável e inspirador — ele dá energia em vez de consumi-la. Ele faz de você um motorista melhor do que você é e fornece uma tremenda sensação de segurança”, descreveu a revista.
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Com mais espaço
Dois projetos foram desenvolvidos pela Porsche para dar mais espaço interno ao 928. O primeiro (à esquerda), revelado em 1984, foi construído em exemplar único para presentear Ferdinand “Ferry” Porsche em seu 75º. aniversário, o modelo 942 (alguns o chamam de 928-4) era um 928 com a distância entre eixos alongada em 25 centímetros e a linha de teto modificada a fim de oferecer mais espaço para cabeça aos passageiros de trás. O resultado foi uma shooting brake, ou perua esportiva, com o motor de 32 válvulas do 928 S4 e novos para-choques que seriam adotados dois anos mais tarde no modelo de produção.
Aquele presente a Ferry foi o ponto de partida para um estudo de viabilidade de produção, denominado H50 (à direita) e concluído três anos depois, em 1987. Além das maiores dimensões que no 928 de linha, o carro trazia pequenas portas adicionais com abertura para trás, sem maçanetas aparentes por fora. As portas dianteiras, enormes no 928 original, foram encurtadas e um arranjo simulava a ligação entre o vidro da quinta porta e os laterais traseiros, o que não havia no 942.
Deixado no esquecimento por duas décadas, esse protótipo voltou a ser lembrado com o lançamento do Panamera, também um quatro-portas com motor V8 dianteiro. Hoje o H50 pode ser visto no museu da empresa.
Nas telas
Scarface |
In the Red |
O charme do 928 não passou despercebido pelo cinema, que empregou o GT alemão em numerosos papéis. O modelo inicial pode ser visto em filmes como a comédia Middle Age Crazy (1980), o drama Caminhos Separados (Separate Ways, 1981), o policial Scarface (1983), o drama Negócio Arriscado (Risky Business, 1983) e a ação In the Red (1999).
O Escondido |
Looker |
Entre as aparições da versão 928 S estão o policial O Escondido (The Hidden, 1987), a ação Banzai Runner (1987), o drama The Business (2005) e a biografia Jobs (2013), sobre o fundador da Apple. Modelos entre 1981 e 1982, mas da versão básica, podem ser vistos no drama Looker (1981), no qual o carro vai parar na água de uma fonte de jardim; na comédia Double Exposure (1983) e na ação Red Line (1995).
Sedução Fatal |
Leonard Part 6 |
Modelos das séries mais recentes também tiveram seu espaço. O 928 S4 está no drama Sedução Fatal (Eye of the Beholder, 1999), no drama Risk (2000) e no filme de terror Magus (2008). Um GT aparece na comédia Suckers (1999).
O papel mais curioso é o do 928 de 1981 visto na comédia Leonard Part 6 (1987), pintado como veículo militar camuflado e com um canhão sobre o teto.
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O 928 S estava mais potente, mas ainda não oferecia câmbio automático de quatro
marchas ou freios antitravamento, que viriam pouco depois na evolução S2
A segunda edição do 928 S, ou S2, chegava em 1982 com 10 cv a mais obtidos com injeção eletrônica Bosch LH-Jetronic e taxa de compressão elevada. Outra novidade estava na caixa automática, agora com quatro marchas. Com ela chegava a 250 km/h e com o câmbio manual a 255 km/h, fazendo de 0 a 100 km/h em 6,6 s. O sistema antitravamento de freios (ABS) aparecia como opcional em 1984, pela primeira vez em um Porsche, e se tornava item de série dois anos depois. O mercado norte-americano recebia em 1985 um S2 com cilindrada ampliada para 4,95 litros, quatro válvulas por cilindro e 288 cv, a fim de manter o padrão de desempenho apesar das normas de emissões.
A Popular Mechanics comparou 10 carros esporte de diferentes preços, do Ford Mustang de US$ 10 mil ao Aston Martin Volante de US$ 115 mil, em 1984 e concluiu que o 928 S (de US$ 45 mil) era o melhor deles, seguido por outro Porsche, o 944. O V8 alemão foi o segundo mais rápido no quarto de milha, freou no menor espaço, foi quinto colocado na velocidade de slalom e o segundo no tempo de volta no circuito. Os demais competidores eram BMW 633 CSi, Chevrolet Camaro Z-28 e Corvette, Ferrari 308 GTS, Jaguar XJ-S HE, Mercedes-Benz 380 SL e a versão SVO do Mustang.
