O carro esporte da Chevrolet transformou-se por sete
gerações, mas soube preservar sua essência e seus valores
Texto: Marcelo Ramos e Fabrício Samahá – Fotos: divulgação
Por mais que a indústria dos Estados Unidos tenha tentado, poucas vezes construiu carros com o mesmo glamour que os melhores europeus. Como exceção à regra, o Chevrolet Corvette pode ser considerado o mais charmoso e marcante carro esporte norte-americano de todos os tempos. Nenhum de seus conterrâneos conseguiu ofuscar o brilho do Vette — como gostam de chamar os entusiastas —, que completa 60 anos de produção neste dia 30 de junho. Durante suas sete gerações, detalhes expressivos de desenho e construção fazem com que o carro mantenha sua identidade e sua proposta inalteradas.
No início da década de 1950, as máquinas vermelhas do comendador Enzo Ferrari já encantavam a Europa e os EUA, assim como os pequenos esportivos da inglesa MG e os maiores da Jaguar, caso do XK 120. Nesse período a General Motors atravessava um momento crítico, tendo sua maior rival, a Ford, superado suas vendas por dois anos consecutivos. Os diretores do grupo sabiam que tinham de pensar em algo para retomar o crescimento. Tom Keating, executivo geral da Chevrolet, tinha em mente um novo carro para colocá-la de volta na primeira posição no mercado por meio de um crescimento em imagem e prestígio.
Em junho de 1951 era iniciado o projeto Opel (nome usado, ao que parece, em tentativa de despistar curiosos, fazendo parecer um trabalho para a marca alemã pertencente à GM desde 1929). No ano seguinte o presidente da GM Harlow Curtice dava carta branca para o engenheiro chefe de motores, Ed Cole, e o especialista em chassis Maurice Olley trabalharem juntos no projeto EX-122. Harley Earl, chefe do departamento de estilo da corporação, tinha em mente um modelo inspirado em esportivos europeus. Conseguiu a proeza de passar do estágio de modelagem em argila para a série-piloto em apenas 15 meses, prazo bastante curto mesmo hoje.
O Corvette conceitual e sua apresentação no Motorama de 1953: a aceitação foi tal
que, poucos meses depois, a GM o colocava em produção com alterações sutis
Em 17 de janeiro de 1953 a GM apresentava no Motorama — evento da corporação realizado no aristocrático hotel Waldorf Astoria, em Nova York — o primeiro modelo do Corvette, grafia inglesa para a corveta, uma pequena e veloz embarcação de escolta da Marinha inglesa. A reação do público que acompanhava o lançamento foi de frenesi e surpresa. Era um carro nunca visto nos padrões da indústria local: pequeno, baixo, com visual limpo e esportivo, o novo Chevy avisava que deixaria seu nome na história do automobilismo.
Não fosse o novo material, empregado pela primeira vez por um grande fabricante, o Corvette seria inviável por questão de volume de produção
Seu desenho, por mais que lembrasse o de carros europeus (Earl admirava em particular o XK 120), guardava traços do desenho norte-americano, como a traseira ao estilo Cadillac, com lanternas na ponta do pequeno rabo de peixe. A frente trazia uma ampla grade cheia de “dentes” e faróis protegidos por telas; o para-brisa era baixo e bastante envolvente. Havia elementos em comuns com carros de sonho — como se chamavam à época os conceitos de hoje — de anos anteriores da corporação, como o Buick LeSabre e o XP-300, ambos de 1951.
A aceitação ao Corvette do Motorama foi tamanha que a GM viu o sinal verde para colocá-lo em produção. Raros foram os carros de sonho que chegaram ao mercado com tão poucas alterações: basicamente se retiraram as pequenas tomadas de ar à frente do para-brisa e se estenderam os logotipos dos para-lamas dianteiros para formar um friso cromado nas laterais. A cor branco Polo e o interior revestido de couro vermelho do modelo conceitual se tornariam padrão no primeiro ano de produção.
Inspirado nos carros esporte ingleses, mas com um sabor norte-americano, o Corvette
tinha produção restrita, oferecido apenas em branco por fora e vermelho por dentro
Apesar das linhas atraentes, o primeiro Corvette decepcionava em desempenho. Era equipado com o velho motor dos automóveis Chevrolet de 235 polegadas cúbicas (3,9 litros) e seis cilindros em linha, chamado de Blue Flame pela fábrica e apelidado de Stovebolt, pois os parafusos da tampa de válvulas pareciam os usados em fogões. A conhecida caixa automática Powerglide de apenas duas marchas, com alavanca no assoalho e tração traseira, foi usada pois não havia uma caixa manual adequada a seu torque nem tempo hábil para desenvolver uma.
Não que o Corvette fosse tão lento: com carburação especial, taxa de compressão mais alta e escapamento duplo, desenvolvia a potência bruta (padrão neste artigo até 1971) de 150 cv, boa marca para seu tempo, mas não tinha o “empurrão” a que os norte-americanos estavam acostumados ou a esportividade que suas formas sugeriam.
O conjunto era montado sob uma carroceria de plástico reforçado com fibra de vidro prensado, que resultava em um carro leve. Havia 46 peças coladas para compor nove componentes principais — um deles, o assoalho, era mostrado pela GM sustentado por um só braço de um homem para representar sua leveza. Não fosse o novo material, empregado pela primeira vez por um grande fabricante, o Corvette seria inviável por questão de volume de produção; além disso, o plástico permitia moldar formas e detalhes de estilo impossíveis com as chapas de aço na época.