Frente e traseira vinham mais arredondadas para refrescar o estilo do 928 S4, de
1987; seu interior recebia ajuste elétrico dos bancos e computador de bordo
“Ele foi o melhor na parte do teste em estrada, por uma margem considerável, e ficou bem pouco atrás do Corvette na pista. O 928 S é a combinação definitiva de desempenho e utilidade, sendo muito bom em qualquer aspecto. É bastante fácil dirigi-lo rápido. ‘Um grande carro, muito próximo da perfeição’, disse um dos testadores”, definiu a revista.
“Com o pé direito embaixo, em qualquer rotação e em qualquer marcha, o grande 928 pula à frente”, descreveu a inglesa Car ao avaliar a versão S4
As mudanças foram aprovadas pela Car and Driver, que escreveu: “Pelo critério de desempenho, o 928 S é um aprimoramento substancial sobre seu antecessor. A velocidade máxima subiu 16 km/h, para 248, e a aceleração de 0 a 96 baixou de 6,2 para 5,7 segundos. São ótimas marcas para um carro com câmbio longo, orientado à economia, e com potência suficiente para deixar os pneus sem tração em baixa velocidade. Este novo motor tem um terço mais de potência que o Chevrolet V8 com injeção de mesma cilindrada e 104 cv a mais que o Mercedes V8 de 5,0 litros”.
Rejuvenescido e… mais potente
Uma reformulação mais ampla ocorria em 1987 com a versão 928 S4. As linhas estavam mais fluidas e o Cx era bem mais baixo (0,34), para o que concorria o porta-malas pouco mais longo. As alterações mais evidentes eram a frente e a traseira mais arredondadas, as lanternas maiores e o aerofólio destacado em vez do defletor. O oito-cilindros, agora com 32 válvulas e 4,95 litros também para o mercado europeu, fornecia 320 cv e 43,9 m.kgf. Inovação era o coletor de admissão de geometria variável, com dois estágios, um mais favorável às baixas rotações e outro às altas. Mais tarde ele ganharia monitor de pressão dos pneus.
A cilindrada crescia mais um pouco no S4, para 4,95 litros; coletor de admissão
variável e cabeçotes com 32 válvulas ajudavam a levar a potência a 320 cv
Para o ambiente a bordo ficar ainda mais aconchegante, a novidade eram os bancos revestidos em couro com regulagem elétrica de série. Algumas versões traziam revestimento em veludo Pascha, com o desenho imitando uma bandeira quadriculada de fim de grande prêmio de Fórmula 1. O painel recebia muita eletrônica, incluindo computador de bordo. A prioridade ao conforto era percebida no fato de que a versão com câmbio automático já detinha a maioria das vendas.
A inglesa Motor destacou em seu teste do S4: “Sob qualquer padrão, é extremamente rápido, chegando a 161 km/h em 16,1 segundos. A direção é uma das melhores que já experimentamos: firme, muito precisa, sem suavizar as variações de peso que refletem a aderência dos pneus. A estabilidade é imensa, com sutil subesterço, a menos que provocado por farto uso de potência ou por tirar o pé do acelerador. O amortecimento é soberbo. E o S4 demonstra que os sistemas ABS estão ficando melhores”. Na comparação com os rivais mais próximos (Aston Martin V8, BMW M 635 CSi, Ferrari Mondial QV, Jaguar XJ-S HE e Mercedes-Benz 500 SEC), o Porsche obteve a mais alta velocidade máxima e uma das acelerações mais rápidas.
No mesmo país a Car pôs o 928 S4 ao lado do 911 Turbo e do 944 Turbo em um confronto familiar em 1989: “O V8 é o motor mais potente que a Porsche produz. Embora todos eles acelerem de 0 a 161 km/h entre 12 e 14 segundos, os turbos são relativamente lentos até 3.000 rpm e então entram em erupção. O 928 lembra a velha máxima norte-americana: não há substituto para polegadas cúbicas. Com o pé direito embaixo, em qualquer rotação e em qualquer marcha, o grande S4 pula à frente sem esforço. Nas retomadas em quarta marcha, o 911 não supera o 928 antes de atingir 130 km/h”.
Quase 200 kg a menos, suspensão mais firme, motor mais potente: era o 928 S4
Clubsport, edição limitada oferecida em 1988 com ênfase no uso esportivo
Nos EUA, a Road & Track considerava o Ferrari 328 GTS e o Lotus Turbo Esprit os maiores adversários do S4. O Porsche superava ambos em aceleração, espaço de frenagem e velocidade no slalom, embora fosse o mais pesado dos três. “Velocidade extraordinária, motor suave e sem esforço, interior luxuoso e estilo atualizado” eram seus pontos de destaque para a revista, que criticou o preço muito alto (embora menos que o do Ferrari), o comando de câmbio algo vago e o fato de ser “muito civilizado em uma categoria exótica”.
O S4 teve ainda a edição limitada Clubsport, focada no uso esportivo e vendida apenas no modelo 1988. O peso era reduzido de 1.640 para 1.450 kg pela remoção de acessórios como ajuste elétrico de bancos, travamento central das portas e parte do isolamento acústico, além do uso de rodas de alumínio forjado. Esse 928 ganhava ainda amortecedores e molas mais firmes, escapamento menos restritivo e aumento de potência em 10 cv, para 330 cv, sem alteração do torque máximo.
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Nas pistas
O desempenho da versão S4 foi comprovado nos famosos lagos de sal de Bonneville, nos EUA (ao lado). O piloto Al Holbert Jr. obteve dois recordes de velocidade da Federação Internacional do Automóvel (FIA) com um carro todo original, inclusive com catalisador, em agosto de 1986: registrou 275,3 km/h na milha lançada e 276,6 km/h no quilômetro lançado — medições em que o carro passa pelo trecho de medição já em velocidade, tendo espaço anterior para acelerar.
Mais tarde, também em solo norte-americano, Carl Fausett, da 928 Motorsports, resolveu levar seu 928 à subida de montanha de Pikes Peak (abaixo à esquerda), uma das provas mais tradicionais do automobilismo mundial. O modelo teve o entre-eixos encurtado para ganhar agilidade nas curvas e ganhou motor V8 de 6,5 litros com compressor e potência estimada em 670 cv, pneus traseiros de 335 mm e extensas modificações. Nas provas de 2007 e 2009 ele obteve o terceiro lugar da categoria Open; na segunda foi ainda o carro mais rápido na Open entre os de tração em duas rodas.
A empresa também colocou o grã-turismo superpreparado nos lagos de sal de Bonneville (à direita). O motor de 6,5 litros foi modificado para 900 cv estimados e foram feitas alterações em rodas, pneus, carroceria e suspensão para a nova finalidade, com ênfase na aerodinâmica. Em 2011 ele sagrou-se o 928 mais veloz já registrado no mundo, ao atingir 348,6 km/h.
O nacional
Chamado de PAG Dacon (Dacon era uma concessionária VW famosa nos anos 70, responsável por transformações como a do Passat em um três-volumes), o “928 nacional” foi apresentado em 1984 e até lembrava bastante o inspirador, apesar das proporções estranhas impostas pelo menor comprimento e a maior altura. Os quatro faróis vinham do Passat e as lanternas traseiras eram de Kombi, só que montadas na horizontal. O motor preparado, de potência real não informada (a empresa mantinha os 99 cv do 1,8 original), dava-lhe bom desempenho para os padrões brasileiros da época. Não se sabe quantas unidades foram vendidas.
Foto: reprodução da revista Quatro Rodas
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Quer a potência e a suspensão do Clubsport sem abrir mão do conforto? Então seu
928 ideal é o GT, que vinha em 1989 com um diferencial emprestado pelo 959
O motor mais potente e a suspensão mais firme do Clubsport foram aplicados também ao 928 GT, apresentado em 1989, que preservava os confortos das versões tradicionais e trazia um inédito diferencial autobloqueante com controle eletrônico, que variava sua operação entre zero e 100% — tecnologia baseada no supercarro 959. Disponível apenas com câmbio manual, o GT chegava a 275 km/h e a marca dos 100 km/h era cronometrada em 5,8 s. Tornou-se o carro mais caro da linha Porsche e o mais veloz, à exceção de uma série limitada do 911 Turbo, mas sua hegemonia não durou muito — logo seria suplantado por mais uma evolução do mesmo V8.