No interior o painel seguia um desenho simétrico, no qual um elemento diante do passageiro recebia o mesmo ressalto que o velocímetro à frente do motorista. O grande volante branco trazia um aro cromado para acionar a buzina e o retrovisor interno vinha sobre o painel. Os freios a tambor nas quatro rodas e a suspensão, independente na frente e de eixo rígido na traseira, eram derivados de outros modelos da marca. Os pneus de construção diagonal tinham a medida 6,70-15.
Dois lugares, painel simétrico, carroceria leve em plástico e fibra de vidro: apesar dos
bons atributos, o Corvette teve baixas vendas de início, em parte pelo alto preço
Em 30 de junho a GM iniciava sua produção na fábrica de Flint, Michigan, que faria apenas 300 unidades a preço equivalente ao de um Cadillac — o lento ritmo de fabricação facilitaria corrigir os problemas iniciais e aprimorar os processos. Em princípio, 300 carros parecem um número insignificante para um mercado como o norte-americano, mas se deve levar em conta que era um carro fora dos padrões da época, custava o dobro de um sedã convencional e tinha apenas dois lugares.
Na época, poucos podiam ter mais de um automóvel em casa. Assim, o alto preço tornou-se impedimento para muitos que esperavam um carro esporte acessível como os ingleses; o desempenho modesto e a caixa automática provocaram a rejeição dos que não abriam mão de esportividade, passando a chamá-lo de “banheira de plástico”; e os adeptos do conforto não aceitaram sua simplicidade em itens como as janelas de plástico, aplicadas manualmente às portas, e a ausência de maçanetas externas, que implicava sua abertura sempre pelas internas.
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Nas telas
Desde a primeira geração, o Corvette tem sido uma escolha frequente dos diretores de cinema quando se precisa de um carro rápido e charmoso para qualquer atuação. O modelo 1954 apareceu no filme policial A Morte num Beijo (Kiss Me Deadly, 1955), enquanto um 1958 personalizado é visto na ação 52 Milhas de Terror (Hot Rods to Hell, 1967). Carros do ano seguinte estão no policial Abaixo de Zero (Less Than Zero, 1987), na ação Trancers II (1991) e na comédia Mr. Wonderful (1993).
A segunda geração, ou Sting Ray, tem atuação bastante numerosa. Pode-se ver o cupê 1963 de vidro bipartido no musical Amor à Toda Velocidade (Viva Las Vegas, 1964), com Elvis Presley, e um conversível do mesmo ano na comédia Juha (1999). Corvettes de 1964 e 1965 estão nos filmes policiais Stingray (1978) e Corpos Ardentes (Body Heat, 1981) e na ação Star Trek (2009).
Conversíveis dos anos seguintes aparecem nos filmes de ação Con Air – A Rota da Fuga (Con Air, 1997) e Austin Powers – O Agente ‘Bond’ Cama (Austin Powers: The Spy Who Shagged Me, 1999)). Há ainda automóveis dessa geração no drama King of the Mountain (1981), na ação Thunder Run (1986), na comédia Não Mexa com a Minha Filha (She’s Out of Control, 1989) e no drama Jayne Mansfield’s Car (2012).
O Corvette C3 não é menos frequente no cinema. Modelos dos primeiros anos atuam no drama Billy Jack (1971), no suspense Sunset Grill (1993), na ação A Hora do Rush (Rush Hour, 1998) e na comédia Slipstream (2007), sendo os dois últimos em versão conversível. Um cupê 1973 é visto na ação Cleópatra Jones (Cleopatra Jones,1973), um vermelho está na aventura Um Carro, um Rapaz, uma Garota (Corvette Summer, 1978) e um prata surge na ação Cannonball – A Corrida do Século (Cannonball, 1976). Veem-se ainda os C3 na ação Profissão: Ladrão (Thief, 1981), em The Junkman (1982), no suspense A Aparição (The Wraith, 1986), na comédia Um Crime Entre Amigas (Jawbreaker, 1999) e, com estilo modificado, na ação Action U.S.A. (1989).
Registros da geração C4 nas telas estão na ação Hero and the Terror (1988), no drama The Unbelievable Truth (1989), na comédia O Pequeno Grande Time (Little Giants, 1994), na ação O Último Detetive (Last Man Standing, 1996) e na comédia Como Agarrar Meu Ex-Namorado (One for the Money, 2012).
Pode-se assistir ao C5 em ação na comédia Showtime (2002) e nos filmes de ação Triplo X (xXx, 2002), +Velozes +Furiosos (2 Fast 2 Furious, 2003) e Survival of the Illest (2004). E a sexta geração tem ao menos uma relevante aparição na ação O Último Desafio (The Last Stand, 2013).
Interessante mencionar os filmes em que aparecem Corvettes especiais. O Sting Ray de corridas de 1959 (leia boxe na página 5) tem atuação na comédia O Barco do Amor (Clambake, 1967), com Elvis Presley. Uma réplica do Grand Sport de 1963 foi usada na ação Velozes & Furiosos 5 – Operação Rio (Fast Five, 2011). Inusitado é o “Corvorado” da ação Com 007 Viva e Deixe Morrer (Live and Let Die, 1973): trata-se de um Corvette customizado por Les Dunham para se parecer com um Cadillac Eldorado, sendo o nome uma contração dos dois modelos.
Para a série Transformers, dois Corvettes de estilo futurista foram construídos. O conceito Stingray aparece na ação Transformers: A Vingança dos Derrotados (Transformers: Revenge of the Fallen, 2009) e o Stingray Speedster é visto em Transformers: O Lado Oculto da Lua (Transformers: Dark of the Moon, 2011).
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