Comparado a BMW 850i e Jaguar XJR-S, o GTS — última evolução da linha — foi o mais rápido e considerado o que mais recompensa o motorista
A Car comparou o GT ao Corvette ZR-1: “Os dois são muito rápidos, mas o Corvette acelera mais até 160 km/h. Ao contrário dele, porém, o Porsche age como uma unidade sólida, homogênea. Não tem um comportamento tão à prova de erros quanto o ZR-1, mas é muito mais divertido no limite. Após uma longa fase neutra, as rodas traseiras saem, convidando você a um interessante powerslide [derrapagem pela aplicação de potência]”. Ao fim o 928 foi considerado o melhor, mesmo custando mais.
Outra britânica, a Autocar, definiu-o como “mais rápido e estável que o S4, com comportamento e aderência soberbos, mas um V8 de alto consumo. Cabine muito confortável e espaçosa para dois, excelente posição de dirigir, mas conforto de rodagem e refinamento precisam melhorar em vista de suas aspirações de grã-turismo”. Diante dos competidores já habituais M635 CSi, Mondial, XJR-S e 560 SEC, além do Aston Martin Virage de preço muito mais alto, o 928 GT era o segundo mais potente (atrás do Aston), o mais rápido de 0 a 96 km/h e o mais veloz.
Com o GTS, o projeto do 928 chegava ao auge em potência e sofisticação técnica:
350 cv obtidos de 5,4 litros, máxima de 275 km/h, rodas mais largas de 17 pol
“Encolhe em torno de você”
A última versão do 928, a GTS de 1991, era a mais potente de todas: a cilindrada aumentava para 5,4 litros — o projeto original do bloco previa a possibilidade de 5,5 litros —, a potência para 350 cv e o torque para 51 m.kgf, com 80% disponíveis já a 2.000 rpm. O proprietário podia controlar a pressão dos pneus por um botão do painel e os bancos vinham com ajuste elétrico, até para apoio lombar, e três memórias de posição. Outras comodidades eram controlador de velocidade, ar-condicionado automático com sistema adicional na traseira e rádio/toca-fitas com controle de toca-CDs no porta-malas.
Por fora, os para-lamas eram mais largos para abrigar as rodas de 17 pol, com pneus 225/45 à frente e 255/40 atrás, e os retrovisores lembravam os do 959. Os amortecedores vinham mais macios, para reduzir o desconforto da versão anterior, e o nível de ruído e vibração estava mais baixo. Com tudo isso, ele chegava a 275 km/h e cumpria o 0-100 em 5,7 segundos — ou 0,2 s a mais no caso do automático, também oferecido, ao contrário do GT.
Para a Road & Track o GTS era “um impressionante carro de luxo cujos níveis de desempenho se aproximam aos de muitos modelos exóticos. É não apenas o mais veloz Porsche, mas também um dos mais rápidos GTs de produção no mundo, com um pacote completo de amenidades, desempenho impressionante e comportamento dinâmico preciso, apesar de ser um carro grande e pesado”.
O interior ganhava requintes como memória dos bancos e ar-condicionado
auxiliar na traseira, onde o alto console separava os dois passageiros
A Car comparou em 1992 o 928 GTS ao BMW 850i e ao Jaguar XJR-S, ambos com motor V12. “Coloque a terceira no Porsche, deixe o torque carregá-lo e o 928 fará o que nenhum dos rivais consegue: ele encolhe em torno de você, parece se reduzir às dimensões de um Mazda MX-5. O 928 é também o mais rápido, o mais divertido de dirigir, o que mais recompensa o motorista. Os parâmetros da Porsche para seus engenheiros devem ter sido algo como: façam um carro envolvente; façam os consumidores se apaixonarem por ele; façam-no tremendamente rápido”.
Essa variação foi fabricada até 1995, quando a produção do modelo se encerrava após um total de 60.904 unidades (das quais 25.106 seguiram para os EUA), sem deixar sucessor direto. Embora tenha durado 18 anos — cerca de três vezes o ciclo de produção médio de cada geração de automóvel hoje —, o 928 não foi muito bem sucedido na tentativa de quebrar tabus: puristas e amantes irredutíveis do 911 sempre torceram o nariz para o belo e moderno grã-turismo. Além de romper as tradições técnicas da marca, foi rejeitado por peso e preço elevados, não justificados pela vantagem de desempenho sobre o velho modelo de motor traseiro.
Mesmo com tais ressalvas, o 928 cumpriu muito bem seu papel de mais luxuoso, confortável e elegante Porsche do século passado. Hoje, um grã-turismo sofisticado e potente, de motor V8 dianteiro refrigerado a água — só que com cinco portas em vez de três —, ocupa o topo da linha da empresa sob o nome de Panamera.
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Histórias
Porsches são renomados como carros esporte robustos, que suportam muitos milhares de quilômetros sem grandes intervenções mecânicas. A própria empresa contou, em um material de divulgação do 928 GTS 1992, ter recebido a proposta de um representante de vendas que havia rodado 490 mil km com seu 928 em apenas três anos sem grandes problemas. O cliente acreditava
Um 928 GTS verde-limão, com revestimento em couro nos mínimos detalhes internos, foi a última unidade vendida pela Porsche (foto). Conta-se que um norte-americano encomendou seu 928 à época com a exigência de que fosse o último a ser produzido e que, ao saber da política da Porsche de guardar para o acervo de seu museu o último exemplar de cada modelo, cancelou o pedido. A empresa de Stuttgart decidiu a questão: fez um segundo exemplar do carro verde-limão e convenceu o americano a levá-lo, sob a alegação de que aquele penúltimo 928 era na verdade o último oferecido à venda ao público.
Para ler
Porsche 928, 924, 944, and 968: The Front-Engined Sports Car – por Marc Cranswick, editora McFarland. A série de modelos de quatro cilindros e o 928 têm sua história contada no livro de 284 páginas, publicado em 2008.
Porsche 924, 928, 944, 968 – por David Vivian, editora Crowood Autoclassics. Outra obra com os Porsches de motor dianteiro produzidos entre os anos 70 e 90, que tentaram mudar os padrões da marca. Traz informações dos projetos, impressões ao dirigir e a trajetória em competições em 128 páginas. Publicado em 1994.
Road & Track Porsche 928 Portfolio, 1977-1994 – compilação por R.M. Clarke, editora Brooklands Books. O livro de 2003 reúne artigos da revista norte-americana com testes, apresentações, comparativos e análises técnicas. Modelos como Audi Quattro, Chevrolet Corvette, Ferrari 308 GTBi e Porsche 911 Turbo são confrontados ao 928 em suas 128 páginas.
Porsche 928 Takes on the Competition – compilação por R.M. Clarke, Brooklands Books. Mais antigo (1999), segue a fórmula do livro acima, mas traz matérias de diferentes revistas. Os concorrentes que o enfrentam incluem Mercedes-Benz 450 SLC e 500 SEC, Jaguar XJ-S HE e XJR-S, Audi Quattro, Porsche 911, Lotus Esprit Turbo, Lamborghini Countach e BMW M635 CSi e 850i. São 140 páginas.
Ficha técnica
928 S (1983) |
928 GT (1989) |
928 GTS (1992) |
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MOTOR | |||
Posição e cilindros | longitudinal, 8 em V | ||
Comando e válvulas por cilindro | nos cabeçotes, 2 | duplo nos cabeçotes, 4 | |
Diâmetro e curso | 97 x 78,9 mm | 100 x 78,9 mm | 100 x 85,9 mm |
Cilindrada | 4.664 cm³ | 4.957 cm³ | 5.397 cm³ |
Taxa de compressão | 10:1 | 10,4:1 | |
Potência máxima | 300 cv a 5.900 rpm | 330 cv a 6.000 rpm | 350 cv a 5.700 rpm |
Torque máximo | 39,2 m.kgf a 4.500 rpm | 43,9 m.kgf a 3.000 rpm | 51 m.kgf a 4.250 rpm |
Alimentação | injeção multiponto | ||
TRANSMISSÃO | |||
Tipo de câmbio e marchas | manual, 5, ou automático, 3 | manual, 5 | manual, 5, ou automático, 4 |
Tração | traseira | ||
FREIOS | |||
Dianteiros | a disco ventilado | ||
Traseiros | a disco ventilado | ||
Antitravamento (ABS) | não | sim | |
SUSPENSÃO | |||
Dianteira | independente, braços sobrepostos | ||
Traseira | independente, braço semiarrastado | ||
RODAS | |||
Pneus dianteiros e traseiros | 225/50 R 16 | 225/50 R 16 e 245/45 R 16 | 225/45 R 17 e 255/40 R 17 |
DIMENSÕES | |||
Comprimento | 4,45 m | 4,52 m | |
Entre-eixos | 2,50 m | ||
Peso | 1.450 kg | 1.600 kg | 1.620 kg |
DESEMPENHO | |||
Velocidade máxima | 250 km/h | 275 km/h | 275 km/h |
Aceleração de 0 a 96 km/h | ND | 5,8 s | 5,7 s |
ND = não disponível |
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